quinta-feira, 12 de dezembro de 2019



587 | O PIÃO DE SAIA E AS ANGÉLICAS | 12/12/17

Nem sempre gostei do meu nome.  Do sobrenome então? ... Fui motivo de gozação na escola, quando as crianças, apesar de sua ingenuidade, possuem uma maldade inata.

Me lembro bem de um casamento em que fui quando criança, devia ter uns sete ou oito anos, quem sabe menos até, mas a julgar pela lembrança vívida que tenho, acredito que não poderia ser tão nova, ou se era - o fato foi mais marcante do que eu imagino.


Era o casamento de um primo de minha mãe, no tempo em que as festas de casamento, eram feitas nas casas.


As imagens são bem nítidas, estava frio e eu usava um casaco de gola redonda, lã grossa, transpassado, com botões forrados do próprio tecido na cor cinza, o que o tornava mais pesado ainda pra uma criança, mas naquela época, vestíamos e comíamos o que tinha, não existia a preocupação com a moda ou com gosto.  Éramos gratos por não passar frio nem fome.


Ainda falando do casaco: ele era godê, só deixando à mostra minhas pernas finas com meias soquete e sapatos brancos.  


Independente da cor dele e de qualquer desconforto que ele pudesse causar, eu gostava de vesti-lo.  Eu rodopiava com força e ele levantava, rodopiando comigo, eu me imaginava como sendo um pião de saia, girando no ar.  Às vezes, eu invertia o lado pra onde eu girava, e a saia dele, se atrapalhava toda até que voltasse a girar pro lado certo, pro lado que eu queria, o outro.


Foi nesse dia em que, pela primeira vez eu fiquei sabendo que o nome pelo qual me chamavam e eu atendia - era também o nome de uma flor.


O buquê da noiva era feito de angélicas, um punhado delas, sobre uns raminhos de melindre verdinho.  


Durante toda festa, ele ficou guardado no mesmo quarto em que guardavam os docinhos que seriam servidos mais tarde.  Estava tudo à portas fechadas, mas não pra mim.  Foram inúmeras as vezes em que eu entrei nesse quarto, não pelos doces, dos quais lembro até hoje o cheiro, dos confeitos embrulhados em papel de festa - mas não era por eles que eu entrava.


Eu tinha ficado fascinada pelas flores que eu não conhecia, pelo seu perfume, pela maciez, pelos tons brancos e rosados que os botões tinham.  Acho que com o meu narizinho de criança, acabei com o perfume delas de tanto que as cheirei.


Sem dúvida, aquele era o perfume que prevalecia no quarto, no meu narizinho de criança e que iria prevalecer na minha memória olfativa pra sempre!


Elas eram lindas, mais que isso, eram aquilo que eu não sabia e nem sei explicar.  É o que eu me lembro desse casamento, dos rodopios e das angélicas.



melindre:
A Asparagus officinalis conhecida como aspargo, melindre e espargo, pertencem a família das liláceas. As suas partes utilizadas são a raiz e os caules.



arte | agnes cecile

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