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Era
uma vez um bule. Ele não era só um bule. Nunca fora usado com
tal. Era um enfeite, tinha sido um presente do casamento da vó
Maria.
Todas
nós, suas três netas, cobiçávamos aquele mimo. Eu tinha feito um desenho
dele na escola, na aulas de perspectiva, com todos os detalhes, em lápis preto
e sombreado.
O
famoso bule era feito de porcelana, de formato quadrado e no feitio de uma
casa. A tampa fazia o telhado, com chaminé e tudo, aberta para sair o
vapor do líquido. Nunca soubemos se fizera parte de um jogo completo com
xícaras e tudo o mais.
Da
forma como o fizeram, ele era um convite ao imaginário de qualquer
menina.
Vou
tentar descrevê-lo: já falei sobre o telhado - onde apareciam as telhas.
A alça, numa das laterais, era um tronco de árvore torcido. O bico, um
tronco de árvore cortado, do mesmo calibre que a alça, na lateral oposta.
Tinha porta da frente larga, com alguns degraus e até porta dos fundos, para
uma saída estratégica. Várias janelas, retas em baixo e arredondadas
na parte de cima, assim como as portas, sem cantos para que o mal não ficasse
preso neles.
Lembro
bem, as janelas tinham pequenos losangos, cuidadosamente tratados para
parecerem mesmo feitos de vidro, dois detalhes a mais, não se via o interior e
havia parapeito florido nelas. Algumas maiores, outras menores, que
dariam à casa muita claridade.
Era
revestida toda de tijolinhos, isso também dava para perceber. Os
requintes não paravam aí, da alça, do bico - quer dizer dos troncos, brotavam
pequenas folhas. Algumas trepadeiras em formato de hera, se enroscavam
pela alça, do chão ao telhado.
Precisava
alguma coisa mais? Não! Ele tinha tudo, para que o imaginário de
uma menina, sonhasse em viver numa casa como aquela!
Enfim,
como eu era a neta mais velha, ou porque talvez fosse quem mais gostava dele
... ele ficou comigo. Mas como era muito bonito para ser conservado numa
caixa, guardado - eu resolvi colocá-lo sobre uma estante vazada que tive, já na
minha casa, num lugar privilegiado.
Lá
ele ficou, não sei por quanto tempo. Agradava aos meus olhos, e sempre me
fazia lembrar dos sonhos que ele me fez ter. Além do que, sem dúvida, era
uma peça única.
Um
belo dia, eu procurei por ele e não o vi no lugar de sempre. Para minha
tristeza, fui encontrá-lo atrás da estante, em pedaços, sem condições de ser
restaurado. Tenho dúvidas até hoje, sobre quem o teria destruído daquela
forma.
Deu
vontade de chorar, vi ali no chão, naquela hora, os cacos dos meus sonhos, que
como todos os sonhos, são sonhados na intensidade em que queremos ... e
vividos, segundo a realidade que nos é permitido viver. 28/04/18
Essa peça extraordinária existiu de
verdade, significou mais do que pude transmitir. Seu fim foi exatamente esse.
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