1093 | ROMANTISMO E O 'DOIS DE PAUS' | 18/11/19
A noite.
Estava bem agradável, uma boa chuva tinha dissipado o calor que fritou, assou e cozinhou, durante o dia todo. Tinha sido, como andar pela cidade, imersos num clima litorâneo, embora estivéssemos muito distante do mar.
A praça.
Se localizava, bem onde a principal avenida, fazia a curva. A mais importante da cidade e o ponto turístico mais atraente. Antes de se chegar à ela, via-se, nessa ordem, o fontanário, o pronto socorro, o bosque, o Grande Hotel e por aí, voltávamos ao ponto de onde tínhamos partido. Havia pessoas, que não chegariam a passar por ela, nem de carro, nem a pé; mas sem dúvida, teriam conseguido chegar à Roma, sem ter visto o papa. Reformada, de contornos irregulares, moderna, seu piso, feito de granito rústico, cortado em pequenas peças, circundava todo o seu calçamento, um lado muito mais largo que o outro, todo destinado a caminhar.
O passeio, em toda a sua parte mais extensa, possuía árvores, bancos do tipo caixote suspenso de madeira, com iluminação na parte inferior, postes verticais, igualmente de madeira, contendo luzes por dentro deles e não em cima; outros pontos luminosos embutidos no chão - tudo para dar à praça, um ar de aconchego, a todos que por ela transitassem e privacidade aos casais de namorados, através de luz indireta.
A parte mais estreita do passeio, tinha continuidade da mesma iluminação, mas foi adornada por uma justaposição de pedras arredondadas, entremeada de plantas ornamentais, muito bem cuidadas, tudo para dar aos caminhantes, a sensação de estarem numa espécie de jardim japonês. Contornando-o, havia um deck feito de finas tábuas de madeira, em semi circulo, separando-o do fosso de água, não muito profundo, simulando um lago, que escondia submersos, os mecanismos das fontes e luzes, ligadas à hora exata, espalhando jatos coloridos e dançantes. Não seriam acionados, naqueles dias.
Da parte mais larga de passeio, partiam alguns braços retangulares, de pedra maciça, que avançavam sobre as águas, invadindo mais adentro o pequeno lago, fazendo verdadeiros degraus, que aguçavam a curiosidade das crianças, em lhes desbravarem os mistérios e molharem seus pés.
A festa.
Na parte mais larga da praça, foi levantada uma grande estrutura branca, em formato de concha, voltada para o lago, para abrigar as diversas barracas, das várias nações, que cederam seus filhos, em imigração, para o desenvolvimento do nosso país. Havia jovens com indumentária própria a cada uma das nações ali representadas, bem como seus costumes e especialidades culinárias à cada cultura, incluindo, as especialidades puramente brasileiras, ali presentes.
A concha mais parecia feita de madrepérola, toda iluminada, contrastando com a semi luz da praça. Ela brilhava, vibrava em cores, sabores, odores e sons. Mas essa visão, só era possível de se ter, quando se caminhava pelo deck que rodeava o lago, e não, uma vez dentro dela. O caminho, também iluminado por pequenas luzes rasteiras, fazia um contorno salpicado de vaga-lumes, servindo de camarote ao espetáculo. Alguns casais passeavam por lá - sem entrarem de verdade na festa, estranhamente, e mesmo fora dela - sentiam toda a vitalidade que dela exalava.
A dança.
Houve um casal, que se demorou um tempo maior, apreciando a cena que se desdobrava à frente, e como a música era boa, a mulher quis dançar ao som tão agradável, ali mesmo, entre as estrelas e os pequenos vaga-lumes do chão - a pista de dança perfeita!
Foram uns dois ou três passos. Jogada de um lado ao outro, como boneca de pano, por um 'dois de paus', seu parceiro, que era capaz de dançar todos os ritmos com a mesma coreografia, sem graça, classe ou sentimento. A dança acabou ali, nos poucos passos.
Enquanto continuavam a caminhar, ouvia-se o barulho dos seus sapatos batendo na madeira; ele, seguia sem que o fato tivesse lhe causado nenhuma impressão; ela, via escorrendo silenciosos, por entre as frestas de madeira, os pingos do seu romantismo, guardado dentro de si (ou de um certo desperdício dele) se juntando ao lago. Logo, logo, ele, seu romantismo, estaria refeito e intacto, preservado dentro de si - porque ela acreditava, que para se realizar um pequeno sonho romântico é preciso só de três coisas: sensibilidade, vontade e coragem - isso ela tinha de sobra.
Foi aí, que ela se viu, dançando aquela música até o fim, e a tantas outras, até o final da noite; em outros braços ... é óbvio! ... bem cuidadosos e hábeis, que a fizeram se sentir - mais como sonhadora, do que como aquela anterior boneca de pano, insensível.
Ele não sabe o que deixou de ter, nem se deu conta da oportunidade desperdiçada. Ela, permanece com a certeza que sempre teve - de que para ela - dançar romanticamente - é metade da sedução.
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