segunda-feira, 29 de março de 2021

1331

PAIXÃO E LINGUA MORTA





Só pude conjuga-la, no tempo presente e na primeira pessoa do singular; porque a paixão, sem companhia, não tinha futuro - fazia uma carreira instantânea, mas solo.  Não fazia sentido, dar-lhe esperança, como inútil é, oferecer unguentos ou poções a um moribundo.  Era isso o que acontecia - estava moribunda e não sabia, era só uma questão de tempo, com dias contados - estava fadada ao fim de seus instantes de glória e muito mais próxima dele, do que imaginava. Minha intenção nunca foi prolongar seu sofrimento. 

Apesar de vigorosa e avassaladora no início, agora consumia sua própria carne, mostrava-se fraca e necessitada de uma transfusão de energias vitais, para sobreviver.  Isso, eu não faria, porque estaria a transferir-lhe minhas próprias forças, as mesmas que me fariam falta, quando ela se fosse.  E nessa toada, eu a vi arrefecer-se, perder corpo e calar-se.

Na maior parte do tempo, acho que ela se foi de fato, mas subitamente do nada, quando menos espero, me vêm à lembrança, algumas cenas e sensações daqueles tempos, afloram-me à pele e dou conta, de que ela não se foi de verdade, que ainda - ou ela guarda um tanto de vitalidade ou é a memória, que está a pregar-me peças.  

Nessas horas, entramos em conversação séria, para estabelecermos um diálogo franco, onde tento convencê-la, de que não é mais, quem ela pensa ser - uma paixão.  Na verdade é mais um monólogo do que outra coisa, mas eu prossigo nos meus argumentos, embora sem saber ao certo, quem convence quem!

Nessas tentativas de entendimento, digo-lhe que pelo tempo e pelos acontecimentos decorridos, deve considerar-se como algo mais parecido com um sentimento, não mais uma emoção.  Mostro a ela, que agora é mais tranquila e não tão premente, por estar mais madura; mais incondicional, porque escolhe permanecer viva, mesmo sabendo, que encontrar correspondência é coisa fora de questão.  Nem sempre é possível chegarmos a um consenso, invariavelmente, enrosco-me nos braços de nossas recordações ou constato, que a comunicação entre nós, se dá através de alguma língua morta.

29/03/21




domingo, 28 de março de 2021

1330

TEMPLO E ORAÇÃO




Eu rezei, do lado de fora das igrejas fechadas, sobre a soleira fria e rústica, de joelhos esfregados na entrega e o rosto escorado na madeira das portas. Eu rezei, às cabeceiras ardentes e insones, das madrugadas sem fim.  Orei, para que minhas preces fossem lampadinhas pendentes, iluminando o quarto escuro da minha pouca fé.

Sem imaginar, que quando em oração, sobre a dureza do chão, eu estava mesmo, diante e aos pés do altar que trago dentro de mim.  Ao orar nas noites de desespero, sobrevivi à escuridão e às horas compridas ... até a manhã explodir em raios, dissipando o medo, em partículas, tão minúsculas que se dispersavam na claridade da luz que se fazia.

Aos poucos aprendi, que toda vez que botava reparo no que minhas mãos faziam com vontade - eu orava; cada palavra ponderada proferida em momentos críticos - era uma prece.  Não é preciso estar de joelhos ou dentro de um templo; o nosso corpo é o próprio templo.  O coração e mente em uníssono, formam o altar e a prece - é  toda conexão feita com o mais alto, através do canal aberto ... pelo pensamento que vibra em direção ao bem ou nas ações feitas com amor.

28/03/21





sexta-feira, 26 de março de 2021

1329

UMA GRANDE MULHER





Tu te fostes, de uma forma silenciosa e digna.  Fomos nos despedindo de ti, aos poucos, nos teus passos lentos, nas tuas conversas curtas e reticentes, antes tão admiráveis.  Das tuas mãos trêmulas, vimos caírem as coisas, as mesmas mãos que antes, tão caprichosas em tudo o que fazias, bordadeiras de perfeitas obras primas - onde não se distinguia lado avesso do direito, de tamanho esmero.  

