quinta-feira, 22 de agosto de 2019




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RETORNO
22/08/15


Renascemos do pó, que restituiremos um dia à terra, quando nosso espírito retornar à casa.

"Somos poeira das estrelas", dos sóis e cometas, que não existem mais.  Uma explicação romântica do nosso surgimento.  Ao menos sabemos da gênese de uma parte do nosso surgimento!

Somos corpo e espírito, mais espírito que corpo.  Mais que a metade e ninguém fala sobre isso...  Qual deles é capaz de manter sua identidade depois da separação?  A carne perece e o espírito permanece.   A carne provém da carne, mas de onde vem o espírito?  Ele sopra aonde quer ... ou quase!

Aninhados nas entranhas de uma espécie  de "terra", recebemos todos os elementos de que necessitamos para forjar nosso molde, que deverá conter,  dentro e ao redor,  a vida que nos anima.  A  "existência"  é muito mais antiga, bem anterior  à nossa posse da consciência.  É serva fiel a serviço da vida.  "Somos feitos de silêncio e sons".  Sentimos, bem antes de aprender a pensar, mas ainda somos um emaranhado de frases desconexas, de reações químicas, processos estranhos, que não fazem o menor sentido, que só passará  a significar algo quando viermos à luz.  E toda uma vida pode não ser suficiente para avaliarmos  o seu propósito!

Nesse laboratório "in carne", as matérias primas são manipuladas.  Experimentos de Deus, que a cada vez se aperfeiçoam mais.  A mãe natureza nos provê de tudo quanto precisamos para nos tornarmos "viventes" nesse mundo.  Ossos, músculos, nervos, órgãos se formam através de fórmulas secretas, guardadas num cofre que não podemos abrir, e mesmo que pudéssemos, o que faríamos com elas?

A medida que nos desenvolvemos, esse laboratório fica pequeno e desnecessário.  Não é por vontade própria que saímos dele e nos damos à luz...  É por puro desconforto, somos praticamente expulsos!
A primeira vez que nossos pulmões fazem o que lhes é próprio fazerem, sentimos o ar rasgando os tecidos.  Dizem que isso dói,  e então choramos.  Outros choram conosco, mesmo que por outros motivos!

Apresentam-se a nós o frio, a claridade, a fome...  Forçados a usar nossos sentidos e órgãos, vivemos a partir de agora por nossa conta e risco.   Ainda assim, tudo nos é suprido pela  mãe natureza: aconchego, penumbra, alimento.   Conhecemos as cólicas, a sensação de desamparo, fora do laboratório de paredes grudadas a nós, temos medo de cair.   Acolhidos  com o que há de melhor, embora nos sintamos perdidos nesse grande vazio que nos recebe, alguém nos envolve e simula as paredes que nos circundavam.  Ouvimos então os sons sem filtro algum.

Nossas células recebem todos os recursos para se desenvolverem. Aprendemos a usar nossas mãos, a caminhar, a interagir, a usar nosso coração para fins diversos daquele de bombear a vida.

Crescemos, e em algum momento de nosso amadurecimento físico, descobrimos em nós a capacidade de gerar outra vida.  Só então, é que avaliamos o que é estar do outro lado do vidro!

Passamos da maturidade à lenta decrepitude física, contando sempre com a generosidade incondicional da natureza.  O intercâmbio, sempre muito desigual, nós mais recebedores   do que doadores.

Quando convidados a restituir à terra tudo quanto recebemos, não porque queremos, mas porque nosso espírito quer voar; somos forçados a devolver o que recebemos.  Justamente, quando já não nos serve mais.  Devolvemos, em uma  doação "post mortem", o que nos restou, do uso que demos, do que recebemos.   Depois de toda "pilhagem" em vida, nosso corpo vai descansar.  Perdeu a utilidade. 

A natureza, que é mãe, quando um de seus filhos morre, faz nascer uma flor, sobre o corpo inerte de volta às suas entranhas, em sinal de seu desprendimento.  Uma homenagem ao seu filho que jaz!


arte | helena abreu

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