quinta-feira, 8 de outubro de 2015



Constelação Familiar




O MOVIMENTO INTERROMPIDO
O sofrimento, para Bert Hellinger, tem duas razões principais: 1) o emaranhamento no sistema familiar que procede normalmente de uma geração anterior e 2) um movimento interrompido do alcançar, da história da vida pessoal.
O primeiro tipo é tratado com constelação, o segundo com uma intervenção parecida com a “Terapia do Holding”, desenvolvida por Prekop, um psicólogo bem conhecido na Alemanha por seu trabalho com crianças.
A criança é totalmente fundida à mãe no início e dela depende em tudo. Cada criança tem um instinto natural de estender a mão em direção à mãe, uma forma de “amor primário”, poderoso e incondicional que garante a sobrevivência da criança enquanto que a mãe tem o instinto de cuidar do filho. Os dois movimentos combinados propiciam o desenvolvimento de um vínculo profundo deles.
O movimento interrompido do alcançar a mãe fica interrompido pelo retraimento emocional da mãe (ou do pai). Nesse caso, ocorre um trauma pessoal da criança que não é o resultado de entrelaçamentos transgeracionais.
Esse problema geralmente ocorre muito cedo na vida - durante a gravidez, durante o nascimento, logo após o nascimento e é muito doloroso para a criança. O trauma mais prejudicial é uma separação precoce da mãe e do bebê: a morte dela após o parto, a impossibilidade de cuidar do filho, o nascimento prematuro que exige que o bebê seja mantido em incubadora e até mesmo os casos de adoecimento materno.
Não menos graves são as situações de o nascimento oferecer risco de vida para a mãe ou para o filho ou risco de vida externo durante a gravidez (guerra). Essas coisas podem causar uma interrupção no movimento natural da criança em direção à mãe e, mesmo após a cessação dele, ele continua de maneira fragmentada, impedindo a realização e a completude.
No curso normal do crescimento, a criança se move lentamente da total unidade com a mãe para um sentido de si mesmo mais separado - individuação - através da qual a criança vai reunindo a sua própria identidade, deixando de ser um-com-a-mãe para se tornar um-em-si-mesmo. Isto é o modelo básico do desenvolvimento da criança, portanto ser criança é estar em um processo de se separar dos pais. Entretanto, ela ainda não é uma personalidade integrada, sendo necessárias muitas conquistas antes de ela ser capaz de estar apoiada sobre os próprios pés completamente. Enquanto isso vai se desenrolando, os pais devem continuar a exercer a função de sustentação essencial para ela.
A perda de um dos pais em uma idade precoce coincide com o período de grande dependência dela sendo esse fato, portanto, profundamente perturbador. Quanto mais cedo ele ocorrer, mais traumático será, sendo a perda da mãe, provavelmente, a mais traumática de todas as perdas.
Sem ser capaz de digerir a dor da separação, a criança não pode absorver o impacto total da experiência e a psique dela responde com barreiras e compensações de todos os tipos, permanecendo como que no limbo, dependurada como um registro que ficou enfiado dentro de uma rachadura na rocha.
O que se torna um bebê negligenciado é que, no começo, ele chora de raiva e desespero até que um momento ele silencia porque desistiu de tentar chamar a atenção da mãe e se refugiou, retraidamente, dentro de si.
A criança retraída aprendeu a não pedir o que ela precisa: ela parou de estender a mão em direção à mãe e se tornou incapaz de seguir os próprios impulsos de sustentação da vida para receber o que precisa dela (mesmo que a mãe se ponha disponível depois). O período de separação é crucial para determinar se a criança vai desenvolver uma personalidade desconfiada e retraída. É um padrão de proteção que nos afasta do amor e da afeição dos outros e que serve para evitar um padrão inconsciente de sentimento de rejeição na infância.
