quinta-feira, 26 de março de 2020

1148

CHEGADAS E PARTIDAS
26/03/20





Estático e em contemplação, sento-me para ver o mundo, e sinto, que sou ponto imóvel, represento a linha horizontal, de um gráfico cartesiano, onde só o tempo varia, mas o espaço é sempre o mesmo.

Fixo e sem poder sair do lugar, como alguém plantado no cais do porto, avisto os navios ao longe e bem pequenos, por sinal. Não se atrevem a se aproximar da costa.

Sem movimento, eu invento um!  Começo a caminhar, em direção ao fundo das minhas lembranças, procurando lá encontrar, entre fatos e sentimentos, algo que me faça reconhecer, quem eu sou de fato.  Como um explorador, garimpeiro, conhecedor de mim mesmo.

Vejo as aves, com suas asas, que exceto quando em gaiolas, nunca estão presas a lugar algum.  Desenham a curva que querem no papel azul.  E eu, permaneço grudado ao chão.

Meu olhar se entristece, pois os navios quase se perdem das minhas vistas, suspensas estão, chegadas e partidas.  Não que eu quisesse zarpar num deles, mas sempre gosto de pensar, que tenho outras opções, além de estar plantado neste cais ... e quando escolho ficar, é porque fui livre para fazê-lo.

terça-feira, 24 de março de 2020


1147

INTENSIDADE E ALARIDO
23/03/20



Vi ventos baterem às portas, com punhos cerrados, querendo entrar.  Vi outras portas, sendo fechadas, com fúria e estrondo, pela vontade  do mesmo vento.

Vendavais vergastam os galhos das árvores, arrancam as raízes, modificam o terreno.

Mas o vento pode ser uma brisa amena, que acaricia e bafeja uma flor, ainda em botão.  Pode ser um movimento de ar, instigador das folhas, e ao qual, as flores, com suas belas cabecinhas, se curvam e aquiescem,  com um tácito sim.

Manso ou assustador, silencioso ou uivante, será sempre ele mesmo.  Existem moinhos para serem movidos e situações que necessitam de vigor, para serem transformadas ... uma leve brisa, não é capaz de impulsionar pás ou mudar coisa alguma.

São os ventos fortes, que em alto mar, convulsionam as águas profundas do oceano e as transformam em maremoto, alastrando-se através de toda a superfície, pode-se ouvir a sua ferocidade viajando  por sobre a grande  extensão da película salgada, e a medida que se dissipa, diminui sua ferocidade e seu alarido; até chegar em ondas farfalhantes e calmas, a revolverem a areia, como saias esvoaçantes e longas, de uma mulher que caminha pela praia, no final da tarde.



domingo, 22 de março de 2020

1146


DONOS DE NADA
20/03/20



Ainda bem que temos 'março' pra chorar por todos nós. Chorar pelos anéis que devem ir, se quisermos ter a chance de conservamos os dedos.

A ninguém é garantido, que os manteremos presos às mãos, mas por ora, é preciso, abri-los e deixar escorrer por eles, o que amealhamos com tanto afinco e conservamos com tanto apego.
A distância protege a quem amamos, estar longe é pra depois podermos estar perto ... quem diria?
Criaturas minúsculas, vêm nos mostrar, que não somos os gigantes que pensávamos ser.
Na verdade, somos uns 'Aquiles', com mais do que um tendão vulnerável e suscetível a romper-se.
Somos falsos 'Sansões', desfilando por aí, com nossas vastas cabeleiras, inflados de conhecimento e poderes reivindicados.
Não somos donos de nada, e invariavelmente, muito mais frágeis do que uma flor ou inseto.

quinta-feira, 19 de março de 2020

133




INTERSECÇÃO
19/03/2006

Se nenhum homem é uma ilha ...
somos todos um imenso continente!
Ligados uns aos outros!
Em alguma extensão de terra e alma ...
estamos como que circunscritos uns aos outros...
formando uma intersecção!
Somos mais parecidos do que imaginamos!
Habitamos e existimos ... está fora, mas dentro ...
Em território comum ... meu e nosso!
Procuro ao outro e encontro a mim!



arte | "mulher em frente ao espelho" __ pablo picasso __ 1932

quarta-feira, 18 de março de 2020

132

CONJUGA-ME!
18/03/16






De todas as formas,
em todos os tempos,
de todos os modos ...

Do presente ao infinito!
Perfeito, mais que perfeito!
Mesmo imperfeito!

Considere meu pedido no imperativo!
Quase uma súplica!

Sinto saudade não sei do que!
Do que foi sonhado
e não foi vivido ...
Do que foi esperado
e errou de endereço ...

