Janela Singular |
Será?
As ruas continuam as mesmas, mas as casas são diferentes, ou já não existem mais.
Lugares do tempo de criança, que nos encantavam, que só sobrevivem na nossa lembrança. Andando por eles, é como se quase não os reconhecesse.
Um galpão enorme, grande demais para nossas perninhas pequenas, um jardim com muitas flores, um tanque com peixinhos a céu aberto, uma casa de muitos cômodos, para nós, todos assombrados.
A dona do galpão era a tia Ana. Ele tinha ao fundo, um córrego, hoje canalizado, mas antes foi responsável pelo grande transbordamento, que os fez perder tudo que tinham. O que não foi levado pela água, foi despedaçado por ela, porque a enchente quando invade um cômodo, faz redemoinhos e tudo o que estiver nele, vai sendo jogado contra as paredes. Lembro-me até hoje, do cheiro da lama dos utensílios, da minha avó lavando o enxoval de minha prima Nê.
Catarina, era amiga de minha avó, a dona do quintal que me fascinava. Era repleto de flores que nunca tinha visto, sempre cheio de borboletas. E era grande, ensolarado, nele eu gostava de brincar. Lembro-me do dia em que na minha inocência, mexi em uma lata, que estava em cima da máquina de lavar, dessas antigas de se guardar mantimentos, achando que era açúcar, e coloquei na boca. Foi o pior tipo de açúcar que provei.
Dona Piedade, uma senhora mais idosa que minha avó, nossa vizinha, que andava com dificuldade por ter pernas bem inchadas - um amor de pessoa - era a dona do tanque de peixinhos. Na verdade era um velho chafariz que existia em seu quintal, mas eu nunca o vi espirrar água, infelizmente.
A casa de muitos cômodos, era onde a tia Isabel morava. Fui poucas vezes lá, mas confesso que me apaixonei por ela - a casa - porque a tia, ninguém gostava muito dela, tinha o hábito de falar quase chorando. Sempre com o medo de me perder dentro dela, o que era reforçado pelas estórias que eu adorava ouvir, sobre as coisas estranhas que tinham acontecido dentro daqueles muitos quartos.
Lembro-me também, dos finais de ano, que passávamos debruçados na janela do quarto da frente, da casa da minha avó, olhando a enxurrada que varria a rua. Sempre chovia, e a água subia até a calçada, até quase chegar no portão.
Esses lugares não existem mais, a não ser na minha lembrança. Eu ainda corro pelo galpão com minhas perninhas pequenas, cheiro as flores de vários formatos e cores, me arrisco a molhar a mão e mexer com os peixinhos, morro de medo de me perder no passeio imaginário que faço pelo casarão da avenida Brigadeiro Luis Antonio. E me pergunto como, ver a enxurrada numa noite do dia 31 de dezembro, podia ser tão bom!
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