terça-feira, 28 de setembro de 2021

1407

BEM MAIS-QUE-PERFEITO

   


Porque quis beijar-te a alma, eu abracei teu coração. Quis beijar-te os olhos e por isso segui teu olhar.  Quis beijar-te os lábios, então beijei tua face.  Quisera sim, perder-me dentro da tua boca, ver-me no fundo do teu olhar e esquecer-me para sempre, no meio do teu peito.



sábado, 25 de setembro de 2021

1406

 NÃO SABEM TODOS!




Sou esguia e delicada, meus movimentos são leves, surpreendem por acompanharem a música, graciosamente, tal qual, fossem desenhar as notas musicais ou o voo de uma borboleta pelo ar.  Meu corpo, é como se não pesasse mais do que suas asas ou como a folha de papel, que contém todas as notas musicais da melodia.  Encanto com a minha face de cera e meu sorriso inerente e sereno, desenhado nela.  Às vezes, trago adornos na cabeça e um certo brilho nas minhas vestes, porém são as mínimas possíveis, tudo para que não deixem dúvidas, sobre a perfeição de cada um de meus passos.  Visto-me com transparência, como transparentes são, as asas da borboleta.  Meus trajes são sempre tão finos, que não me atreveria a vê-los molhados, pois temo que se desmanchem, e como a folha de papel exposta à agua - se dissolve, a minha nudez seria evidente.

Ah! ... não sabem todos, que semelhante ao palhaço, que traz um riso riscado no rosto; eu trago a leveza e perfeição de gestos impressos em minha figura.  O que não sabem todos, o que talvez nem suspeitem ... é que como o palhaço, que carrega a dor bem guardada e escondida; eu também supero o cansaço e pés feridos, sobre sapatilhas duras e belas.


sexta-feira, 24 de setembro de 2021


1405

NAS DOBRAS E VOZES





Nas dobras do tempo, se escondem as lembranças esquecíveis, e elas ficam por lá um período razoável.  As vozes do vento dizem aquilo que quero escutar.  Uma ou outra vez, falam também daquilo que não quero e mesmo que eu não goste, não há como tapar os ouvidos.  Em outra ou uma vez, as dobras se desdobram e mostram pequenos relances de memória - são pedaços acordados, retalhos que eu preciso juntar à trama, porque esta tem essa capacidade de se refazer, a cada novo desdobrar.

Tudo acontece aos poucos, de acordo e conforme minha capacidade de suportar e dar-lhe uma destinação útil.  Apesar de sentir a fome, o frio, o vazio; a cada nova revelação de imagens e palavras cantadas ou gritadas; vai fazendo mais sentido e vejo que se torna menos incompleto, o arquivo que arrasto comigo.

Os fragmentos de lembrança, que vêm à tona, mais o que me contam as linguas, formam o conto 'quase completo', no máximo de sua completude - aquela que posso esperar ter nesse momento e com a qual eu consigo lidar.  Digo quase completo porque, há muito ainda a ser desenterrado, muito a ser esclarecido e reconhecido, coisas ainda desconhecidas de mim mesma, que precisam vir à luz. 




domingo, 19 de setembro de 2021


1404

‘GOSTARES E QUERERES’  

 




Certos 'gostares' nos causam tremores.

Sem serem dessa vida, vêm de época perdida

são do entretempo, saltam da linha do tempo

em pequenos lampejos e acordam velhos ensejos.

 

Esses 'quereres', trazem em si, seus clamores,

temores - são 'amados-calados' ...  sublimados.

Sentimentos secretos, em quereres discretos

e num olhar de viés, contudo ...  dizem tudo!

Se nascem ou renascem, não se sabe!

 

Ao amarmos a alma, o encontro desalma!

Sem carne, tempo e lugar, nos fazem relegar

postergar, ao futuro, o frágil re_nascituro.