Mesmo depois de se tornar adulta, é provável que desenvolverá um padrão de não se aproximar das outras pessoas. Normalmente, essa pessoa vai construir uma abordagem adulta que vai até um ponto-limite e, após tê-lo atingido, passa a andar em círculos, ao invés de seguir em frente para receber o amor de uma forma simples. Ao invés de ir em linha reta em direção a um alvo, a fim de receber, nos movemos para os lados ou para trás, como em um carrossel que não leva à realização e nos traz de volta ao ponto inicial, nada ganhando ou alcançando. Esse movimento explica o fracasso contínuo de certos clientes, que se boicotam todas as vezes que chegam ao ponto-limite, podendo se dar tanto na esfera afetiva como na de trabalho, por exemplo.
Depois que entendemos o cenário da primeira infância, a solução fica clara. O terapeuta pode tentar restaurar o movimento interrompido, o vínculo, o fluxo de amor entre mãe, pai e filho, ajudando o cliente a concluir o movimento de estender a mão - e completar aquilo que não pôde ser concluído antes, na época certa.
O próprio terapeuta pode fazer o papel da mãe e ajudá-lo a restabelecer a ligação através da criação de uma situação segura, no qual o cliente pode reviver, em pequenas doses, um pouco da dor que ocorreu na infância com a mãe, quando esta não estava lá. Desta vez, porém, ele não será deixado sozinho mas será sustentado pelo terapeuta enquanto passa por tais emoções dolorosas. Isto é um processo de cura que permite que aquilo que ocorreu na infância possa se integrar na vida adulta do cliente.
Em vez de fazer uma constelação, Hellinger sugere que o terapeuta construa uma situação de confiança que permita ao terapeuta ocupar o lugar de uma mãe-substituta do cliente, segura-lo fisicamente no colo proporcionando que ele reviva a experiência de ser separado da mãe, de quase morrer, sentindo a dor que não pode sentir, reconhecendo a experiência traumática inicial, entrando em contato com necessidade básica que a criança tem do amor da mãe e a dor que surge se a conexão amorosa é interrompida por uma separação. O cliente perceberá que, como medida de sobrevivência, se separou da dor mas que ficou dormente e congelado; mas que, agora, pode revive-la no corpo, na segurança dos braços do terapeuta que está ali como ancoragem.
Se for o caso de o pai ter morrido quando a criança era muito nova, podemos convidar o representante da mãe a ser o elo da ligação da criança com o pai pois é a mãe quem importa mais e ela é a figura que, na vida, apresenta o pai à criança.
É importante notar que o movimento interrompido do início da infância é o único caso de o movimento de reconciliação ter de vir dos pais. É assim porque quando o cliente era criança, ele não podia se mover por conta própria (o trauma original ocorreu quando ele era muito pequeno e não podia fazer nada por si mesmo). Na maioria dos outros casos, o movimento de reconciliação vem do cliente, que vai em busca da mãe para receber dela.
Claro que esta obra de recuperação do movimento interrompido pode acontecer com variações por causa do cliente e do terapeuta. Na minha experiência, talvez por ter sido menos influenciado por terapias corporais de revivescência, muito difundidas nos anos 70, dentro de uma constelação, quando se atinge tais camadas mais profundas da psique do cliente, o seu representante se transforma em uma criança pequena, ainda no chão, adota uma postura recurvada ou até mesmo em posição fetal.
Eu mesmo já tive a grata experiência de representar essas situações diversas vezes - fazer uma criança retraída para quem a mãe não estava lá - e me beneficiar, como pessoa, um certo grau de cura de traumas menos salientes que decorrem das falhas da mutualidade da relação da minha mãe comigo enquanto bebê.
Para o cliente que assiste a esse tipo de cena na sua constelação, existe um impacto psicológico que dispensa a necessidade de ter de segurá-lo fisicamente, como Hellinger propôs. Contudo, quando um acesso emocional energético está sendo insuficiente, peço para que o cliente tomar o lugar do representante, ocupando ele mesmo aquilo que estava sendo representado por um terceiro e então romper a barreira defensiva que foi construída na sua alma.

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