Fragmentos 362
Seguindo a onda
Esse fragmento foi retirado de minha
memória. Além de mim, talvez mais uma ou duas pessoas se lembrem dele. Os envolvidos todos, uns mortos e outros
esquecidos.
O fato se passa na época em que vida era
simples, os doces baratos e meu padrão de referência estava apenas sendo construído, portanto a minha exigência não era grande - alegria era sinônimo de
felicidade.
Nesse tempo não havia futuro, porque não
era necessário, tínhamos o presente - era o bastante. Não havia medo de nada, talvez porque
soubesse que trazia em mim, tudo de que precisava. Eu ainda não tinha sido
infectada pelo ‘bichinho’ da dúvida, eu nem sequer pensava em ‘certeza’! Era só inocência! Desconhecia que essa coisa de ‘medo’ e ‘coragem’
pudesse existir.
Nesse dia eu fui feliz. Tudo se deu numa praia, lembro-me de viver
essa experiência, na primeira pessoa, e isso deve ser sinal de que realmente,
a vivi com consciência de mim.
Lá estava eu, à beira da praia, sem
lenço ou documento, sem protetor solar ou chapéu, sem identificação, debaixo de
um sol mais amigo – dando meus primeiros passos em direção às minhas próprias
vontades e escolhas.
Comecei a seguir a linha da água, que a última onda, mais fraquinha deixava na areia.
Percebi que era diferente - naquela época eu não conhecia a palavra
irregular, mas era isso que ela era. Em
algumas partes, ela avançava um pouco mais sobre a faixa de areia seca,
impelida pela mesma força que a impulsionava de lá de dentro.
Às vezes, era borbulhante, mas sempre
morria silenciosa e quieta, quando perdia essa força - mais tarde eu entenderia a frase “nadar e
morrer na praia”. O reflexo do sol na
onda, me encantava, era um desenho que ia se fazendo aos poucos, sob meus olhos
e debaixo dos meus pés. Resolvi seguir
essa linha, e fui cada vez mais longe de onde eu brincava.
Acabei por me afastar muito de todos eles,
desapareci de suas vistas. Ao perceberem
a minha ausência, saíram todos a minha procura, desesperados. Como não sei o
ano em que aconteceu, também nãos sei quanto tempo fiquei desaparecida, esses
detalhes ficaram perdidos dentro daquele tempo mais inocente.
Fui encontrada ilesa, devo ter levado uns
cascudos, não me recordo muito bem, mas se os levei, foram bem merecidos.
Eu não sei o que eles sentiram, só
depois de muito tempo eu passei a pensar nisso. Mas eu sei, qual sentimento me acompanhou –
liberdade!
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