 

Se o terreno é grande, a espada não brande

... pois então, sempre haverá espaço aos dois:

aos quereres da carne, aos amores de cerne!



os gostares e os quereres (substantivos) - o mesmo que amores

desalma - retira a alma, o mesmo que desencontro


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

 1403

O COMETA E A CORDA




Nesses últimos tempos, já me esqueço de lembrar de você, em todas as manhãs, quando acordo.  Nessas, só lembro, altas horas depois, e isso é um progresso, eu acho.  É fatal, que à noite, eu lembre de incluí-la, em minhas orações antes de adormecer.

Eu sabia, qual terreno meus pés pisavam, foi de minha inteira responsabilidade e de mais ninguém.

Mas quando me recordo, é como um cometa, meu velho conhecido, tocando a órbita do planeta onde vivo e lhe causa alteração nas condições de vida.  Quando o sentimento, tange uma das cordas do meu coração, este geme, enquanto acorda a minha memória e inunda a corrente sanguínea, com quase a mesma euforia de antes.

Felizmente ou não, estes episódios estão, cada vez menos frequentes, tenho conseguido estar mais preso ao chão e um pouco mais dono de minhas emoções.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

1402

A COISA CERTA



Primeiro, vou registrar os fatos, dos quais não tenho comprovantes ou provas.  Antes que se percam no turbilhão da memória, é preciso que eu os catalogue de acordo com a cronologia, em que se deram.  Depois disso feito, me sentarei, com calma, de posse das provas existentes, vou relacioná-los - os fatos, na mesma ordem, cronologicamente. 

Ao final, descansarei, porque tenho feito muito ... ontem, nesses últimos dias. Não tanto, quanto a minha consciência manda; nem tanto, quanto meu corpo aguenta;  mas em tudo eu coloco meu coração.  Não consigo imaginar, qual seria o peso e o cansaço; se de tudo, eu excluísse a dedicação e a certeza, de estar fazendo a coisa certa!  

Dizem que: 'serviço feito não dá canseira' ... eu digo, que dá sim!  Mas uma canseira boa, de dever cumprido - segundo a minha capacidade e entendimento.  Eu diria até, que é uma canseira leve, que refaz, enquanto se faz o que é preciso ser feito.  Como um forno autolimpante, uma mensagem autodestrutível ou coisa assim - nada, que uma boa noite de sono ou duas, não me possam devolver.

1401

TANTO QUANTO




Sou tão perfeita, quanto a minha imperfeição, me permite sê-lo.  Minhas asas defeituosas, vez ou outra, tocam os portões do céu.   Em não menos vezes, me fazem encharcar as vestes, quando imersa no limbo ou ainda, me levam a chamuscar os pés, nos portais do abismo.


arte __ agnes cecile

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

1400

ACIMA DE TUDO




Senhor!  Não me faltes na hora mais comprida e dura.

Sejas a minha luz, quando a trilha for incerta e escura.

Por compaixão, sustenta-me nos perigos necessários

e por misericórdia, livra-me, daqueles não obrigatórios!

Mais ainda, estejas também, na hora curta e alegre,

até que a gratidão, ao meu ser, se integre!


segunda-feira, 6 de setembro de 2021

1399

PERMISSÃO




Talvez eu soubesse dos perigos que espreitavam, em cada esquina, em cada trecho oculto, uma vez tomado aquele caminho.  Perigo de me machucar, perigo de não saber onde ia dar, perigo de me perder.  Afinal, todos os caminhos nos oferecem perigos.  

