Fragmentos 383
Duas almas
Fechei os olhos
para ouvir a canção tocada ao piano. Ouvi também o violino chorando, mas me concentrei no piano, porque esse choro era só solidariedade.
Pude sentir, que a canção trazia em si ... duas almas, eram duas canções – uma sobreposta à outra ... e embora
uma fosse um pouco mais esperançosa – a sobreposição era perfeita.
Ambas contavam a
mesma estória, sob diferentes versões - bem no fundo, as duas se distinguiam. Cada
uma com sua própria vida e caminhos, que se separadas, fariam sentido sozinhas – mas juntas
alcançavam um maior efeito!
Eram tocadas por
mãos diferentes do mesmo pianista. Uma
lamentava e insistia em bater as teclas a obter os sons mais brandos e tímidos,
sempre os mesmos. Por mais que a outra,
mais triste e mais desalentadora, a fustigasse – ela continuava a tocar
repetidamente – podia-se ouvir bem nítido, o diálogo entre as duas. Mas para cada uma das perguntas ou lamentações
que a primeira fazia, a segunda lhe respondia com mais veemência - numa tristeza
com tons mais altos.
A primeira batia incansável - que ainda era tempo! A segunda
derrubava por terra, revoltada, toda e qualquer tentativa ou argumento, de se amenizar a
tristeza profunda que as arrastava, se negando a conter sua fúria.
Foi uma longa e triste conversa, tensa, um difícil consenso, uma superposição da tristeza, mas a harmonia aconteceu.
Até que ao final,
as duas concordaram e passaram a
caminhar juntas pelas teclas. Decidiram por executar a mesma canção, em uníssono, à duas mãos, como se fizessem um arranjo, ou tivessem feito um pacto.
Enfim, as duas eram
uma. Bem ao fundo ... um ouvido atento, ainda podia sentir - a voz de cada uma das almas.
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