Se nasceu ... logo morreu!?
Se não nasceu ... por quê não?


411

BUCÓLICA
18/03/17




Em primeiro plano, três flores brancas.  O resto da paisagem vai ficando desfocado devido a miopia, ou ao cansaço das retinas. A medida que estão mais distante de meus olhos, as cores perdem a intensidade e as formas se desfazem em contornos fluidos.

Mas não são só os meus olhos que enxergam - é a alma que não sofre de nenhum problema de visão – que captura, mensura e sente o ambiente, trazendo de volta a mim todas as impressões - para que eu possa apoderar-me da sensação de fazer parte de um quadro, que ninguém poderia pintar.

Meus pés pisam a relva ainda fresca da madrugada.  E enquanto lentamente eu caminho, absorvem a beleza e me aproximam das imagens, as quais não visualizava completamente.

Vejo outras flores, de outras cores mais vivas, vejo os insetos e pássaros rodeando suas corolas. Têm a ilusão de que são eles que, cortejando-as atingem, finalmente, seus corações e tomam do seu néctar, quando a realidade é bem outra – as flores e suas cores é que exercem uma sedução irresistível sobre os insetos e pássaros - são eles que se tornam cativos do seu encantamento.

A moldura é feita de azul, com manchas aqui e ali, em estranhas combinações, o verde também se mescla espalhado entre o chão e as encostas mais distantes.  Quanto mais próxima delas, as cores se acendem e os formatos se definem sob meus olhos.  E bem debaixo do meu nariz, estão a subir os perfumes, doces e outros não tão agradáveis ao meu olfato, me escapam aqueles que não posso sentir. 

Eu poderia aqui me deitar e dormir por horas, e morar nesse local que me acolhe, como se fosse minha casa - porque um dia foi a minha casa – eu é que a deixei, e me afastei dela, a natureza, motivo pelo qual me sinto tão bem quando a ela retorno - com um enorme prazer de sentir que ainda sou parte dela - ela sabe disso e me aceita de volta!


arte | agnes cecile


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CASTELO DE CARTAS
18/03/16




Quem és tu?
Que não trazes no corpo nenhuma ferida
mas carregas a alma cheia de pus!
Infectas ao  toque!
Ajustas a máscara de santo
e espalhas a dor ao teu redor!
A dor que é tua ...
mas és 'democrático'
e a estende a todos!
Extirpastes os seios 
depois de alimentar-te
secaste o ventre que te gerou!
Queimastes as mãos dos teus pares ...
Afastas todos que tentam te amar!
Oh! criança que chora em corpo de homem!
Homem que ‘comeria’ a própria cria!
Que fome é essa?
Que mal te fizeram?
Por quais horrores passaste?
Se não olhares essa dor ...
se preferires escondê-la de ti ...
ou esconder-te dela ...
reinarás absoluto sim
sobre o trono que é ‘teu’
bem longe de todos
em teu castelo de cartas
mas que pensas, ser de pedra!


terça-feira, 17 de março de 2020

409

A ACIDEZ DO MUNDO LÍQUIDO
17/03/17





Na química, o ácido interfere no equilíbrio já existente e promove novas reações, é apenas uma parte do processo de retorno a um novo equilíbrio. A acidez do mundo líquido faz o mesmo, ingressa com novos conceitos ainda incipientes para revolver os velhos e compactados,  e assim modificar o pensamento da humanidade ainda em  fase de lagarta.
A qualquer instante, somos surpreendidos com novas informações, que suplantam as conhecidas, dizendo-nos que estivemos equivocados anteriormente – só por uma vida inteira! – e então nos sentimos inadequados, ultrapassados e sempre desatualizados.  As certezas só duram até que uma nova dúvida venha questioná-las.
Esse processo é muito dinâmico, nem bem absorvemos uma novidade, nos vemos de cara com outra mais irreverente ainda.
Não damos conta de tanto conhecimento, que longe de nos deixar mais sábios, apenas nos torna mais inseguros.  Há uma espécie de volatização do pensamento e somos acometidos de uma over dose de conhecimento que não leva a nada, pelo menos por enquanto.  Obtemos fórmulas para os problemas que já passaram, que não se aplicam aos atuais e nem aos futuros.  A experiência é mesmo um carro que ilumina a parte de trás da estrada.
E seguimos nós, atarantados, querendo corresponder e impotentes quanto a nossa ineficácia e ineficiência.  Entorpecidos e sobrecarregados de novos conhecimentos, que já não temos mais onde guardar, nas gavetas, nos armários, nas estantes, nas nuvens!

