Carta aos homens que não amam as mulheres, mas amam as mães
Bom dia, meu amor.
Acordei e peguei o celular, não tinha mensagem sua, mandei-lhe uma desejando um bom dia e dizendo que te amo. Você não respondeu hoje, como também não respondeu nenhum outro dia. Nem nunca me surpreendeu com mensagem alguma de carinho. Eu sei, nós já conversamos sobre isso. Você diz que tem uma forma diferente de demonstrar seus sentimentos. Eu só não entendo porque não consigo vê-la. Eu sei, você já disse que já se decepcionou muito com a vida e não consegue mais confiar em alguém. Eu sei, eu sei, você tem suas razões, e por isso é cauteloso com essas coisas de sentimentos.
Mas existe uma coisa que preciso lhe dizer: essa sua postura se parece com a de Fulano que eu já namorei, e também com a de Sicrano que eu fiquei, e também com a de Beltrano... Acho que existe mesmo algo de errado, meu amor, e é com vocês.
Tenho próximo a mim diferentes gerações de mulheres que foram violentadas, a maioria foi pelos seus companheiros. No dia a dia tento driblar o assédio toda hora, às vezes não consigo, e quando não, me encontro acuada, mesmo em locais públicos, mesmo à luz do dia, mesmo com pessoas em volta. Na faculdade ou no trabalho eu sou sempre uma puta, ou ao menos assim é que me chamam, quando eu respondo grosseiramente, quando nego, quando quero apenas ficar em paz.
Outro dia soube que um rapaz ejaculou numa moça no buzu que eu pego. Soube também que minha brother estava sofrendo violência doméstica do companheiro militante da esquerda. E que você me traía.
Suas razões não parecem maiores que as minhas para não confiar, para se resguardar. E por que somos diferentes? Por que não sou eu a negar esse relacionamento tóxico com a masculinidade?
A sua frieza é sua forma de misoginia, é a sua forma de manipular e de ferir. As decepções da vida, compartilhamos, mas o rancor por mim é algo intrínseco, anterior a nós, que você interiorizou na sua educação. Você não me bate nem me insulta, mas me ignora e não equivale o meu carinho, como forma de me destruir, de me rebaixar. Isso talvez você não tenha se dado conta, mas é a sua forma de violentar.
Você me diz que ama sua mãe, quem é ela? Você ama sua mãe porque não a vê mulher e é incapaz de perceber todas as dimensões de ser humano que ela tem. Amar sua mãe não te fará menos misógino. Amar sua mãe é amar a objetificação que ela carrega, enquanto fonte de proteção, carinho e cuidado. A mesma fonte que você buscou em mim e que busca em suas companheiras, alguém que cuide de você, e que ocupe o lugar da sua mãe hoje, que você está mais velho e ela também, e ambos tem outras responsabilidades.
Vou repetir, meu amor, para que você compreenda bem: amar sua mãe não te faz menos misógino. Espero que você cresça, amadureça e reconheça que não desenvolver amor por uma mulher não é algo particular da sua experiência de vida, da sua personalidade. É algo próprio da nossa educação misógina, que nos condena, nós mulheres, ao lugar da não-humanidade, da superficialidade emocional, da vulgaridade e da não confiabilidade.
Sou negra, e talvez você enxergue nessa cor um motivo a mais pra não confiar, para se distanciar e não desenvolver carinho e respeito.
Espero de você, e espero de mim, que eu possa conseguir aos poucos destituir-me do papel de segunda mãe sempre. Que eu consiga exercer o direito que eu tenho de perder a paciência, de mandar-te embora, e de te ignorar, e ignorar toda a classe da masculinidade, como somos nós mulheres ignoradas, humilhadas e feridas.
Abraço de despedida,
Nós, mulheres negras, fetichizadas e cansadas.
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