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TOQUE DE RECOLHER
06/04/20
Da minha janela, eu vejo os meus dias desfilarem à minha frente, em vagões exatamente idênticos, atrelados uns aos outros. Já não sei, qual é o que me leva à missa, ou às feiras, ou à casa de um amigo; não embarco em nenhum deles. Não há locomotiva, nem carro-chefe; vão da direta para a esquerda, sempre; numa velocidade muito mais lenta do que gostaria que fosse - e isso me irrita, profundamente.
Às vezes, sinto que tenho em mãos, um rosário sem fim; cujas contas, seguro bem forte, uma a uma, em padres-nossos e ave-marias, para que me deem força, coragem, paciência e criatividade, de viver de forma diferenciada, cada um deles - tão absolutamente iguais.
Tenho também, aqueles, em que se arrasta diante de mim, uma procissão com andores padronizados e vazios, sem nenhum santo ou vela; vagarosa, ela passa diante da minha janela, silenciosa e monótona.
Estou dentro da caixa, como um sapato semi-novo e limpo, esperando sua vez de ser usado. Existe apenas uma caixa, em que ainda persiste a minha liberdade de ir e vir - a craniana - mas confesso, que ela vem perdendo a habilidade de se deslocar.
Ao mesmo tempo em que desejo, que os dias, o trem, as contas e a procissão passem mais rápido; temo que assim, esteja desperdiçando uma parte preciosa da vida.
Olho para os panos dependurados em cabides, atrás das portas e dentro do armário - são meus planos e sonhos - adiados.
Vejo os pensamentos crescerem, como raízes secas de ervas daninhas, entre o reboco e a parede de tijolos; mas eles não têm muito como se expandirem - são pássaros de asas quebradas.
Não vejo grades ou trancas, não sou um condenado, nem sequer fui réu, mas obedeço ao toque de recolher.
Com tanta sensibilidade no seu intenso balé das letras, seu texto é o grito abafado, do enfado que é viver um reality às avessas....
ResponderExcluirGratidão!...🌹
Obrigada, é o grito de todos nós!
ExcluirGostaria de saber qual o seu nome!
ExcluirLamento, mas tenho mesmo que concordar, é como me sinto.
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