quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

894 | MEDO DE ESCURO | 05/02/19




Quando faltava energia em casa, eu sempre ficava quietinha.  Geralmente, isso acontecia à noite, dando um toque bizarro, ao simples fato de não termos luz.

Na cozinha eu me sentava, e da cozinha eu não arredava pé, até que a luz voltasse.  Olhava as sombras gesticulando na parede, pareciam fazer coisas, que nossos braços, pernas e cabeças, não faziam.  Elas não se limitavam apenas a imitar nossos movimentos, elas criavam pantomimas exageradas em tamanho e interpretação.

No escuro, eu ficava 'pianinho', ao redor da mesa, longe da parede e da porta, que dava passagem ao interior da casa - que nessa hora virava um portal sinistro, com sua cortina esvoaçante - eu não sabia o que poderia surgir de lá de dentro, nem olhava naquela direção! 

Eu quase não falava,  permanecia pertinho da minha avô, que parecia não ter medo algum, pois continuava com os seus afazeres, como se nada fosse.

Nem pensar em ir ao banheiro, ou até o quarto, apesar de saber quantos passos seriam necessários, para chegar a qualquer cômodo que quisesse ir.

Nesses dias, ou melhor nessas noites, eu era visita na minha própria casa, como se não conhecesse suas dimensões, ou nunca tivesse passado, além da cozinha.

Se à falta de luz - como eu dizia - se somasse uma tempestade, ai então é que a coisa ficava feia.  Às pantomimas, se acrescentavam efeitos visuais e sonoros, que intensificavam o meu medo, transformado-o em pavor.  

Quantas horas fossem de escuridão, ali eu permanecia, respirando bem curto, com as orelhas em pé, com os pelos 'cantando o hino', com as pernas recolhidas sobre a cadeira, com medo de que algum ser rastejante viesse puxá-las.

A vida só voltava a fluir normalmente, depois que as luzes se acendessem, ao que eu comemorava batendo palmas.

A porta deixava de ser um portal sinistro, baixavam as pernas, as orelhas e os pelos.  Eu me lembrava de novo, do tamanho da casa e ficava livre para ir a qualquer canto dela.





 baseado em fatos reais

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