sábado, 25 de janeiro de 2020

1120 | JARDINS E QUINTAIS | 25/01/20




Visitei muitos lugares, estive em alguns tão pequenos, que comprimiram os meus pulmões, não deixando que eles inflassem com a vida.  Esse desconforto, era sinal, de que não poderia me demorar neles, por não conseguir caber dentro deles, nunca.

Vi outros grandes, como as igrejas, com seus tetos altos, guardando os muitos pedidos dos fiéis e infiéis e toda a respiração do espírito.

O aconchego de um lugar, nunca teve a ver com conforto ou requinte, nem mesmo, disse respeito ao seu tamanho físico, porém o que sempre me encantou, foram os espaços abertos.

Da infância até a minha maturidade, têm lugares, aos quais posso voltar quando quero e outros que não posso faze-lo, senão através das minhas lembranças.

Lembro-me do quintal do tio João da 'cesta', nós o chamávamos assim, pois os tios 'Joões' eram muitos, era preciso distinguir quem era quem, e este em particular, recebeu esse nome, porque era vendedor de roupas de cama-mesa-banho e de perfumes que ele mesmo fazia.  Carregava uma grande cesta pelas ruas, atendendo de porta em porta, tinha lá os seus clientes fixos, no tempo em que não haviam muitas lojas.  Era meu tio-avô, chegava sempre ofegante e descansava sempre na mesma cadeira, perto da porta.  Depois de passar o lenço pelo rosto redondo e vermelho, tomava uma xícara de café preto e começava a tirar as coisas da enorme sacola: lençóis, toalhas, pijamas e os vidrinhos de perfume, em forma de bichinhos ou qualquer outra, mais engraçada.  Na inocência, encostávamos bem rente ao nariz, pra sentir o cheiro, o que nem era preciso, porque ao serem abertos, os vidros, inundavam todo o ambiente com seu aroma forte.  Eu gostava mais dos vidros, do que dos perfumes em si.

Éramos pequenos, o seu quintal era enorme, com carreiras de buchinho (arbusto), que ele conservava bem alto, formando uma espécie de labirinto, que impossibilitava ver quem estava do outro lado, pra nós que tínhamos baixa estatura.  No final de cada carreira, tinha sempre uma clareira, com uma roseira solitária, no meio, às vezes florida, às vezes pelada.

Tinha também, um outro jardim, que eu adorava ir, porque nesse, eu podia entrar e ver de perto as flores, exóticas à criança ingênua que eu era.  Era o da casa da Catarina, uma amiga de minha avó, que sempre que lhe fazia uma visita, me levava junto, porque sabia do meu fascínio por ele.  Tinha 'boca-de-leão', 'crista-de-galo' e outras flores de todas as cores e de todos os nomes.

Não posso deixar de mencionar o quintal da dona Piedade, uma vizinha de minha avó.  Ele era enorme, eu tinha medo de me perder dentro dele e não achar a saída, então eu me concentrava no tanque arredondado, bem no meio dele, revestido com pedras amarronzadas, com água sempre em movimento.  Lembro dos peixinhos que dançavam bem depressa, fazendo círculos, ou brincando de pega-pega uns com os outros.  Hoje não tenho tanta certeza de que estivessem mesmo lá, de que fossem reais ... mas é assim que me recordo do tanque - cheio de vida.

Quanto aos locais mais abertos, poucas foram as vezes em que estive numa floresta de verdade, teve uma, que me marcou muito.  Era de clima mais frio, assustadoramente sombria e ao mesmo tempo maravilhosa.  Confesso que me deu medo, porque as árvores eram muito altas, com troncos compridos e escuros, eles poderiam me prender dentro do bosque, caso se fechassem ao meu redor. As copas faziam sombra no chão e não crescia nenhuma vegetação nele, porque a luz solar não chegava na parte de baixo.  Eu fiquei intrigada com esse fato, cheguei a ver as árvores como seres egoístas, que queriam o sol só pra elas.  Acabei por entender, o porquê dela ter o nome de 'floresta negra'.  Depois de sair dela, eu só conseguia pensar nos vaga-lumes, à noite, passeando pela sua escuridão total. 

Nessa época, ainda não se falava em abraçar árvores, fazer troca de energias, de revigorar as nossas forças.  Só muito tempo depois, quando abracei a minha primeira árvore, pude comprovar o bem estar que me invadiu, embora tenha me sentido, num primeiro momento, um tanto idiota.

Jardins, quintais, matas, florestas têm borboletas, pássaros, sons peculiares: como o farfalhar das folhas, o zumbido de asinhas batendo perto do ouvido; os perfumes; o pólen coçando no nariz; as cores - têm o encanto que os locais fechados nunca terão.  Locais fechados podem ter pássaros engaiolados, plantas aprisionadas em vasos, alguns insetos perdidos, mas a vida livre? nunca!




Tinha o tio João do 'balão', o tio João da 'vó Tonha', o tio João da 'tia Infância'





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