Das Auto: tecnologia para contaminar sem deixar rastros
Como a Volkswagen criou motores que simulam ser ecológicos em testes mas poluem, nas ruas, quarenta vezes mais. Suspeita: descoberta é ponta de iceberg; outras marcas praticaram fraudes iguais
Por Antonio Martins
No mundo mágico da publicidade, os automóveis são tão inofensivos e contemporâneos como era o tabaco, há quinze anos. Os motoristas deslizam por ruas e avenidas sempre vazias. Dirigir nas cidades é relaxante e aprazível. Os carros oferecem potência a seus condutores, mas os convertem, ao mesmo tempo, em defensores da natureza. Porque os motores, tecnologicamente muito avançados, adequam-se a todas as normas de proteção ambientais. Há uma semana, mais um sustentáculo desta narrativa infantilizante está desmoronando.
Descobriu-se que a Volkswagen, segunda maior empresa global em seu ramo, não emprega a tecnologia para aperfeiçoar seus produtos, mas para criar a ilusão de que são bons. Pelo menos onze milhões de motores da marca foram programados para simular, quando submetidos a testes, que emitem entre cinco e quarenta vezes menos poluentes que em condições de tráfego. O artifício – uma espécie de malandragem high-tech, com sotaque alemão – permitiu até agora burlar as normas que deveriam inibir a emissão de um composto altamente nocivo, tanto para o equilíbrio climático quanto para a saúde humana. A Volkswagen – cujo presidente mundial acaba de renunciar, numa tentativa de encerrar o caso oferecendo ao público um bode expiatório – não está sozinha. Tudo indica que a indústria automobilística pratica, de modo generalizado, fraudes deste tipo...
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A descoberta das fraudes da Volkswagen produziu um pequeno terremoto financeiro. O valor de mercado da empresa – considerada um pilar da economia alemã – reduziu-se em 1/3, em apenas quatro dias. Mas tudo indica, reconhece a própria revista Economist, pró-capitalista, que a maior parte das montadoras globais de automóveis promove manipulações idênticas às da VW. Foi certamente esta consciência – e o medo de futuras revelações – que provocaram, ontem, desvalorizações expressivas nas ações da Renault (-4%), Peugeot (-2,5%), Nissan (-2,5%) e BMW (-1,5%).
Os amantes brasileiros da indústria automobilística podem, ainda assim, dormir despreocupados. Embora o escândalo tenha estourado há cinco dias e ocupe deste então muitas páginas, em dezenas de jornais em todo o mundo, nem Folha, Globo ouEstadão haviam dedicado uma linha ao tema até esta tarde – quando ele tornou-se obrigatório devido a renúncia de Martin Winterkorn, presidente da Volks. Agora, os três diários brasileiros mais vendidos, assim como as revistas e TVs aceitam sem críticas a versão segundo a qual tudo se passou de um erro pessoal de Winterkorn. Ao avaliar o volume de publicidade da indústria automobilística nestes meios, você certamente compreenderá as razõe$.
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