sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

1693




A BOA E VELHA PENEIRA


Um dia desses, eu estava na cozinha, fazendo um suco no liquidificador, mas como sempre, restaram uns pedaços que não foram triturados.  Foi preciso passá-los pela peneira e esmagar os grumos, que ainda estavam presentes.  Às vezes, depois disso, ainda sobra o que não é possível passar pela malha estreita.


E como minha imaginação viaja, sem precisar de ‘maionese’, eu tive um pensamento, sobre o que podemos e o que devemos fazer, levando em consideração, o que é possível ser feito.


O processamento do liquidificador é sempre automático, e na teoria, tudo é permitido ser colocado lá, desde que não seja coisa que danifique suas lâminas - é só despejar dentro dele.  O resíduo que ele não consegue liquefazer, é o que precisa ser visto com um pouco mais de atenção, pelo trabalho manual, de ser peneirado e ser avaliado, quanto a deixar passar ou não. É aí que está a questão, tem coisa que não passará mesmo que a malha seja larga.  Nesse caso, a malha funciona como um filtro, do que é conveniente ou não passar. Aqui ela se torna mais importante, do que o próprio liquidificador.


Muitas coisas na nossa vida, fazemos automaticamente.  Noutras, nos deparamos com dificuldades de ‘processar’ e mesmo que, nossa intenção seja dissolvê-las por completo,  depois ainda, de forçar essa passagem, haverá detritos restantes, que é melhor que sejam  descartados.


arte __ mila marquis


1692





BEM E MAL

“Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe …” Ditado português

 

Esse, é um dos muitos que minha ‘vó Maria’ usava.  Uma enciclopédia ambulante de conhecimento e aplicação na vida; foi dela que aprendi, na medida em que eu fui conseguindo entender, o que aqueles ‘enigmas’ queriam dizer.  Era assim que me pareciam - enigmas, porque me faltava a prática da vida, apesar de entender as palavras.


Tudo é passageiro, essa é a mensagem principal e a moral da história, sim!  Porque dentro dessa frase cabe todo um conteúdo útil, que se pode desfrutar depois de ser extraído.  A impermanência, é o que fica patente, e isso serve para tudo: sentimentos, situações - experiências que conversam diretamente com a nossa paciência.


Afinal, é no ‘pretenso mal’ que o aprendizado se consolida, é no também, ‘pretenso bem’ que relaxamos, uma espécie de bônus, que a vida nos dá.  Vale ressaltar aqui, que o bem pode se revelar um mal e o mal pode se tornar um bem.


Mas por quê nunca reclamamos do bem?  E que na verdade, passa tão rápido; enquanto o mal pode se arrastar por tempo demasiado?  Chego a pensar que a passagem do tempo se altere, em rápida e demorada, conforme a situação que vivemos.


Curiosamente, é o mesmo ‘tempo’ quem define, se o bem é um mal ou se o mal é um bem.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

 1691




FAZ DE CONTA

Eu fingi.  Fiz de conta, que não sentia o que realmente era.  Neguei, neguei tanto, até que virasse pó, se espalhasse por sobre os móveis e se misturasse à minha vida, de uma forma que não conseguiria mais retirar.  Eu o via em todas as esquinas que dobrava, em cada reflexo de vitrine, em todos os lugares.  Ele sussurrava algo que não podia ouvir, mas sabia ler o que seus lábios diziam: ‘covarde’.  Era eu mesmo tendo a coragem de me dizer o que eu precisava ouvir..


Hoje, sou uma entidade acrescida dele, sem chance de libertação ou esquecimento, carregando um arrependimento amargo, por ter-lhe negado o status que lhe era devido - e ele se ressente disso!




terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

1690






GEMA E ESSÊNCIA

Não sou feito de vidro, mas tenho em mim, algumas partes que podem se quebrar, facilmente, se não tratadas de acordo.

Posso trazer uma aparência de pedra, porém essa dureza é mais aparente do que verdadeiramente sou, no miolo.


Tenho sonhos incondensáveis ainda, mas que precisam de espaço e ambiente, para 

ganharem forma concreta e vida.


Carrego imperfeições de muito tempo, que pedem respeito e misericórdia.


Como  todos, trago uma gema bruta, a ser arrancada da crosta em que se encontra, pelas mãos pacientes das minhas boas escolhas.  Deve ser lapidada, pelas intempéries do tempo e da vida, pelos golpes dos desafios sobre ela, até que sua essência e brilho possam ser liberados.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

1689




HÁ UNS BONS ANOS E NÚMEROS

Lembro com exatidão, tinha uns poucos anos, uns 5 ou 6, e andava para lá e para cá, com sapatos e bolsas que não eram meus.  Ainda ouço o toque-toque dos saltos dos sapatos no piso liso, e do esforço que eu fazia, para carregar bolsas bem maiores do que eu.


