quinta-feira, 25 de julho de 2019

493 __ O QUINTAL __ 25/07/17



O quintal da minha vó não tinha jardim, só vasos com plantas, que ela cuidava muito bem. Havia antúrios de todas as cores, brancos, rosados, vermelhos, que até pareciam encerados quando estes floresciam.

Lá não tinha piscina, mas pra quê? ... se nós tínhamos a praia e uma faixa de areia, sabe como?  A marca clara que o sol fazia no chão era a água e a sombra era a areia.  Se a gente quisesse, desde que tivesse sol, a gente podia ir à praia em qualquer dia da semana.

O corredor era tão comprido, que escondia monstros assustadores, à espreita da nossa passagem, em particular, tinha uma reentrância nele, onde cabia sempre um mostro maior e mais feio.  Ninguém imagina como podia ser perigoso, andar sozinho por ele.

Tínhamos um esporte radical: ‘andar nas nuvens’.  Como?  Era só colocar um espelho virado pra cima, bem debaixo do nariz e andar ... e que medo que dava, a gente podia cair de lá, a qualquer momento.

Nós tínhamos um contador de estórias, meu avô, salvo nas quintas à tarde, quando ele se barbeava e isso pra nós levava muito tempo.  Eu gostava de olhar: ele com seu pincel, a espuma dentro de uma bacia de alumínio tão pequena, que eu queria brincar com ela.  Depois de ensaboado, ele passava cuidadosamente a lâmina afiada por todo o rosto sem pressa, depois era a vez de acertar o bigode, devagar pra não estragar ... não me lembro dele sem o seu bigode.  Por último, ele usava uma loção barata pra ‘desinfetar’ algum machucado.  Era barata, mas tinha um cheiro bom.

Depois de barbeado, ele era nosso, com seus chinelos e roupa de briga, colocava um neto em cada um dos seus joelhos, os dois mais novos, os mais velhos sentavam cada um num banquinho de madeira, cada um tinha o seu, todos feitos por ele.  O resto da tarde era assim, rodeado por nós.  Não me lembro das estórias, eu me lembro da sensação, ele não era de muitas palavras, mas sem dúvida foram coisas boas que ele nos disse.

O quintal não era aberto, mas também não tão fechado, porque outras crianças vinham nele brincar.  Hoje são crianças crescidas como nós, mas estou certa de que esse ‘quintal' ainda habita o imaginário de todos nós.

Acho que cheguei à idade do saudosismo, afinal o passado é a única parte certa e completa, porque o presente é um tanto ausente, por ser tão rápido ... e o futuro? ... ainda não escrito, não dá pra lembrar.  É bom relembrar as coisas da infância, as boas e as não tão boas, porque nos fizeram crescer.  A vida por muitas ocasiões, nos colocou em ‘fornos’, pra que a gente amadurecesse à força.  Aquele quintal nos preparou pra vida, estávamos sendo forjados pra isso.

Nós crescemos, o quintal não.  A gente se pergunta, como podia caber tanta coisa naquele quintal?

Quando olhamos pra ele, quase não o reconhecemos ... também não é pra menos ... a gente quase que não se reconhece como as crianças que lá brincavam.  E certamente, as 'nossas crianças' ainda brincam ‘naquele’ quintal de antigamente.


Queríamos crescer e sair dele, hoje pensamos nele ... e temos vontade de voltar.  Vai entender o ser humano!


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