sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

888 | UMA CRÔNICA SOBRE EXAGEROS | 01/02/19




De cara com a janela escancarada, eu quase rezo, pra que entre uma brisa refrescante.


Jogado sobre a cama ardente, na câmara ardente que se transformou o meu quarto; recebo toques pesados e nada naturais, do vento falso e quente, que o circulador de ar joga em mim, é o melhor que ele pode fazer.  E em vez de brisa fresca, só o que eu consigo é um bafo tórrido.

Acordado, tenho chance de cronometrar o intervalo de tempo exato, entre um avião e outro, que corta o céu e faz uma curva bem acima do meu bairro.  Parece que tem um trevo aéreo, de passagem obrigatória a cada aeronave que levanta voo, independente de seu destino.

Chego  à conclusão, de que estou enganado com relação à noite. Enquanto durmo, pensei que ela dormisse também - mas ela não dorme.

Ela sobe e desce a rua, barulhenta ou em silêncio. Eu a escuto acelerando, a esticar as marchas nos trechos compridos da avenida próxima e sei também quando ela é obrigada a frear num cruzamento perigoso, quando o semáforo se fecha abruptamente.

Eu a escuto latir, guardando e defendendo a propriedade do dono e ao seu próprio território.

Ela ri em algumas festas que acontecem nesse exato momento, ela chora desesperada em hospitais, agora mesmo.

De volta ao quarto, quero dizer câmara, enquanto meus líquidos corporais fervem - eu sei que ela, em absoluto, não dorme - muito menos eu!

Sinto o meu sangue fluir com preguiça, pelas veias, dentro dos meus membros inchados, pelo rigor da temperatura,   Ah ... não fui feito pra tanto calor, nem pra viver nessas condições de desconforto.  Como estarei de pé amanhã, pronto pra cumprir as minhas obrigações! ... e em qual estado físico e psicológico!  De nariz entupido, acabado e mal humorado!   Não serei o pó da rabiola, mas o pó da ferrugem da cangalha do balão.

Eu me pergunto: se acaso meu corpo sobreviva, ao derretimento nesse verão ... será ele também condenado a trincar de frio, no próximo inverno?  

Desse jeito, morremos mais cedo - cozidos, fritos, assados, desidratados, pra depois sermos congelados, dentro de poucos meses. 

Além de todas as lutas, que somos obrigados a travar, com vários leões por dia, têm também as adversidades climáticas que nos castigam ... só de pensar, já entro em desespero e sinto mais calor ainda!



889 | POSSÍVEIS SENTIDOS | 01/02/19





Não acompanho seus pensamentos, não compreendo sua razão, de se colocar em águas fundas, sabendo que eu não sei nadar.  Podia achegar-se até a praia, onde a água é mais rasa.

Quero alcançar o centro do seu peito, mas não sei como! Traz escondidos, suas mãos e pés. parte de sua cabeça e seu olhar.  Não dá pra saber se pretende ficar onde está, ou se fará em algum instante, menção de ganhar movimento. 

A escada ali colocada, beirando a água, não sei o que significa, teria sido ali posta, ao acaso? Por quem? Quer que eu adentre pela abertura?  Só vejo escuridão.  Espera que alguma criatura marinha, por ela se aventure?  Ou que me transporte até aí?  Ou quem sabe, foi pela mesma abertura que algo saiu, deixando tudo às escuras?

A leitura que faço é: qualquer ser que se preste a fazer algo, terá um trabalho árduo, desvendando um enigma, ou uma mensagem de vários possíveis sentidos.



614 | DOM E DESGRAÇA | 01/02/18




Por tudo o que quis dizer, mas engoli.
Por tudo que disse, e virou veneno.

Pelas mentiras vestidas,
pelas verdades nuas,
pelas vinganças rasas e inúteis!

Pelas folhas marcadas e dobradas do livro,
também as rasgadas, numa hora de fúria!

Por tudo o que proferi 
e chegou intacto ao seu destino!
Por tudo que tomou caminhos desviados,
se perdeu ... e me perdeu!
Pelas mal faladas frases, infelizes!

Dizem que é preferível ouvir coisas feias,
do que não poder ouvir! É isso?
Como um tipo de permissão dada à palavra,
é preferível falar!

Por aquelas que disse,
 transparentes, claras, doces ou não,
ainda são palavras!

A palavra é coisa solta na boca,
por vezes, a boca é mais rápida.
Pode ser dardo ou bálsamo...
   Antes de mais nada, a palavra,
é o que fala de mim,
a palavra sou eu!

