Fragmentos 389
mark spain |
Vida em prosa
‘Villa Bellagio’,
é um espaço comercial numa cidade do interior de São Paulo. Cada vez que ponho os meus pés dentro dele,
eu deliro ou alucino - não sei ao certo.
Eu me sento ali, e se me deixassem, ficaria por lá horas a fio.
Aplico ao local, algumas modificações, de tempo,
de espaço, da geografia e mudo
totalmente sua utilidade.
Eu o transformo numa vila, das antigas, onde as
famílias numerosas viviam, com todos os parentes juntos, mais os agregados que
por ventura viessem se juntar a elas.
Muito pouco do que vem a seguir é real,
mas não saberão quanto!
A moça arrasta pelas lajotas de
terracota, a barra de seu vestido, que passa do chão.
O pátio está todo preenchido pela
vegetação verdíssima, deitada pela terra, dependurada, ou empoleirada ... em
arbustos, nas rasteiras, em vasos presos ao chão ou apenas esquecidos nos
parapeitos das janelas abertas.
Sem perceber, em algum momento, o
fino tecido de suas vestes ficará roto de tanto que ela caminha e o arrasta
pelo chão grosseiro. Ela se deixa absorver pela leitura que detém nas
mãos, que de tão interessante, impossibilita que seja lida, sentada ou quieta
numa rede. Algo do que lê, provoca dentro dela, uma disposição inata
de se mover, tal é o efeito que lhe causa.
A construção também é da mesma cor, com um espaço interno e quadrado, no centro da casa. O prédio possui inúmeros
aposentos, os superiores, acima das salas e mais salas, com outros espaços de
convívio comum, todas as janelas dão para esse patio. Aquela hora do dia,
tudo está sereno, não há barulhos, nem de utensílios domésticos sendo
utilizados, nem de serviçais, moradores ou da própria fonte que jorra água,
agora bem de mansinho para não atrapalhar sua leitura.
Em algum momento ela pára e se senta
na beira da fonte para apreciar os peixinhos coloridos
brincalhões. E é nessa hora, que a água cai com mais intensidade,
como para se exibir. Pingos chegam a espirrar sobre a capa do
livro fechado, sobre seu nariz ... e fazem o arco da velha sobre
ele. Um peixe ou outro mais robusto e corajoso, dá um salto para
fora dágua em busca de alimento, talvez imaginário – a moça não vê, primeiro se
assusta e depois acha graça.
Ela fez uma pausa na leitura, para
poder absorvê-la melhor, em pequenas doses, e estabelecer uma possível relação
entre a poesia lida e a sua vida em prosa.
Bem ao fundo, se vê um cão deitado
debaixo de um dos bancos. Alguém em silhueta sentado nele,
tricotando ou bordando, não dá pra ver, estão à sombra e a iluminação não
ajuda. Mas isso não interfere na movimentação da moça, nem na sua
leitura ou nos seus pensamentos, que enquanto lê, não estão ali.
Vai retornar ao seu círculo
imaginário, porque o espaço é quadrado, à sombra, debaixo dos aposentos
superiores. Vários bancos estão dispostos aqui e ali, mas a ela não
interessa sentar. Dessa vez, vai andar em sentido anti-horário,
porque esteve até agora, no horário.
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