quinta-feira, 14 de julho de 2016

Amazonita Alfaia Esashika








O SOFRIMENTO DO HIPÓCRITA





Ter mentido é ter sofrido. 

O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício.

A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga.

Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso.

O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita.

Causa náuseas beber perpetuamente a impostura.

A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento.

Engolir essa saliva é coisa horrível.

Ajuntai a isto o profundo orgulho.

Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima.

Há um eu desmedido no impostor.

0 verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se.

0 traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel.

É a mesquinhez capaz da enormidade.

O hipócrita é um titã-anão.


Victor Hugo, in ‘Os Trabalhadores do Mar’

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