*

“...Eu diria que estamos num estado de interregno  ... no interregno não somos uma coisa nem outra ... as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais...”  ___ Zygmunt Bauman
A fluidez do 'mundo líquido' de Zygmunt Bauman

919


PEÇO DEMAIS?
17/03/19



Quero ouvidos que me escutem e me ouçam.  Que recebam a minha mensagem e a deixem viajar até seu cérebro, passando pelo seu coração, para voltar compreendida, à sua boca ... e que esta me fale ou não, não importa, basta que eu seja ouvida e não escutada, apenas.  

Ouvidos que não retenham as minhas palavras, em seus contornos sinuosos e não as deixem dispersar em túneis de vento, sem deixá-las seguir para onde devem, o centro do acolhimento.

Que me ouçam para entender, o que a eles confio, e não só para responder!

Quero ouvidos inteligentes, alfabetizados, que saibam ouvir, que não distorçam quando lhes falo de mim, que também não usem contra mim, o que digo, na chamada empatia distorcida, que faz da minha confissão uma arma, retornando aos meus ouvidos e atingindo em cheio o meu coração, como uma seta envenenada.

Isso é pedir demais?


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A ALMA, A CURVA  E A CORDA
17/03/18   
     




Uma voz que tangencia
os limites de minha alma,
muito antes da palavra e
de qualquer pensamento
... ele acorda o meu sentir.

Sussurra aos meus ouvidos,
que nem sabem se escutam
... mas sentem!

Como a reta que de leve 
encosta na curva, fazendo-a se mover ...
a voz - é a reta que em mim se encosta, 
me fazendo prosseguir
... e responder aos meus sentidos.

Como o arco toca, a corda do violino, 
que ao exclamar um gemido, 
comovida ao ser roçada, 
emite um som,
como sua forma de sentir ...
eu respondo àquela voz,
ela, nem sempre tão gentil
e eu, nem sempre com gemidos.

Não sei se ouço ... devo ouvir!
Nem sei se penso?
Eu, primeiro, sinto!

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SOBRE COMEÇO, MEIO E FIM
17/03/17




O raio riscou uma linha aleatória
quase igual ao símbolo de somatória!
No céu, ele assinou seu nome
com ruido de estômago com fome!
Fez tremer a terra e o homem
a ele e a seus medos fortuitos
... aqueles que lhe consomem!
Raios e medos dão curto-circuitos!

O raio nasce na terra 
sobe acima da serra
... lá sua vida se encerra!

O homem nasce do pó
indefeso ... ele berra!
Desvalido, ao pó, retorna só
quando a terra o soterra!

arte | agnes cecile
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UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO
MINHOCA NA CHAPA
17/03/17




Eu vi a minhoca precipitar-se sobre a placa de concreto tórrido, 
exposta ao sol há horas.  
Ela ficou sequinha e retorcida, meio frita, meio grelhada na pedra,
fragmentada, parecendo um cocozinho de algum animal. 
Tendo saído da terra de temperatura um pouco mais amena, 
achou que poderia atravessar a placa - um ‘deserto’ pra ela,
até que encontrasse um outro pedaço de gramado, depois do concreto. 
Assim que deu a sua primeira ‘arrastada’ sobre a placa quente, 
sentiu que era o seu fim.  
Logo ela - capaz de fazer a mesma travessia por debaixo da terra, 
de forma ilesa, fazendo o que ela faz de melhor,
 comer terra enquanto abre caminhos, arejando o terreno.

Eu me senti assim - esturricada, mas não por falta de sobreaviso.  As ‘placas de concreto quente’ sempre exalam um calor intenso antes de serem tocadas, e é esse prenúncio de perigo que devemos considerar e nunca ignorar, a sensibilidade da nossa pele sempre nos alerta.
O nosso 'sim’ - e que desde o começo deveria ter sido um ‘não’ - consome o combustível da nossa essência.  Ao falarmos sim, sem vontade ... dizemos não pra nós mesmos e aos nossos anseios.  
Algumas coisas na vida, não são pra serem transpostas - são maiores do que a nossa capacidade de transposição, devem ser reconhecidas e respeitadas. Muito embora tenhamos uma recompensa por sermos legais com o outro (bonzinhos) - o prêmio por cedermos às suas expectativas, geralmente tem preço muito alto pra nossa saúde física, mental e emocional. 

Cedermos às maquinações alheias, sejam elas benevolentes ou perversas, cariciosas ou rosnadas - nos fazem estacionar nas 'placas tórridas' por um longo tempo - das quais saímos ressecados vivos.  

