quarta-feira, 30 de novembro de 2022

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SEMPRE EM MOVIMENTO

As ladeiras são boas para testarem nossos pulmões, fortalecem os músculos das pernas e comprovam a nossa determinação, de chegarmos ao destino, embora este, esteja num nível mais alto – um excelente exercício aeróbico de superação de forças.

As mesmas ladeiras, quando as descemos, são úteis para porem à prova, o equilíbrio e sustentação do nosso corpo, porque é preciso controle para não descer rampa abaixo, numa velocidade perigosa.  Encontrar o rítmo seguro é um bom exercício para o freio de descida, quando ao peso do corpo se junta a força da gravidade.

Os trechos planos, sejam sinuosos ou retos, também exigem de nossa parte, uma vontade firme, na resistência e persistência na continuidade da marcha; porque estes, podem ser cansativos, ásperos, monótonos, intermináveis; e tanto quanto as ladeiras, também testam a nossa coragem e disposição, de atingimos o objetivo.



segunda-feira, 28 de novembro de 2022

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CASA E BOAS CERCAS

Com medo do frio, usei o cobertor pesado e rude.  Por temer as águas revoltas, morri de sede.  Na fome, aceitei migalhas, alimentei-me de coisas indigestas, enquanto a alma permanecia faminta e o corpo desnutrido.

Em busca por segurança, com grilhões e correntes forjei a servidão.  Sem coragem para dar um passo, fiquei onde já não estava mais.  Na falta de limites, vi meu jardim ser pisoteado ...

Mas os ventos gelados vieram e me arrancaram de onde estava plantado; submergi fundo, sem tempo de armazenar ar; fui jogado contra os limites do outro; passei por todo tipo de privação.

Ao me ver em terra, desperto, descobri a liberdade e os ares puros.  Agora, moro em casa própria e constatei que posso fincar raízes onde quiser.  Teço meu próprio agasalho; aprendi a fazer uma concha com as mãos e beber da água doce do meu terreno; do jardim saem os aromas e gostos.  Aprecio o horizonte e minhas cercas enfeitadas, bem definidas, transpostas, apenas por mim.


sábado, 26 de novembro de 2022

 1551



A GRANDE MENTE

Já não era um único coração batendo, eram minúsculas bombinhas, nano-corações, pulsando por todas as artérias e veias - um coração difuso, de vida abundante, levando e trazendo mais do que sangue, transportando consciência a todos os espaços, por mais escondidos.

Aprendia que enquanto pulsava, respirava presente em todos as células, tecidos, órgãos e sistemas.  E enquanto se fazia presente em cada pontinho, permitia às pequenas partes, sentirem da mesma forma, como sentia o grande coração, conciso e localizado no meio do peito - uma explosão de sensação, emoção e sentimento à flor da pele, percepções desconhecidas até então. 

Foi um exercício muito breve e não usual, mas serviu ao propósito de revelar, como seria ter um coração pensante, em cada terminação nervosa, em cada um dos sentidos, em cada ponto mais remoto.  Assim, o corpo físico deixaria de ser só físico, passando a ser um ser pensante, sensitivo, capaz de apreciar espaços físicos, emocionais, vibracionais, sem precisar esbarrar ou invadir outros semelhantes a ele.  Agindo como uma grande mente, sabedora e respeitadora das individualidades dos seres de toda a criação.  Desse jeito, a mente não mais mentiria, nem o coração se enganaria, estariam os dois, num perfeito equilíbrio de razão e sentimento.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

1550 




UM SÓ

À beira do caminho, eu tantas vezes em terra, me deixei levar pela emoção de ver coisas lindas e também por coisas tristes.  Uma vez em mar e sobre ele, mais precisamente, apesar do medo de sua imensidão, foi impossível não juntar algumas gotas salgadas, vertidas por mim, às colossais águas que meus olhos viram.  Brotaram de uma profunda gratidão, nascida do mais íntimo do meu ser, talvez de uma saudade enrustida e remota, por estarmos tão distantes, por tanto tempo. Foi como, se uma súbita simbiose tivesse ocorrido entre o mar e eu - e o seu sal chamou o meu, foi assim que nos entendemos.  Num misto de temor e adoração, como se em mim aparecessem nadadeiras e brânquias, por uns instantes apenas, eu pude me ver debaixo da superfície da água, e sem me afogar, éramos um só. 



sábado, 12 de novembro de 2022

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PÃO E RAZÃO


Parecia que na casa faltava pão, mas o que faltava era educação.

Todo mundo gritava sua razão e em cada grito, mais abrasão.

Cada um dava vazão a sua deseducação, que só piorava a situação.

Nessa louca conversação, ninguém se entendia, era zero comunicação!

E à conciliação, entre berros de persuasão, só restara a evasão!




quinta-feira, 10 de novembro de 2022

 1548




ENTRE OS MEUS VIVOS

Tenho certeza de que a poesia ainda mora em mim, que se demora, em algum cômodo, adormecida ou ensandecida.  Mas como incômodo, sinto essa repentina sensação de ausência ... ao que reajo, com uma desesperada teoria, em que defendo a 'anticoncepção' de sua falta.  Está mais para desconhecimento do paradeiro, do que para sua efetiva inexistência.  Porque sinto que ela não desabitou a minha casa, que resiste bravamente.  Sei que embora me falte palavras para dizê-la, as vísceras se retorcem, os nervos se contorcem - os seus aliados declarados - como a gritarem a mim, por uma única sentença, curta que seja, mas que traduza esperança. Permanece aderida ao meu ser, um tanto letárgica, mas eu a conto entre os meus vivos.  

Devo então, fazê-la despertar ou sair de um ostracismo involuntário, talvez voluntário. Devo busca-la, na cela em que se encontra; retirar-lhe a mordaça, que lhe nega voz; desfazer os nós que prendem os movimentos, dizer que goza de juízo perfeito e trazê-la pelas mãos, à luz de um dia ensolarado.


arte | anne soline