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ASSIM E SÓ ASSIM
O caminho de ida tinha sido largo e ensolarado. No começo, eu sentia um tapete vermelho estendido sob os pés, uma trilha sonora ao fundo, flores colocadas nas calçadas.
Eu tinha convicção de que fazia diferente, de tudo o que já tinha sido feito antes.
Aos poucos, a textura do tapete foi se gastando pelo uso. Foram se tornando: a música distante e a atmosfera escura. Até que não restasse nada além da sensação de ter pés descalços sobre um chão rústico e frio, de estar imersa no silêncio dos meus pensamentos e de caminhar só, num meio escuro.
Eu pedi, insisti, reclamei, gritei pelo conforto de antes, mas não consegui voltar à antiga situação. As manhãs ficaram sem graça e sem por quê, os dias mais longos, as noites - antes tidas como para sonhar, se tornaram local de exílio à minha tristeza, uma companheira constante.
Eu não era mais eu. Era algo que tinha ficado aos pedaços, pelas avenidas principais do caminho de ida. Quem eu era, sabia, tinha ficado em alguns pontos dele, partes importantes que precisavam ser recuperadas, para que eu pudesse voltar a ser eu.
É! ... mas a volta não foi igual a ida, voltar é diferente de ir, cadê as avenidas? O que permaneceu intacto, foram as ruas comuns, as passagens estreitas, tortuosas, sujas e mal frequentadas. Elas tinham estado lá o tempo todo, eu só não havia transitado por elas antes, apenas fizeram parte da minha visão periférica, sem que eu me aventurasse entrar.
Para meu espanto, foi nesses locais que encontrei os meus pedaços perdidos, nessas vielas, longe das avenidas largas e ensolaradas.
Todos queremos transitar por grandes avenidas, que a vida nos seja doce e alegre, com a leveza do pisar, do ouvir e do olhar, para que possamos senti-la de uma maneira agradável. Mas sempre há passagens estreitas, pelas quais devemos ter a coragem de nos perdermos. Assim e só assim, reencontrarmos os cacos que nos pertencem, que nos remendam, que nos reformam e nos remodelam em pessoas inteiras.
20/04/18
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