Das tuas dores, garanto que não sabíamos de todas, apenas poucas, só aquelas que tu sabias que seríamos capazes de suportar saber. Desconhecíamos a profundidade do teu sofrimento, mas do que podíamos imaginar que fosse, era grande.  Nos teus últimos dias, nos revelaste tua humanidade, através do teu olhar humilde e uma ou outra exclamação de temor, pelo que viria a seguir.  Admitindo-se fraca e frágil muitas vezes, sempre nos provou, que eras grande e forte. 

Não choramos a tua partida, como deveríamos, tenho certeza, isso porque para nós, foi o que, racionalmente, era o melhor para ti, como dizem: fostes descansar.  Há quem acredite nisso, eu não, acredito sim, no cumprimento da tua tarefa com louvor, embora sempre te julgaste imperfeita; porque sempre te cobravas demais.  

Deves estar, em algum recanto acolhedor, tão merecido por ti, pela tua sinceridade e transparência, como pessoa correta, sendo cuidada das tuas enfermidades, com recursos e medicamentos mais eficazes. Naquela época, foi mais fácil admitir, que era o melhor para ti, do que desesperar. 

Confesso que procurei me preparar para a tua partida, que talvez pudesse ser desesperador, mas pregaste uma peça em mim.  Naquela noite, estando ao teu lado, por um momento precisei me afastar, por breves minutos apenas e quando voltei, tu já não respiravas mais; nem isso, tu deixaste que eu presenciasse, poupou que eu acompanhasse a tua ultima expiração.

Hoje, é um daqueles dias, em que a razão não me convence e eu sinto a falta que faz, não poder voltar a tua casa e te encontrar ou simplesmente, de saber que estavas por aqui, que era possível falarmos ao telefone.  Nestes dias eu choro, como num efeito retardado, talvez não por ti, porque sei que fizeste a tua parte; mas choro por mim, pela falta que me fazes.

Como ninguém fica, sabíamos que também não ficarias para semente.  Tinhas sido flor, deixando tuas sementes à posteridade, plantadas aqui na terra, nesse mesmo chão, de onde iremos partir um dia, nessa mesma terra que guarda a tua palidez.

Estamos por aqui, por tua causa, porque abriste teu ventre à vida, disseste sim e agora, queremos honrar a tua presença e a lembrança que guardamos de ti, nas nossas vidas, seguindo pelos caminhos, que se desdobram à nossa frente, com a mesma decência e retidão, seguindo o teu exemplo.


26/03/21



1328

UMA LINHA VERTICAL

Minhas duas casas silenciam: a que é feita de tijolos e a mental.  É difícil, desconsiderar o barulho dos carros lá fora; um avião inesperado, rasgando o ar; um telefone chamando ao longe.  O mais difícil, é o 'silenciar daqui de dentro' - dos pensamentos, que batem panelas e tocam cornetas, quando me recuso a ouvi-los.  

As palavras, entendemos; os sons, reconhecemos ... mas o nada? ... ora, o nada é o tudo, mas em profundo silêncio ... e quanto a isso, mensurar o quanto ele pesa e compreender o que ele é - se torna uma missão quase impossível. Eu diria que, tentar divisar o nada é um mergulho no seco, num abismo sem fim, capaz de assustar, com a possibilidade de nos perdermos dentro dele.  

Fomos educados, a classificar as coisas, através dos conceitos de presença e ausência ... e esse pensamento concreto, dificulta um pouco, imaginarmos 'o nada' - 'estar repleto de tudo' ... e que enquanto estamos quietos, ainda assim há intenso movimento: o sangue circula pelas veias e artérias, o estômago digere o alimento, precisamos de ar ...    

O nada é presente ... e ao mesmo tempo, é outros tempos - os passados e futuros - mas não colocados numa linha horizontal ... mas sobrepostos na linha vertical da consciência, que parte da cabeça em direção ao alto.  Parece vazio, porém é superlotado de muitas coisas, inclusive de barulhos, vindos de fora e de dentro.  Além disso, sem poder tapar o nariz, um cheiro de café vem dançando em direção às minhas narinas, como nos desenhos animados; o canto de um pássaro, que não liga a mínima para meu momento de introspecção, também me acompanha; ambos descem comigo nessa viagem.  Levo comigo inclusive, nessa imersão no desconhecido, todas as minhas memórias e pequenas lâmpadas pendentes, que aparecem aqui e ali, para iluminarem a escuridão.

Depois de sondar as regiões abissais, do que parece um vazio, mas não é - dessa aventura corajosa e incrível ... sempre retorno, com ouvidos, nariz e olhos mais atentos.


