sexta-feira, 4 de maio de 2018

O CADERNO VERMELHO  __ 680





O TRABALHO FOI MEU, MAS ELA PLANTOU A SEMENTE

Como toda criança de sete anos, há exatos 53, cheguei ao primeiro ano, crua.  Os tempos eram outros, os estímulos também.  Ignorantes das letras, das emoções, do mundo, eu como tantas outras, iniciamos nosso aprendizado.

Para muitos de nós, afastados de casa e da família pela primeira vez, era imprescindível, que a pessoa a nos receber fosse terna e experiente, devido a ignorância e carência que trazíamos. 

Seria nossa primeira mestra - na iniciação ao conhecimento, capaz de nos mostrar a principio, pequenas maravilhas, nos instigar e com isso, fazer brotar em nós a curiosidade,  e por que não dizer - o amor pelo saber.

Eu tive esse privilégio, eu a recebi como  minha introdutora - dona Maria Caetano.  Posso ter confundido os papéis, de mãe, avó, professora, mas no meu caso a confusão trabalhou a meu favor.

Era de pequena estatura, cheiinha de corpo e já de uma certa idade, tinha cabelos curtos e ondulados, usava óculos.  Não me lembro muito bem de seu rosto, mas lembro da sensação de estar perto dela, do jeito que corrigia uma letra mal feita, uma conta errada.  Gostaria de me lembrar melhor do seu rosto, ela merecia.

Certa vez, até entrei num jardim e roubei uma rosa que dei à ela.

Eu sempre soube onde ela morava, próximo à escola, poderia tê-la visitado.  Apesar da importância que teve na minha vida, não tive chance de lhe dizer isso - nós só nos damos conta dessas coisas muito tarde.  Sou grata a ela, por tudo que me ensinou, por tudo que ficou subentendido com o seu jeitinho meigo, pelo meu gosto pelas letras, mais tarde desenvolvido.

Quando penso nela, a primeira coisa que me vem à mente, é seu caderno vermelho.  Um caderno grande, que devia ser seu diário de classe, encapado com papel vermelho fosco, e letras escritas em tinta branca, mais desenho que caligrafia, perto da minha tão tosca e iniciante.  Me faziam lembrar dos bordados delicados que as mulheres aprendiam a fazer naquela época.  Talvez ela não bordasse, talvez sim, eu nunca soube, mas bordar letras brancas em papel vermelho, ela sabia.


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