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ONDAS ESCURAS
02/03/20
A viagem transcorria silenciosa. Numa manhã fria de sexta-feira, eu vestia cinza e preto, numa transição de estação do ano. O ar frio e pesado, era entrecortado por alguns toques de notificações dos celulares, dos que se esqueceram de retirar o som. Os diálogos eram silenciosos, mudos, mas intensos, os dedos deslizavam ágeis sobre as pequenas telas e falavam sobre os mais variados assuntos, dos mais sérios, até os mais dispensáveis. Se fosse um filme, inúmeros balões de texto apareceriam nas cenas, com superposição de uns com os outros, de tantos que eram.
Cada vagão do metrô, se transformava em uma câmara fria, conservando as carnes que viajavam dentro dela. Mãos frias, pés frios, corações. Uma coceira aqui outra ali, uma perna cruzada, descruzada, um abrir e fechar de bolsa, de boca, de vez em quando, quebravam a inércia dos corpos, que se moviam sem dar um passo.
Não sei como funciona a condução do metrô, se é automática, ou não. Mas a mim, me pareceu que eu viajava num ônibus, cujo motorista pisava constantemente no freio, podia sentir o solavanco, meu corpo ia e vinha, pra direita, pra esquerda, porque havia me sentado num daqueles bancos laterais.
Na verdade ali, todos queriam passar o tempo sem que tivessem que se olhar, uns aos outros. Os que não tinham uma tela debaixo do nariz, olhavam o chão, o movimento lá fora, quando era possível vê-lo. Olhares perdidos e vagos, em seus pensamentos mais bizarros.
Logo mais, cairia a chuva, chata e gelada, guarda-chuva não resolveria, porque os pingos iriam alcançar, mesmo quem estivesse debaixo de um. Meu guarda-chuva vermelho era apenas mais um, que não podia ser visto de cima,no mar de ondas escuras e mais altas que a minha.
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