quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

389

VIDA EM PROSA  
24/02/17




‘Villa Bellagio’ ...
é um espaço comercial numa cidade do interior de São Paulo.  
Cada vez que ponho os meus pés dentro dele, eu deliro ou alucino - não sei ao certo. 
Eu me sento ali, e se me deixassem,  ficaria por lá horas a fio.   
Aplico ao local, algumas modificações, de  tempo, 
de espaço, da geografia e mudo totalmente sua utilidade.  

Eu o transformo numa vila, das antigas, onde as famílias numerosas viviam, com todos os parentes juntos, mais os agregados que por ventura viessem se juntar a elas.  Muito pouco do que vem a seguir é real, mas não saberão quanto!


A moça arrasta pelas lajotas de terracota, a barra de seu vestido, que passa do chão.

O pátio está todo preenchido pela vegetação verdíssima, deitada pela terra, dependurada, ou empoleirada ... em arbustos, nas rasteiras, em vasos presos ao chão ou apenas esquecidos nos parapeitos das janelas abertas.

Sem perceber, em algum momento, o fino tecido de suas vestes ficará roto de tanto que ela caminha e o arrasta pelo chão grosseiro.  Ela se deixa absorver pela leitura que detém nas mãos, que de tão interessante, impossibilita que seja lida, sentada ou quieta numa rede.  Algo do que lê, provoca dentro dela, uma disposição inata de se mover, tal é o efeito que lhe causa.

A construção também é da mesma cor, com um espaço interno e quadrado, no centro da casa. O prédio possui inúmeros aposentos, os superiores, acima das salas e mais salas, com outros espaços de convívio comum, todas as janelas dão para esse patio.  Aquela hora do dia, tudo está sereno, não há barulhos, nem de utensílios domésticos sendo utilizados, nem de serviçais, moradores ou da própria fonte que jorra água, agora bem de mansinho para não atrapalhar sua leitura.

Em algum momento ela pára e se senta na beira da fonte para apreciar os peixinhos coloridos brincalhões.  E é nessa hora, que a água cai com mais intensidade, como para se exibir.   Pingos chegam a espirrar sobre a capa do livro fechado e sob seu nariz ... fazem o arco da velha.  Um peixe ou outro mais robusto e corajoso, dá um salto para fora dágua em busca de alimento, talvez imaginário – a moça não vê, primeiro se assusta e depois acha graça.

Ela fez uma pausa na leitura, para poder absorvê-la melhor, em pequenas doses, e estabelecer uma possível relação entre a poesia lida e a sua vida em prosa.

Bem ao fundo, se vê um cão deitado debaixo de um dos bancos.  Alguém em silhueta sentado nele, tricotando ou bordando, não dá pra ver, estão à sombra e a iluminação não ajuda.  Mas isso não interfere na movimentação da moça, nem na sua leitura ou nos seus pensamentos, que enquanto lê, não estão ali.

Vai retornar ao seu círculo imaginário, porque o espaço é quadrado, à sombra, debaixo dos aposentos superiores.  Vários bancos estão dispostos aqui e ali, mas a ela não interessa sentar.  Dessa vez, vai andar em sentido anti-horário, porque esteve até agora, no horário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário