quarta-feira, 2 de maio de 2018


AS PEDRAS E A PEDREIRA-MÃE  __ 678






Eu era a própria rua, com suas pedras irregulares e frias, arrancadas de uma pedreira-mãe distante, e jogadas naquele local estranho.  Dispostas, umas,  ao lado das outras, de uma forma que nada crescesse entre suas frestas.  Refletindo a luz fria da lua, sem entusiasmo.  Eu não pisava aquelas pedras, com meus pés.

Naquela noite, eu era café frio, requentado muitas vezes; pão seco e endurecido; cama úmida e solitária.  A personificação da fome e do frio, sem senti-los.  Tinha uma dor, que não sabia me falar onde doía, se em cima, embaixo, do lado esquerdo, ou direito - ela só latejava.

Sumir, seria bom ... mas impossível.  Quem some de algum lugar, tem de ir para outro, e a dor iria junto comigo, onde quer que fosse.

A vontade era, de me jogar naquele chão irregular e frio, ficar grudado, aderido a ele, feito película opaca, num efeito camaleão - assumindo sua forma, cor, textura, aspecto, frieza.  Eu ficaria, o tempo que fosse preciso, naquele chão irregular, em simbiose, até que a dor - esquecida de mim, fosse embora - ou até que ela aprendesse a falar e eu, a escutá-la.

Não me importaria com os sons dos saltos dos sapatos batendo nas pedras, dos passos que sobem ou descem a rua.  Tanto faz, subir ou descer - seriam apenas barulhos.

Talvez nem os ouvisse, porque estaria tão inerte quanto a pedra.  Como se tivesse retornado à pedreira-mãe - refletindo a luz fria da lua, sem nenhum entusiasmo.


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