102 | AMANHECER | 01/02/16





Pela janela do quarto principal ... vejo o paredão de granito, erguido incontinente! Aprecio as árvores da encosta arredondada ... formando a baia! De prontidão estão as rochas pré-históricas oferecendo resistência e escudo às ondas, que irrompem do fundo dos oceanos! Elas filtram a sua fúria! Defendem a praia dessa investida. As gaivotas passeiam pelos ares ... e de pouso em pouso, se alimentam satisfeitas e gratas!


103 | ENCONTRO MARCADO | 02/02/16





Vou colher e levar pra casa

algumas conchas que o mar regurgitar

sentindo no rosto o mesmo vento

que a folha agitar.


Ah!  E essa  febre que me derrete!

Do verme - eu não sei ...

o quanto ele promete ...

me levar ao mal!


Me decidi por rimas pobres

qualquer lembrança

"passo nos cobres"!


Me afeiçoei pelas trinas,

um bom número é o três!

Vasculho todas as ruínas,

que vivem nas sombras entristecidas,

debaixo das fotos amarelas, envelhecidas.


Eu te encontro ... eu prometo ...

em "uma prosa" mais poética que poesia!


Combinemos um gesto, uma senha...

pra que eu possa logo reconhecer-te ...

Já sei ... de minha parte ...

vou fazer uma coroa de conchas

e colocar na minha porta!


Prometo: esperar-te!

E por acaso, tenho como não fazê-lo?!




104 | PERCEPÇÕES | 02/02/16






A tristeza passa pesada e rançosa ...

a alegria não passa - ela saltita ...

adianta os ponteiros e

nem se deixa fotografar!

1126 | PALAVRAS E MENINOS | 31/01/20


Palavras levantam muros, elas saem por dentes duros.

Palavras desenham pontes e me fazem subir os montes.

Me levam aos infernos ou lembram os beijos maternos.

Gritam a dor mais profunda ou a paz que circunda.

Pontilham um belo caminho ou acabo morrendo sozinho.

Me oferecem algum paraíso ou negam o que é preciso.

Forjam um grande destino ou podem matar um menino.




  arte | tamypu
887 | PISCA-PISCA | 31/01/19




Sentei-me na lua, só pra observar o céu.
Estava escuro, mas não tive medo, era cheio de estrelas dependuradas, eu podia ver todas, piscando, em suas frequências e intensidades, como se cada uma tivesse uma quantidade diferente de luz, permitida pra gastar naquela noite.

Algumas eram meninas, outras já eram mulheres feitas, outras ainda, anciãs.  As meninas piscavam tão rápido, que eu não conseguia acompanhar.  As mulheres feitas, brilhavam de uma forma interessante, em intervalos precisos, como tentando me passar uma mensagem, em alguma espécie de código, ao qual desconheço.  Ao que me pareceu, elas literalmente davam longas piscadelas insinuantes pra mim.  As mais velhas, tinham um brilho um tantinho mais fraco, latejante, mas era preciso prestar muita atenção e perceber que também piscavam e eram senhoras de si.

Eu só olhava ao redor e acima.  Não me interessava olhar pra baixo.  Eu me senti um penduricalho opaco, no meio de uma árvore toda iluminada, em plena noite de Natal.

Era noite amena, em temperatura e vento.
A lua não era fria e até que macia ... vontade de descer eu não tinha.  

Eu me deixei ficar, bem confortável e em silêncio.  Enquanto não desse a minha hora de retornar, ficaria por lá, balançando as minhas perninhas no ar, porque o banco onde estava sentada, não podia ser mais alto.


886 | JANELAS ÀS PORTAS | 31/01/19





Numa casa, o movimento se faz pelas portas, mas é pelas janelas, que entram a luz e novos ares, pela maior parte do tempo.

Portas, têm certos momentos de serem abertas e fechadas, as janelas também, mas a diferença é que as segundas, devem permanecer por mais tempo abertas, para que entre o que precisa entrar e saia o é que preciso sair.

Mesmo quando fechadas, as janelas podem nos oferecer uma paisagem do que se passa lá fora, através dos vidros;  na pior das hipóteses, podem ventilar pelas suas frestas, alguma esperança, quando dentro já não há.  Janelas nos mostram que existe muito mais no mundo, do que dentro da casa.

Portanto, é preciso mantê-las todas, em bom estado de conservação, coisa tão importante quanto a resistência das portas e suas respectivas fechaduras.

