quarta-feira, 15 de maio de 2019

691 __ SONETOS E VASOS  __ 15/05/18




Era um belo vaso.  Feito do melhor material conhecido até então, resistente, para durar.  Mãos delicadas e hábeis, o haviam modelado lentamente.  Finas pontas de um instrumento aguçado, desenharam o contorno dos ornamentos que seriam preenchidos mais tarde, com as cores mais bonitas e harmônicas
.
Fora submetido ao tempo de criação, vagaroso e minucioso.  Passou pelo forno, pelas altíssimas temperaturas, para que se desse a imortalização da obra.

Quando ficou pronto, era algo lindo de se ver, compensava o tempo gasto na sua elaboração. Recompensava as vistas, depois de todo o empenho.  Além de beleza, tinha serventia, poderia conter água, flores, o que mais se imaginasse.  Ah ele guardou muitas coisas!  Era forte o bastante, com os líquidos, com os sólidos.  E também com os aromas - ele os guardava.

O tempo de uso, foi ficando grande, e os cuidados para com ele, não foram os melhores.  Um esbarrão aqui, uma lasca; uma pequena queda, uma rachadura.  Sem receber a devida atenção, sem que reconhecessem seu real valor,  com o decorrer dos descuidos sucessivos, passou a não servir mais como enfeite, nem como utensílio para conter os líquidos, sólidos - os aromas então,  nem se fala.

Uma lasca numa lateral e usava-se a outra face, ainda perfeita.  Incontáveis foram as vezes em que se tentou consertá-lo, pelos estragos nas quedas.  Cada vez mais, ficava  difícil juntar as partes, reparar os danos.  Parecendo que faltavam pequenos pedacinhos, quase que dispensáveis, mas que não permitiam a colagem, porque as peças não se encaixavam, as lascas e as falhas não combinavam.

Além da serventia, perdera também sua forma original, a integridade, as cores, o brilho, a superfície intacta.  Logo fora colocado a uma parte mais afastada do móvel, onde os olhos não o vissem, nem a ele, nem a sua decadência.  Nem para museu servia mais.

Sinto falta do vaso, do jeito que ele era, mas já não quero mais consertá-lo, reconheço que em muitas vezes, as emendas ficaram piores do que o soneto.  Um soneto é um soneto, um vaso é um vaso.  Os sonetos duram muitas vidas, os vasos às vezes, nenhuma.



arte | christian schloe

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