26/03/21

quinta-feira, 25 de março de 2021

1327

OITAVA TORTA




O que sentia, dentro já não cabia

dos olhos explodia, da boca escorria

não se explicava nem se escondia!

Não incomodava, antes alegrava

não machucava, mas tudo cascava.

À espera validava, tentava uma oitava...

... e agora está feito, com ou sem jeito.

Exige respeito e que se guarde no peito!


25/03/21


cascava - tirar a casca

oitava - intervalo musical ou estrofe de 8 versos com métrica e rimas específicas






 1326

OS DENTES E A DESFORRA




Reinventar-se ... a única saída contra a mastigação dos dias.  As células morrem, a pele resseca, as pernas ficam mais lentas, a lenha acaba e a fome, já nem é tanta!  A reinvenção fica cada vez mais exigente.  

Com a paciência curta e já cansados, de sentirmos o impacto de algumas portas se fechando atrás de nós, com verdadeiro estrondo ... fugimos da fadiga e da perda de tempo (coisa que não temos muito) ... deixando que os dentes cortem, perfurem e triturem o nada, e junto com o nada que comem, engulam um monte de ar, em quantidade suficiente, para dar uma tremenda dor de barriga na vida - numa desforra sutil, por ela nos ter comido vivos e crus.

Finalmente, depois disso, parece que passamos a caber melhor dentro de nós mesmos.

25/03/21


arte | agnes cecile


segunda-feira, 22 de março de 2021

1325

CONTAS PRECIOSAS





Cheguei até aqui, com minhas pernas, mas não é um feito só meu - porque ninguém chega a lugar algum sozinho.  Sempre amparada pelo mais alto e com a ajuda de muitos, daqui de baixo: os que me iniciaram na vida, pela ligação sanguínea; por aqueles que vieram dividir dores e alegrias comigo, pela amizade; por todos que me fizeram crescer, com seus exemplos bons e aqueles não tão bons. Cada um que passou pela minha vida, deixou de si, levou de mim - muito ou pouco - que fez toda a diferença.

De nossas escolhas, conscientes ou não; de nossos atos adequados ou nem tanto; carregamos todos os tipos de resultados colhidos, de louros e espinhos.  Numa velocidade muito menor do que gostaríamos - vamos galgando patamares de aprendizado, colecionando contas de experiência - colocando-as em um fio transparente - fazendo delas um colar, com o qual vamos adornar o espírito.

Dependurado no pescoço ou transverso no tórax, seguro à mão ou no bolso ... sabemos o valor de cada uma de suas contas.  O certo é que, o trazemos sempre junto de nós, porque é nosso, por direito adquirido; porque é fruto de conquistas, muitas custosas e sofridas e que ninguém nos roubará, porque a ninguém mais, são tão preciosas, quanto o são para nós.

Hoje, agradeço a cada ser que caminhou lado a lado, no mesmo caminho que eu ... por bastante tempo, por pouco ... mas que deixou sua marca e valor.  Sou grata, aos que vieram antes de mim, que aplanaram o caminho; grata aqueles que caminharam por algum tempo os mesmos passos que eu e se foram, aqueles que ainda estão ao meu lado; aqueles que encontrarei nos caminhos futuros.

Porque este é o dia de agradecer, mais do que em outros, agradecerei em primeiro lugar Aquele que está acima, abaixo, ao lado, atrás, dentro e a frente de mim.  Não me fiz sozinha, fui sendo feita aos poucos e ainda estou na minha construção, com a participação dos meus contemporâneos, e é assim, que nos fazemos, uns aos outros. 

23/03/21


domingo, 21 de março de 2021

 1324

DA FORMA À FORMA




Todo encontro é antes, um reencontro. Tem origem no mundo das ideias e resulta, da substância dispersa e flutuante em nível diferente, feita de outra densidade e coesão ... que adquire forma no mundo concreto e se manifesta ... em feito e matéria tangível.  