Precisam fechar bem, quando quisermos, serem sempre limpas, para que a transparência delas, não altere a inocência de ninguém e nem a nossa.  Se não conseguirem manter o 'desagradável opcional', do lado de fora ou se estiverem sujas, com vidros manchados (pois estes têm o poder de sujar uma atitude inocente, e transformá-la em culpada, dando à ela a mancha que não existe) - elas não servirão ao seu propósito.

Em nós, existe uma porta de onde deve sair o estritamente necessário, para não nos comprometermos sem necessidade, senão é melhor, mantê-la fechada e se a vontade de falar for grande - será melhor trancá-la.  

Tudo entra primeiro pelas janelas abertas -  quando 'vemos' ... e pelas suas frestas - quando apenas 'sentimos', mas tudo entra primeiro por elas.

Não me ocorre agora de quem é o pensamento: '"prefiro janelas do que portas", mas é bem isso o que gostaria de lhes dizer.


101 | AMEI | 31/01/16





De todas as vezes que chorei

em todas - sem dúvida eu amei

amei quem não me quis

amei quem eu quis e me machucou

também amei quem me alegrou

que foi meu amigo, me acarinhou

quem comigo dividiu amor

e juntos nós o multiplicamos

amei até ... quem não soube dividir!


100 | DO VERBO INDAGAR | 31/01/16





De que tamanho pode ser a dor?
Quais proporções pode ganhar?
Não falo da dor criada no outro!
Falo da dor guardada em si - quieta!
Daquela que se quer sufocar...
Quanta dor pode se esconder numa simples mágoa?
Quando um ciclo se finda e nos recusamos a sair dele  ... ele se fecha ao redor de nós - viramos seu prisioneiro!
De mágoa em mágoa ... não se enfraquece um sentimento?
Má água não dessedenta...
Uma  "má água"  pode azedar tudo!




arte | paul émile chabas | "september morn"

99 | ENTREVER O QUE NÃO SE VÊ | 31/01/16





Não preciso de óculos pra enxergar a vida.

Aliás ... enxergo melhor sem eles!

Eles só me fazem ver melhor as imagens.

no entanto, a vida se enxerga com a alma...

A deficiência visual é dos olhos!

Enxergo a beleza que não é das formas,

mas do que elas podem guardar dentro delas!



arte | cheiro de alecrim

98 | MÁ INTENÇÃO | 31/01/16





Quando vos falo, o meu propósito é de me fazer entender. O vosso é reflexionar sobre! 


Reflexionar e não refletir, isso quem faz é o espelho!  Ou seja - sou a pedra, um tanto trabalhada, sobre a qual  o sol deve incidir , para que  a ideia seja  trazida à luz, junto ao calor que dela se desprender, dando possibilidade à reflexão.

 

Sirvo-me  de indicativos que vos façam acreditar no que eu digo, usando meu poder de persuasão.  Me sirvo da familiaridade com  as palavras,  sem ousar o imperativo dos verbos, porque não pretendo coagir ... a escolha deve ser vossa ... para que não me venham questionar!

 

Vosso dever é duvidar, capacidade da cabeça pensante ... não aceitar de pronto uma verdade ou fato, que pode não ser vossa!

 

Vos conduzo ao desfecho, mas como duas idéias tão estranhas entre si,  que crescem juntas - sempre vos deixo reticências  - mesmo que não as escreva!  É essa,  a  vossa 'deixa', para entrar na narrativa e fazer vosso final alternativo.

 

Sou forçado por minha natureza, de vos fazer convencer, porém é impossível não desejar, implantar a dúvida em vossos corações,  ou pelo menos, neles jogar a semente...

 

'Se' existe uma tendência depressiva - quero que seja muito expressiva!

 

Havendo uma apatia - igualmente, me será de serventia!

 

'Se' a  tendência for à excitação - também dela me aproveito para atingir os meus fins!

 

Ao contrário do que se repete à boca grande: os meios é que justificam os fins. Os meios importam mais! É neles que nos demoramos  por mais tempo! 


Os fins são rápidos, sintéticos e carregam uma assustadora frieza, que ordinariamente não nos agrada!




quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

1125 | OBSERVADOR E EXPERIMENTADO | 30/01/20


Com meu corpo largado sobre a cama, pude constatar a 'relatividade do tempo' e a atestar a 'transformação da matéria'.  Tornei-me assim um observador, a assistir a química acontecer, o que me levou a filosofar.  Serei mais claro.

Não sei qual dos dois corpos estava mais quente, se o meu, ou se a cama.  Um local de repouso, era o que ela não estava sendo, estava mais pra um instrumento de tortura.  O ar duro e nada natural do ventilador batia sobre a pele, não refrescava e ainda me deixava irritada.