Os sapatos eram enormes, mas lindos!  Elegantes, de salto fino, feitos de camurça cinza bicolor, uns bons números a mais do que eu calçava - é desse que eu mais me lembro, mas não foi o único.  Eu colocava algodão na ponta deles, para compensar o espaço que meu pezinho não preenchia.  As bolsas, também não eram minhas, eu me apropriava delas e deles, eram da minha mãe e tia, mas eram ‘meus’, enquanto eu desfilava pelo corredor comprido da casa, fazendo o maior escândalo.  Coisa de criança, com pressa de crescer.


E lá ia eu, me achando o máximo, eu acho(!).  Era impossível passar despercebida, e isso me agradava.  A minha avó dizia:  “lá vai essa daí, com as tralhas penduradas!”  Todos achavam graça, menos eu, que me sentia orgulhosa de usar coisas de gente grande.  Já, a maquiagem para mim, era batom e sombra, que só me deixaram usar durante o carnaval, bem mais tarde.


De todas as bonecas que tive, teve um único boneco que permaneceu inteiro - o Ricardo, até que acabei doando.  As outras, não tiveram a mesma sorte, algumas sem braço, outras sem perna.  Talvez tenham pensado, que eu seria médica, quando crescesse, mas não foi o caso.  Até hoje, não sei o que se passava pela minha cabeça, porque os braços e pernas quebrados não eram por acidente.


Trago essa doce lembrança, como de tudo o que vivi na infância.  Cresci, comprei os meus próprios sapatos, mas hoje, saltos (?) … não mais!  Curto sapatos, porém uso apenas, os mais confortáveis e que dão maior estabilidade. Das bolsas, ainda gosto, sou incapaz de ficar sem!  Creio que me tornei mais exigente, com relação aos dois,  mas nada se compara à satisfação que os ‘emprestados’ me deram.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

1688




PINGO, PINGO, PINGO RETICENTE

A chuva sobre o telhado, escorrendo até a beirada, caía sobre o rufo metálico, em algum ponto.  Um pinga-pinga-pinga constante e rítmico, de uma mesma nota, era como se fazia ouvir o pingo.  Provocava uma profunda sensação de bem estar, um barulho familiar e tranquilizador.


Mas o que ‘pegava’ era sua intermitência, o que lembrava a batida de três exatos pontos - reticências.  E como toda reticência dá origem a várias interpretações, de se terminar a estória como quisermos …  nasceram sentimentos antagônicos em relação à inicial sensação de bem estar.


E se, a chuva da noite invadisse o dia?  E se, alcançasse a outra noite?  Uma tristeza escura brotou da antiga tranquilidade, e se tornou uma estranha e incômoda presença de incerteza.  Um medo de ficar sem ver o sol ou de não distinguir a noite do dia!  De perder a capacidade de alegria, ao ver os primeiros raios de sol!


Ah pingo-pingo-pingo!  Pode parar de pingar, porque já me deixou sem sono.  Me faz o favor(?),  de ser mais categórico quanto ao seu tempo de pingar, simplesmente pingue, e pronto - em um único ponto, o final.



  1687




FATA MORGANA


Eu tive uma visão.  Eu vi sua imagem, envolta em névoa, deslizando acima de algo, que parecia ser  um oceano ou o calor do deserto.  Havia luzes que ofuscariam meus olhos abertos e lhe tornaria irreconhecível, não fosse a camada de vapor que protegia todo o seu contorno.  Você vinha ao meu encontro.


Desprovido do meu senso de irrealidade, acreditei ver, no que meus olhos quiseram ver.  Pensei em delírio ou alucinação, mas estive mesmo, sob o efeito do fata morgana - uma ilusão de ótica, uma espécie de miragem, bem convincente


Era você passando por mim, e não havia nenhuma gota de água salgada ou doce, nem um grão de areia!  Inegavelmente, era só você, passando por mim e seguindo em frente.  Foi a minha fértil imaginação a me pregar uma de suas peças.  Eu deveria preferir que a visão se desfizesse, caísse aos pedaços, como pele morta!  Mas ao contrário, ela me fascinou por um longo tempo, de tão linda que era!


Não foi um fenômeno climático e não se deu em alguma região específica. Era um simples desejo meu, que se materializava diante de mim.