Um desencontro, também é desacerto, nascido igualmente, bem antes da própria forma com que se manifesta - de substância desencontrada. É desenvolvido a partir do embrião preexistente, fecundado em outra dimensão. 



sexta-feira, 19 de março de 2021

1323

ABSTRACCIÓN Y PRESENCIA



Déjame abstraerme del momento, del sol que mi besa la cara, de
la quietud del mar, de la delicadeza del viento que sopla las hojas, de la ligereza de los sabores, del contacto con los seres vivos ... estoy en silencio y siento todo 
a mi alrededor, en cuerpo y esencia, disfrutando cada regalo que llega a mis ojos, mis oídos, mi piel, mi boca, que llena mi corazón y lo hace latir dentro de la alegría de pertenencia y gratitud.


quarta-feira, 17 de março de 2021

   1322

QUANDO O IMPERFEITO É MAIS PERFEITO




Eu volto sempre, ao mesmo lugar, onde minha boca esteve próxima à tua; onde eu senti o calor de tuas mãos me enlaçando; a insistência dos teus olhos sobre os meus e o quanto invadiam os meus sentidos e pensamentos, o quanto eles prometiam!  Era tudo tão possível, nada podia estragar ou afastar, desdizer ou negar.  

Há estradas que me levam a esse lugar, repetidamente, a malgrado da minha procura, porque eu o encontro, sempre vazio, nas tentativas insanas de viagem.   Considero em todas as vezes, um atraso teu, fico ali à tua espera, até que nossos relógios se acertem e passem a medir juntos, os mesmos minutos, depois da tua chegada.  Mas tu não vens e eu retorno ao tempo atual, como quem leva um 'bolo' ou 'toco', por repetidas vezes.

Volto ao lugar, mas o tempo é outro; sem dúvida, nós pertencemos a esse lugar, mas pertencemos, acima de tudo, ao tempo desse lugar ... e na minha tentativa de voltar e reviver o que senti, esqueço-me da relação espaço/tempo.  Ao espaço, é possível voltar, mas no tempo, mesmo que eu quisesse, mesmo que, por algum encanto eu me tele transportasse para lá, não te encontraria.  

Dentro da minha cabeça, eu confundo: pertencemos do 'presente', com pertencemos do 'pretérito perfeito', que são exatamente idênticos.  Onde já se viu, dois tempos diferentes, mas iguais na forma de se auto explicarem.  Melhor será, que eu passe a conjugar o verbo 'pertencer' em tempo correto, desse jeito: 'nós pertencíamos' ... do 'pretérito imperfeito'.  Talvez assim as coisas ficassem um pouco menos dúbias e eu aos poucos, fosse me convencendo, de que é inútil voltar no espaço e esperar encontrar as mesmas cenas e emoções. Não vejo outra forma de implodir as estradas, que me levam até lá. 

17/03/21


1321

A MAIOR VANTAGEM 



Em tempos de guerra, mais importante do que ser um bom guerreiro, é saber cultivar a capacidade de resistência, pelo tempo que se estender o conflito.  Saber lutar, requer muito mais do que empunhar boas armas e ter boa mira; nesse caso, diz mais respeito a entender de estratégia, porque quando se trata da sobrevivência, os seres usam de todos os artifícios para disseminar a vida e proporcionar a evolução de sua espécie.  O sucesso é passar a vida adiante, seja ela qual for. Manter o moral, é quase tão vital, quanto a eficácia da defesa ou a execução perfeita de uma possível e oportuna alternativa de ataque.

Guardando-se as devidas proporções, hoje vivemos numa espécie de guerra, mas de uma espécie, que nos parece bem egoísta.  Por se deter apenas diante de pouquíssimas barreiras, nosso inimigo ameaça nossa existência, na sua  integridade física, moral, emocional, econômica, espiritual. Faz jogar por terra tudo o que aprendemos até agora e desconstrói nossa estrutura em todas as  frentes.

Enfrentamos um adversário que não se deixa ver, mas se faz sentir pelos estragos que arrasta atrás de si, ao tomar território alheio; com uma assustadora habilidade de se fazer mais forte e resistente à cada batalha; que ao contrário, dos inimigos de ideais, não nos quer impor seu regime, apenas luta por sua sobrevivência e que só nos permite - nos defendermos. Contra um inimigo pequeno em tamanho, mas de enorme poder de destruição, não nos restam possibilidades de ataque, apenas de defesa, levantadas, através das barreiras físicas, químicas, energéticas, vibracionais.

Ele nos mantém entrincheirados, acuados e não se importa com a nossa liberdade, medo ou idealismo.  Estamos todos lutando pela sobrevivência, com as armas que temos ou que não temos.  Na hora do confronto, o enfrentamento se dá mesmo, no corpo a corpo, é no sentido literal, que isso se dá.  É um combate sangrento e quando não mortal, deixa aleijados, estropiados e desabrigados - como em toda briga de forças e onde se usa artilharia pesada.