Primeiro vou falar sobre a matéria: a minha, orgânica; mais a outra, a inorgânica, dos lençóis e colchão.  Eu podia sentir que as duas estavam a se misturarem.  Eu derretia, e de sólido, meu corpo passava a ser líquido, quente e salgado, que por sua vez, se impregnava no tecido.  Na minha ideia, era tudo uma coisa só, cada vez que me virava, o pano grudado na pele, vinha junto. Não havia nem um só pedaço de cama fria, onde pudesse resfriar os pés.  Era tudo uma placa tórrida, a fritar, o que por ventura, nela se deitasse.  Aí está - a transformação da matéria - não só a vi acontecer, como fui parte integrante da experiência.

Quanto à filosofar sobre a relatividade do tempo, vou explicar.  As horas em que passei nessa cama, nessa noite, tiveram os mesmos 60 minutos, que tiveram os  seus mesmos 60 segundos, cada um.  Mas nas condições em que estive, fritando na placa quente, tendo a sensação de que a minha gordura passava ao tecido, podendo até sentir o vapor que exalava da pele quente, não foi uma coisa agradável e muito menos, foram horas repousantes.  Foram intermináveis horas, estendidas, acrescidas de muitos outros minutos além dos 60.  Só conseguia me ver, com mãos suadas, dependurado no ponteiro dos segundos, esperando o calor passar, antes que o próprio relógio se derretesse também.

Muito depois de clarear o dia, é que um ventinho começou a soprar.  A janela tinha ficado aberta a noite toda, na intenção de que uma brisa pudesse adentrar o quarto, mas nem uma gota dela tinha passado pelas grades.  Foi mesmo como se tivesse me faltado o ar, como se me tivesse feito derreter os pensamentos.

Ainda deitado, meus olhos viram uma movimentação estranha, dando uma ilusão de que estivesse saindo do quarto uma certa nuvem quente, como nos efeitos especiais dos filmes, quando se abre um portal, ou coisa assim.  Esfreguei os olhos, pra ver se estava mesmo vendo o que via; a fina tela de proteção contra insetos, passou a balançar e bater nas grades da janela, dando uma ilusão de que estivesse saindo do quarto uma certa nuvem quente. 

A grande peneira, a tela fina, por ela não passaram os insetos, mas deixava passar o ar fresco, tão desejado na madrugada.





885 | DE OLHO NA PORTA | 30/01/19





Do nada, os medos invadem
uma casa desprotegida
... num piscar de olhos ...
quando ignorada a porta aberta.
Quase prende os dedos
de quem a fecha com pressa.
Como crianças mal educadas
ou como os sem-teto
não respeitam propriedade
e ao verem um portão
descuidado e sem tranca
não perdem a chance.
Penetram pelas brechas
se infiltram pelos pontos débeis
aproveitam-se de uma distração
ou de pequeno lapso do sentinela.
É preciso depois fazer a limpeza
e que trabalhão que dá!
Eles sempre acham como entrar!

613 | ELA PRÓPRIA  | 30/01/18






Imersa num oceano de dor, eu sou a própria.
Submersa na imensidão azul e verde, a única coisa de que me lembro é da cor do sangue venoso, parado nas veias, porque o ar velho não consegue sair do peito.  O mesmo ar que deu vida, agora carrega a morte, não permite que mais vida, entre.

Quanto mais fundo desço, mais frias ficam as águas.  Eu me recordo meio consciente, meio sonolenta, dos doces momentos, das literais tábuas de salvação, que nessa fundura onde estou, não existem.  Quer explodir no peito a máquina que não foi feita para funcionar nesse lugar fundo.

Num esforço excepcional, maior do que eu, impulsiono minha cauda imaginária e invisível, para subir à superfície e me fazer visível à possibilidade de ajuda - a que me é possível.  Enquanto ela não chega, estarei a acenar com as mãos - a minha localização.

As tábuas não salvam, diretamente - elas nos mantém na superfície de uma situação, até que o verdadeiro socorro aconteça.

A cavalaria não virá, nem a turma do resgate, o meu salvamento será segundo as forças de meus próprios braços e pernas!



97 | PLEONASMO | 30/01/16






Posso tentar falar de tudo,
sem nada falar de nada!
Sou poeta 
e das primeiras tentativas...
Apenas algumas rimas!
O que importa a riqueza,
se não lhe corresponde a franqueza?!
Ou que me falte a competência,
de levar as idéias à transparência!
Talvez não haja coerência ...
e nem se encontre a seqüência!
Não por acaso ...
Sempre na redundância,
pode haver ...'certa coerência'...
se lhe adivinhar a seqüência!