Fata morgana - (do italiano) fenômeno óptico que cria miragens, quando os raios de luz se curvam ao atravessar camadas de ar com diferentes temperaturas, uma inversão térmica.  Em referência à feiticeira meia-irmã do Rei Artur, segundo a lenda, era uma fada que conseguia mudar de aparência. 

domingo, 2 de fevereiro de 2025

1686





OS OLHOS E O OLHAR

 “A beleza está nos olhos de quem vê” … nada mais verdadeiro! 

Definitivamente, não são os olhos que veem.  Eles são apenas captadores das imagens, transmitidas para uma região do cérebro, na parte de trás da nossa cabeça - a visão em si, acontece lá, ou seja, a codificação e decodificação de tudo o que vemos.  Guardamos informações: todo o conteúdo aprendido e apreendido - o contexto, através do qual vamos ler todos os estímulos visuais captados por essas duas lentes, que são os nossos olhos.


Vemos apenas o que podemos ver, segundo o arquivo que trazemos dentro de nós, e este é quem vai determinar, como veremos -através das lentes corrigidas ou distorcidas, costumeiramente usadas pelo nosso ‘olhar’.  Enxergamos com as lembranças que temos, com os sentimentos e sensações que elas nos trazem, a visão vai para muito além dos olhos. As imagens são gatilhos que disparam rememorações de tudo o que já vimos e vivemos. Os olhos não veem de maneira igual, as imagens podem ser as mesmas, mas a interpretação delas é feita pelo o nosso leitor interior, numa abordagem subjetiva e peculiar a cada um. Alguns olhos podem ver o inferno à frente de si, enquanto outros, enxergarão o céu, diante da mesma imagem.


Dessa forma, se os nossos olhos veem a feiura, é porque ela também está dentro de nós.  Os olhos são mesmo, as janelas da alma, pelas quais podemos enxergar o que está fora, tanto quanto o que está dentro, se houver coragem para isso!


quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

 1685




OS TEUS OLHOS E OS MEUS


Ah, os teus olhos!  Eu os vejo à minha frente, quando fecho os meus.  São portais que me fazem transpor um limiar aquoso ou feito de vapor.  Não sei dizer se acesso o que vai dentro de mim ou se desbravo o que está para além dos teus olhos.  Penetro lugares, tempos e espaços, até então desconhecidos, mas que me são profundamente familiares, e onde desde sempre quis estar.

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Não tenho medo de sumir ou de não conseguir voltar, temo apenas, um dia, perder esse acesso!  E eu volto, lentamente, embora de olhos abertos, um pé aqui, outro lá, como se ainda enxergasse através dos teus.  Sinto que não sou o mesmo, trago comigo, lembranças e sensações novas; sei que lá deixei algo de mim.



domingo, 5 de janeiro de 2025

 1684



IMPROVISO


Os balões subiram aos céus, carregados dos nossos desejos para o ano novo.  Alguns, tiveram trajetória livre ao sabor do vento, outros ficaram presos nos galhos das árvores mais altas.  Talvez estivessem mais pesados(?), quem sabe estariam à espera de permissão para subir(!) …  Ao final, todos sumiram das nossas vistas, para além das nuvens.  


Eram nossas petições esperançosas. Quais foram deferidas?   Não sabemos!  E como os desejos são cheios de expectativas, nem sempre serão concretizados; haverá aqueles que morrerão antes disso - os natimortos.  Certamente, muitos serão indeferidos, apesar das nossas súplicas, que os acompanharam na subida.  Há ainda aqueles, que serão realizados, em parte, de uma forma diferente, e nem perceberemos que foram atendidos.  Certos deles, serão negados, veementemente.


Pela razão simples: desejar é lícito, porém nem tudo nos é conveniente!  Então eu pensei nos planos que fazemos e que dificilmente, saem como planejado.  Foi inevitável admitir, que somos compositores de melodias, sujeitos às circunstâncias imprevisíveis, lidando o tempo todo com o inesperado.  E que por mais que nos esforcemos na colocação perfeita  das notas, nos deparamos com a necessidade de rever os arranjos a todo instante.  Por consequência, somos todos forçados a ‘improvisos’ frequentes.


Fizemos a nossa parte, a primeira - desejar.  Foi lindo de se ver, pareciam pequenas gotinhas de mercúrio, de um termômetro quebrado, se espalhando sobre o algodão manchado das nuvens; só que dessa vez o mercúrio contrariou a força da gravidade   A segunda parte, ainda está por ser feita!


Se as águas que sobem, quando sugadas pelo céu, depois são devolvidas à terra, e se embrenham por suas entranhas … nossos pedidos, possíveis ou não, retornarão, de uma forma ou de outra.  É preciso estarmos atentos e prontos, na hora de reconhecer, qual ajuste deve ser feito.