Nas guerras - nas de todos os tipos - esta também vem revolver o fundo do tacho, fazendo ressuscitar recursos esquecidos e criar outros novos, urgentes, para enfrentá-la, enquanto entendemos qual o seu verdadeiro propósito; porque afinal, sempre existe um, que pode estar acima da nossa compreensão, mas nunca é inexistente.  

Nosso 'inimigo' conta com algumas vantagens: ser um tanto desconhecido, possuir um admirável poder bélico e sobretudo, a maior de todas - o nosso medo, que direta ou indiretamente,  faz baixar, todas as nossas formas de resistirmos a ele.

17/03/21







segunda-feira, 15 de março de 2021

1320

ONDE TUDO ACONTECE



A ilusão é um balão de ar quente, que sobe, me carregando em seu bojo; vamos tão alto, tanto quanto lhe dou cordas e lhe insuflo calor.  A realidade que por sua vez, é sólida e pesada, carrega consigo uma ponta aguçada, usada para espetar, tudo o que sobe acima de si, porque seus pés pregados ao chão, não lhe permitem soltar-se.  A gravidade a mantém bem rente, ao que se pode chamar de palpável, de real, de presente, onde as coisas acontecem de fato. 

1319

COM TODAS AS LETRAS



É assim que eu gosto, com todas as letras ... contundente ... sobretudo, acho que é por causa, de gostar de me ouvir, de me ver pensar e falar dessa forma, por alguma necessidade menos consciente.   Às vezes, quebro a cara, com a mesma quantidade de letras.  Por toda a transparência e nenhuma ciência, nenhum jeito, com pouca inteligência, beirando a ofensa, que chega a doer.  Com toda minha eloquência, transformo opinião em violência, sem o saber ... convido pra briga, à reação.  Muito a aprender e a apreender, de me deixar conduzir, não tanto pelo mental e mais pelo emocional, pela experiência das tentativas fracassadas e pelo resultado final do diálogo em si, pela sensação que deixa na lembrança - de paz ou desânimo;  pela proximidade ou não do destinatário, que se segue à mensagem passada.

15/03/21


domingo, 14 de março de 2021

1318

VENTOS, MAR E TERRA



Dia desses, de intensa calmaria, em que o silêncio era tanto e podia-se ouvir o barulho ensurdecedor do fundo da consciência ... do que queria sair e gritava ... eu desci aos porões do meu navio.  

Suas velas eram apenas, panos dependurados, que nos mantinham estagnados num mar sereno e liso.  Em terra, as pás dos moinhos, provavelmente, também estariam a essa hora, tão paradas e inúteis, quanto às minhas velas, pois não havia vento.  O ar de tão quieto, causava-me certa sensação de náusea.

Uma vez, lá em baixo, abri suas câmaras, há muito, lacradas e esquecidas, entregues ao mofo, aos insetos e roedores.  De posse de um molho de muitas chaves, de diferentes tamanhos e formatos, fui abrindo-as, com certo receio, passando-as nas fechaduras e cadeados enferrujados pela maresia.  As portas envelhecidas, moviam-se rangedoras e pesadas, depois de décadas de clausura e escuridão.

Foram emergindo, formas estranhas, que ao contato com a luz, adquiriam matéria e identidade.  Continham agora, rostos, vozes e membros, para pleitearem e ganharem a liberdade.  Tinham permanecido loucas e cegas, por tanto tempo, por eu tê-las conservado presas, sendo punidas por crimes, que nem sequer sabiam, terem cometido.

Aos poucos foram recobrando suas cores e vida, readquirindo sanidade e alçando voo rumo aos céus.


sábado, 13 de março de 2021

1317





Pouco a falar.  De inédito? ... nada!  Ficar rebatendo a tecla?  Até eu me canso de ouvir as mesmas notas, monossilábicas, sempre!  De remoer as mesmas coisas, de vestir roupas gastas; e de andar em círculos, não chego a lugar algum.  Eu diria, que hoje, só deixo a imagem, para falar mais do que qualquer palavra.  É exatamente, como me sinto.  Melhor calar, hoje não estou 'pra nhe-nhe-nhe', preciso encher a cabeça de coisas belas, alegres e frescas. Vou sair do meu pensamento e entrar no alheio. Pronto ... já falei demais, por hoje é só.