Mas têm perigos, aos quais vale a pena, submeter-se; aos quais se estende prazerosamente a garganta e se oferece a gema vermelha numa bandeja; porque alguns são tão irresistíveis, tamanha a sedução com que nos assediam.  A força do magnetismo, o vigor do fascínio que encanta e nos absorve por completo; são o arrastamento voluntário e de intensa satisfação, a que nos permitimos viver.


sábado, 4 de setembro de 2021

1398

DEPOIS DE NÓS



Apesar do meu amor às palavras, sei que elas são códigos e arrisco-me em dizer, que a linguagem escrita/falada é algo incompleto/imperfeito/vago/pessoal, quando se trata de descrever sensações, emoções e sentimentos.  Por estar sujeita à visão de quem conta; por deixar margem à interpretação, segundo o conteúdo de quem a recebe ... confiar no 'ipisis litteris', para atestar a veracidade da coisa, é no mínimo, arriscado.

Por mais e melhor que se fale, não será contada toda a 'história', porque as palavras não entram nas suas minúcias mais dissimuladas.  Por mais detalhes com que se conte, nunca dirão tudo -  a soma de todos eles, não será redonda.  Porque por sua vez, os sentimentos não cabem nas palavras e estas são insuficientes para captarem, codificarem e traduzirem uma mensagem limpa de ruídos; sempre sobra um resíduo inverdadeiro ou falta um pouquinho, para transcrever com fidelidade e retratar a real amplitude do sentimento envolvido.

Toda a história contada, será um reflexo distorcido de uma cena, nunca a própria cena - terá cores, luz e expressões nem sempre perfeitas e apropriadas.  A memória é fraca, as palavras são meros e parcos paliativos, para se tecer uma trama de forma concisa e fiel.  

Quem conta, já não está imerso na emoção do momento, podendo dar a impressão de ser frio demais ou de ser dramático e tendencioso, na intenção de direcionar a um certo resultado, os nervos de quem lê.  Quem conta, sempre aumenta um ponto, omite outro, aperta um aqui, afrouxa um ali - uma arte de mãos, como bordar, tricotar, e cada trabalho sai diferente.  

Eu não diria que as palavras mentem, apenas digo que elas se esforçam por contar um fato, o que se dá de maneira pessoal e subjetiva, pois nesta estória, só existe uma parte que não sabe mentir - é o que 'se sente'.  

De qualquer forma, é preciso contar, é assim que a história passa adiante, de boca em boca ... ou melhor - de folha em folha.



quinta-feira, 2 de setembro de 2021

1397

AS NOZES, OS DENTES E O TERCEIRO LADO




Dizem que 'Deus dá nozes a quem não tem dentes'.  De imediato, eu penso: em quem tem dentes bons e fica só na vontade de comer, as apetitosas nozes.

Todos sabem, que eu gosto de provérbios, porque eles encerram uma sabedoria popular, construída através de milênios da convivência humana, repassada de uma forma sintética e descomplicada.

As nozes podem ser: uma oportunidade que se vê desperdiçada; uma dedicação pura da qual se desfaz com facilidade; uma dádiva rejeitada e que nos faz inveja; uma boa condição não aproveitada; até um amor preterido.

Os dentes, fazem o papel do instrumento capaz de usufruir, de se tornar digno, de desfrutar do direito ao benefício disponível ... e escolhe não ser usado; não honrar a entrega sincera; recusando-se a vivenciar a oferta gratuita; deixando passar o momento precioso; desprezando um sentimento autêntico.

E ficamos assim, de um lado as nozes frescas, apetitosas e atrativas, expostas e convidativas.  Do outro lado, uma dentição completa e perfeita, sem uso e que não deseja comê-las.  Há ainda um terceiro lado, aqueles que possuem gengivas desdentadas ou falhas, salivantes, loucos por abocanhá-las, querendo tirar delas o sabor e o prazer de mastigá-las, que acabam por ficar só no desejo.  

O mundo, é no mínimo curioso: quem pode - não quer; quem quer - não pode.  E eu ainda penso: certamente, tenhamos que dar contas, das oportunidades desprezadas, das dádivas ignoradas, das atenções malbaratadas por nós.  E que mais ainda, se não temos os dentes necessários, para mastigar as nozes, seguramente, não é chegada a hora, de nós as saborearmos. 


arte __ nina de san