sábado, 18 de janeiro de 2020



872 | A CARTA E O BEIJO | 18/01/19


Apanhei poucas vezes de meu pai, mas uma delas, aliás, a única de que me lembro, foi injustamente.

Vou contar sobre  um mesmo fato, que foi visto de três maneiras diferentes: com malícia, com inocência e com ignorância, por três pessoas diferentes.

Durante a minha infância, morávamos todos muito próximos dos familiares de meu avô, que pelo fato de se estabelecerem no mesmo bairro, quando não na mesma rua, nossas casas tinham seus muros grudados, uns aos outros.

Crescemos assim, nos chamando de primos, embora primos de grau distante,  o vínculo era muito forte, mais com uns do que com outros, é claro.

Uma de nossas brincadeiras era, jogar coisas por cima dos muros, de um lado a outro.  Sem sairmos dos nossos quintais, nós podíamos ficar por horas, arremessando pequenos objetos, pedaços de brinquedos, chinelos, que cruzavam o céu cada vez mais alto.  Assim que caia do nosso lado era preciso jogar de novo, essa era a graça.

Nesse dia fatídico, estávamos, meus irmãos e eu do nosso lado do muro.  Do outro estavam, Maria Lísia, seus irmãos e José Cláudio, todos primos, nos dois lados do muro.

Em algum momento, a brincadeira foi modificada e a partir daí, passamos a jogar bilhetes, de um lado a outro.

Eu na minha santa ignorância , rabisquei num papel a seguinte frase: "escreva uma carta meu amor e mande outro beijo por favor" ... e atirei com toda a força, para que pudesse atingir o outro lado.  Era parte de uma música do Roberto Carlos - eu sabia, achei que todos soubessem.  

Apesar de mais nova do que eu, um ano ou dois, Maria Lísia era alguns anos luz à minha frente, no quesito malícia.

Não sei por que cargas d'água, ela foi mostrar ao meu pai, o bilhete que eu havia escrito, dizendo que era um recado meu ao José Cláudio, porque eu queria namorar, ou já estava namorando com ele.

Meu pai, na sua ignorância: da brincadeira, da letra da música que todos cantavam naquela época e também na sua simplicidade, acreditou que sua filha era a 'assanhada' da rua, que mandava bilhetes às escondidas de todos, para um garoto, que havia crescido junto com ela.

Levei uma senhora bronca dele, fui arrancada  da brincadeira aos tabefes, sem saber por quê, sem saber do que se falava.  Fui punida pela invenção maliciosa de alguém mais jovem do que eu, que muito provavelmente, era quem queria namorar com o José Cláudio.

Nenhuma de nós duas namorou com ele, que se casou com outra moça, de um bairro distante.

Mas quem, mais tarde, conquistou a fama de namoradeira, não fui eu, foi ela, a Maria Lísia. 

Nunca soube qual foi a sua real intenção, ao inventar aquela mentira, pois o vínculo entre José Cláudio e eu, era mais para irmãos do que para primos.  Só na cabecinha dela, pôde passar algo do tipo.




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