Modificar nossos valores e necessidades em deferência à opinião do outro, aos poucos vai nos 'desidentificando' como o ser espontâneo e singular que somos.
Quando a coisa começar a ‘esquentar’ pro nosso lado - sinalizando que não estamos a vontade, é hora de pensar mais em nós, na resposta que queremos dar e não no que o outro quer ouvir.  


O sim é sempre mais fácil, porque o dizemos apenas uma vez.  O não é muito mais trabalhoso, porque teremos que repeti-lo várias vezes, reafirmar - o outro vai tentar nos fazer mudar de ideia pra dizermos o que realmente quer ouvir.  E ele vai usar de todos os subterfúgios pra nos convencer.  Usará o seu poder de convencimento diplomaticamente, se não der certo – talvez se exalte, e se mesmo assim continuar a ouvir um não - pode recorrer a retaliações,  no intuito de nos intimidar e de finalmente, ouvir de nós, apenas o que quer ouvir.  Será preciso nos tornarmos surdos à essa voz insistente e mal intencionada.
Os sentimentos são pássaros que não se deixam prender, não há portões nem cadeados que possam trancafiá-los - e se tentarmos silenciá-los - eles e nós vamos adoecer.

segunda-feira, 16 de março de 2020

408


TRISTE IRONIA
16/03/17

Usar, dispor,  e negociar, e acabar com o que não é seu - o que é?  Ser bom de esmagar nas mãos, os tenros e doces haveres de outrem.  Isso faz o quê, de uma pessoa?  Um usurpador, que no mínimo praticou uma espécie de estelionato ou sequestro de ordem emocional.  Uma triste ironia ... que quando o fez ...  fez a si, o mesmo que fez com os sonhos e expectativas da vida do outro. Não há o que esperar de retorno, roubou a si mesmo todas as possibilidades.  Ao destruir a esperança que não era sua, destruiu a sua também, porque as relações são vias de mão dupla, elas se retroalimentam ou se destroem.
Foram bolinhas de plástico-bolha, estouradas uma a uma, inutilmente - num prazer mórbido, sádico - de quem causa dor ao outro e ao final, se depara com o material todo cheio de rebarbas e disforme em suas mãos - totalmente rompido e sem utilidade.  Mas ingenuidade a dele, de que tenha esmagado só ao outro - aniquilou qualquer chance de felicidade mútua e porvindoura.
A seiva perfumada de todas as flores que estavam intrínsecas, escorreu entre seus dedos, enquanto espremia o que não era seu -  mas 'estava seu'. Incrivelmente, não restou nenhum perfume em suas mãos!

sexta-feira, 13 de março de 2020

918

BELOS SONS E IMAGENS
15/03/19




Eu vi as mulheres baterem as roupas na pedra, enquanto o rio descia em corredeiras, levando a espuma, esfregavam e torciam.  As lavadeiras batiam com força, e em vez de 'bater e assoprar', elas batiam e cantavam, em coro, para que nem elas nem as roupas ficassem tristonhas. O sabão as deixava cheirosas, o canto as deixava macias.  Algumas vozes dissonantes, eram cobertas por outras mais afinadas, no total era um belo espetáculo, em sons e imagens.  Mulheres suarentas, com suas saias molhadas, mesmo amarradas entre as pernas, cabelos em desalinho. Toda a labuta era bem árdua, mas cantavam, e enquanto cantavam, juntas, espantavam o cansaço.  Depois da lavagem e da cantoria, tinham muito a fazer, carregar cestos cheios e pesados de roupas molhadas, estende-las ao sol, para que este, terminasse o trabalho.

Fui descendo pela margem, no sentido das águas do rio. A cantoria ia ficando cada vez mais baixa, a ponto de ser apenas, um leve sussurro, quando um vento favorável o trazia até meus ouvidos.  A canção e o quadro, ficarão para sempre em minha lembrança - uma autêntica obra de arte viva.

arte | jamie heiden
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UM GOSTO DE SAUDADE
15/03/19



É um misto de nostalgia, acrescido de uma sensação de pesar e uma boa pitada de imaginação.

Eu não disse tudo, sei também que não me contaste dos teus sentimentos, mas muita coisa ficou no ar.  Aquele beijo, foi esperado.  No tempo, está atrasado há algumas décadas, não direi quantas!  Ele sozinho, poderia ter mudado tudo, ou não.  

Sem ele, ou melhor, na ausência dele, tudo foi diferente, a minha vida e a tua.   A única coisa constante, e que ainda permanece em mim - é a vontade de voltar no tempo e ter-me permitido beijar-te.  Só não entendo, como posso sentir saudade de um beijo, que nem sequer provei do gosto?  É porque saudade tem gosto, às vezes doce, amargo, às vezes indefinível!