Fragmentos 386
Até nunca mais
As minhas desesperanças iam ficando pelas laterais da estrada de ferro. Iam se deitando entre os pedregulhos e as
florzinhas que teimavam em crescer no chão inóspito. Eu deixava pelo caminho, uma bagagem que não
queria levar comigo. Quanto mais de peso
ficasse por lá - menos pra carregar - embora soubesse que nunca esqueceria a
dor que senti. Se existe algo em mim que
é bom, é a minha memória celular - das coisas boas e das ruins também,
infelizmente.
Estava fazendo o caminho de volta, sem um posterior retorno. Esperava não mais voltar a pisar aquele chão. Não pretendia rever aquelas pessoas, que antes haviam me avistado como um sujeito altivo de
expectativas, e que agora fazia o caminho inverso, se sentindo diminuído de tamanho - parecia que eu tinha secado, algo em mim realmente
secara. Uns centímetros a menos, uma cicatriz a mais. Não tinha lágrimas, nem suava
mais, embora fosse uma tarde fria de outono.
Tinha ido àquela cidade para secar minha alma, é assim que se fica velho.
Eu
vi, a torre da igreja, ficando pequena, a medida que o trem
se afastava. Tudo ia passando pelas
janelas sujas e embaçadas, ficando no passado. As casas, os varais, as praças, o circo, os animais, as plantações, até
não mais se assemelharem com o cenário em que tudo se deu - onde eu enterrei o
meu sonho - sob uma lápide muda e impessoal, sem flor, sem sombra, sem uma
prece ... e agora sem nenhum pingo de choro.
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