quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

386

ATÉ NUNCA MAIS
21/02/17





As minhas desesperanças iam ficando pelas laterais da estrada de ferro.  Iam se deitando entre os pedregulhos e as florzinhas que teimavam em crescer no chão inóspito.  Eu deixava pelo caminho, uma bagagem que não queria levar comigo.  Quanto mais de peso ficasse por lá - menos pra carregar - embora soubesse que nunca esqueceria a dor que senti.  Se existe algo em mim que é bom, é a minha memória celular - das coisas boas e das ruins também, infelizmente.

Estava fazendo o caminho de volta, sem um posterior retorno. Esperava não mais voltar a pisar aquele chão. Não pretendia rever aquelas pessoas, que antes haviam me avistado como um sujeito altivo de expectativas, e que agora fazia o caminho inverso, se sentindo diminuído de tamanho - parecia que eu tinha secado, algo em mim realmente secara. Uns centímetros a menos, uma cicatriz a mais. Não tinha lágrimas, não suava mais, nem tremia, embora fosse uma tarde fria de outono.  Tinha ido àquela cidade pra secar minha alma - é assim que se fica velho.

Eu vi, a torre da igreja, ficando pequena, a medida que o trem se afastava.  Tudo ia passando pelas janelas sujas e embaçadas, ficando no passado. As casas, os varais, as praças, o circo, os animais, as plantações, até não mais se assemelharem ao cenário, em que tudo se deu - onde eu enterrei o meu sonho - sob uma lápide muda e impessoal, sem flor, sem sombra, sem uma prece ... e agora sem nenhum pingo de choro.

arte | jamie heiden

Nenhum comentário:

Postar um comentário