883 | MAIS HISTÓRIAS | 28/01/19
Será que algum dia, vou ficar sem histórias pra contar?
Sou do tempo em que não se usava jeans com brilho e meias finas com sandália, nem pensar. Alça de sutiã tinha que estar escondida, calcinhas e cuecas também, eram realmente roupas de baixo.
Sou do tempo das sobrancelhas finas, quase à Edith Piaf. Tempo, em que ter 18 anos não significava muito, pois o peso da responsabilidade de nossos atos já era nosso, antes desse marco e a sua respectiva liberdade, estava mais à frente - só quando saíssemos de casa, é que estaríamos livres de suas regras.
Recebi medalha de honra ao mérito na televisão, num programa da tv Bandeirantes. Esse episódio foi um horror, minha família, mais outras tantas, nos dirigimos à emissora, atravessando a cidade, em transporte coletivo muito mais precário do que o de hoje. Como não havia metrô, fomos de ônibus, não sei quantos, uma verdadeira expedição pela cidade de São Paulo. Saímos da zona leste, com destino aos confins da zona sul, numa época em que a travessia era difícil e precária. Chegamos lá sedentos e famintos, sem contar o cansaço. Era quase uma caravana, porque no último ônibus, havia outras mães com crianças, ansiosas de receberem a tal medalha.
Depois de percorrermos todo o trajeto, fomos aportar num rincão deserto, com suas portas fechadas, pra nosso desespero. Não me lembro como, mas conseguimos chegar até a entrada certa e recebemos a tal medalha, das mãos do tio 'Molina'. Nunca mais voltamos lá.
Nossas viagens eram no mínimo inusitadas, quando não de ônibus, eram feitas na cabine do F.N.M. do meu tio. Íamos à praia, à parques verdes, ao Pico do Jaraguá e à Itaquá, que em outras vezes, íamos de trem. Esses passeios de trem, eram um acontecimento, eu me lembro de ir sempre toda chiquetosa pra época: sapatinho de verniz, meias rendadas e vestido de um tecido tão grosso, que parecia brocado, roupas despojadas e confortáveis não existiam.
Lá chegando, eu adorava mexer na terra. Eu ia pro fundo do terreiro e com uma varetinha, fazia quadradinhos na terra seca, imaginando que seriam a minha horta, a minha fazendinha - ninguém entendia essa minha brincadeira, sempre mais introspectiva do que os outros, era assim que me divertia.
Falando desse jeito, parece coisa absurda pros dias de hoje, mas era muito bom, talvez nosso nível de exigência fosse baixo, quem sabe o suficiente pra nos garantir diversão.
Cada época tem sua graça. Hoje incorporei alguns novos costumes, só alguns, outros ainda são estranhos.
Minhas sobrancelhas nunca mais foram as mesmas, elas perderam seu desenho original.
A medalha de honra ao mérito, não sei que fim que teve.
Quanto aos passeios, não temos fotos, apenas guardamos na nossa memória, os momentos mais legais: o banho improvisado de água doce depois do banho salgado, bem como as insolações que tínhamos pelo excesso de sol, o balanço indo cada vez mais alto, nos dando medo, o calor que eu passava dentro daquele vestido, o cheiro da casa de interior, da comida em fogão de lenha, da segurança que sentíamos, ao lado das pessoas que estavam conosco.
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F.N.M. - um tipo de caminhão
Itaquá - abreviatura pra Itaquaquecetuba
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