13/03/21

terça-feira, 9 de março de 2021

1316

DE ZERO A CEM, DO CEM AO ZERO




Re_começos exigem re_significados ... velhos tropeços, nos fazem prejudicados.


Fui de zero a cem.  E se tudo que subiu, tem que descer(?), eu voltei ao início.  Desenhei no papel, uma curva ascendente, para depois se tornar descendente, formando assim, um pico.  Não entrarei aqui, no mérito da velocidade, com que se deu, uma ou outra, mas o fato é que voltei à estaca zero, como é comum, que se diga - retornei ao princípio. 

De imediato, foi-me impossível voltar a subir pela mesma curva ou descer pela outra, na sequência.  Eu vi-me inevitavelmente, desenhando uma outra linha, em outro gráfico, com outras coordenadas ... e espero, dessa vez, desenhá-la um tanto mais cautelosa e constante, sem subidas e quedas abruptas, pois um coração não possui asas, tampouco paraquedas.

09/03/21



domingo, 7 de março de 2021

1315

ÂNGULOS REVERSOS



Março vem chorar pelos que partiram

e chora também pelos que ficaram!

Pois precisamos divisar a outra margem,

bem antes, de alcançarmos a estiagem.

Aos que, em meio às caudalosas águas

... forçando-nos às trilhas oblíquas ...

enquanto permanecemos submersos,

descobriremos nossos ângulos reversos.

07/03/21


divisar - avistar

reversos - em posição oposta à normal

ângulos opostos - formados por retas reversas

sexta-feira, 5 de março de 2021

1314

VONTADE E DESEJO





Nesse céu não há nuvens, onde o pensamento possa se sentar e lá permanecer, por tempo curto ou extenso - sobre 'um sofá ou uma cama fofa' ... ele apenas passa e vai embora.  Não há formato ou desenho no azul, a ser decifrado pela imaginação; nem tampouco, há algum ponto, que possa funcionar como um tapete, sob o qual, escondemos um assunto relevante, para perdermos tempo com um outro qualquer, que nos chame a atenção.  

Céu de brigadeiro deixa uma visão desanuviada - por assim dizer - para que se coloque nele, o que bem se quiser.  Um céu aberto e livre deixa espaço, para se fazer uso, de acordo com a vontade e desejo.  

Meu céu se transforma numa pista de dança, ocupada por um único par - nós.  Ao contrário da claridade que faz, estamos à meia luz, esquecidos de tudo, dançamos sob um fraco foco, que ora ilumina os nossos rostos ou um instrumento que toca, para depois jogar claridade, em outro ponto qualquer.  Enquanto dançamos, ali juntinhos e quietos, algum tipo de cura acontece, não dá para explicar, mas digo, um mistério se dá.

É a noite dos nossos desejos, das nossas músicas preferidas.  Dançamos. Você me enlaça pela cintura, para que eu não lhe escape.  Minha mão esquerda acaricia sua nuca e a direita está sobre o seu peito, por cima dela, você põe a sua mão esquerda, para me fazer sentir como seu coração bate feliz.  Assim, podemos dançar por horas a fio, sem cansaço, sem enfado, porque a música é agradável, a companhia, melhor ainda ... e além do mais, não tocamos o chão..

05/03/21

segunda-feira, 1 de março de 2021


1313

OS VAGALUMES MUSICAIS E A PRATA




Era noite, eu caminhava pelas ruas desertas. Pisava o chão, com passos monótonos, como se pisasse sobre as teclas de um piano, para delas extrair sons.  Minhas pernas e pés eram dedos, compridos e pretos, cujas pontas batiam certeiras, nas teclas, no escuro.  Ao longe, um cão latia e a monotonia era proposital.

Minhas pernas obedeciam às cifras luminosas, que saltavam como vagalumes, do papel preto, de que era feita a partitura, pois só dessa maneira, era possível que eu lesse as notas e acordes, na escuridão.

O trompete era a minha voz - a prata - que de início, começara suave e tímida, mas conforme ganhava confiança, subia em timbre e frequência, até adquirir certo furor e se tornar um tanto hostil.  Era o sentimento, que ecoava pelo silêncio calmo da noite, rasgando o ar, com sua voz fria de metal.

01/03/21