segunda-feira, 20 de dezembro de 2021


1434

AS INQUIETUDES E O MICROVERSO




Elas nascem inofensivas, trazem 'um não sei que' de desconforto, um mal estar.  Saem das páginas do tempo de lá de trás, saltam para frente, meio zonzas em direção ao tempo presente e quando se instalam, nos causam uma aflição desproporcional ao seu tamanho e à consciência que trazem consigo - nossas pós_ocupações.

São pequenos anzóis quase invisíveis, que nos fisgam os olhos, as entranhas ou qualquer parte nevrálgica do nosso corpo, provocando uma dorzinha de dente insistente e difusa, uma falta de ar imaginária, um incômodo perceptível.  São as pedras lançadas ao centro de um lago, aparentemente tranquilo, denunciando que nem tudo está tão calmo.  À razão, tudo está bem; porém para o emocional, é como se arrastássemos uma ponta preocupante com algo pesado, que nem sabemos o que é, exatamente - com coisas incógnitas e perturbadoras. Nesses casos a identificação a ser feita, é motivo de corajosa busca.  

Às vezes, elas vêm com nome, endereço, idade e um respectivo 'qr code' com todas as demais informações necessárias, para serem reconhecidas, porque conhecidas, elas já são.

Têm aquelas que dão um salto inverso, em direção oposta aquelas que vêm do passado.  Vêm do futuro, vêm de um tempo ainda não decorrido, de uma divagação mental nossa ou de um desejo fervoroso, que só em nossas ideias, acalentamos e guardamos - nossas pré_ocupações.  Como se não fossem, as ocupações diárias, suficientes para o próprio dia!

Decididamente, vivemos em muitos tempos, ou melhor, eu vivo (!) ... e eles estão a se sobreporem o tempo todo - o passado visitando o presente, que por sua vez, bisbilhota o futuro e confere o próprio passado; o futuro que quer interferir no presente ou no passado ... sei lá ... é muita coisa acontecendo ou não acontecendo, de fato.  E eu, que sou só um, me divido entre os muitos tempos, os muitos sentimentos, os muitos pensamentos e as muitas pequenas realidades ... todas minhas!  Não me é possível estar em todas ao mesmo tempo, com a mesma integridade.  Vou deixando pedaços meus, aqui e ali, e quando os reencontro, vou recolhendo um a um. 


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

1433

VOZ


A voz pode calar.  Pode perceber, que perdeu a eloquência ou cansar-se, ainda pode optar pelo mutismo seletivo.  Uma voz, nascida forte, pode aos poucos, sentir-se cerceada e tornar-se com o tempo, praticamente desnecessária, ao final de tentativas infrutíferas na comunicação.  O sentimento e o pensamento não se calam nunca, um sobe e o outro desce, caminham até a boca, e lá ficam presos, entre os dentes e os lábios cerrados.  O que deveria ser a foz, torna-se cela e apatia.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

1432

SEMENTE




A frieza, de cima da mesa não era tua.  Era sumo da verdade crua, do sopro que já não existia, largado sobre a pedra fria.  O calor que em meu peito ardia, era fruto do exemplo inteiro e é flor, que revive no meu canteiro.  Como um espinho invisível, pode causar essa dor incostestável!?  Essa vida, que em mim, ainda vive, é certeza adquirida, de que sou literalmente,  apenas, uma semente tua!



terça-feira, 7 de dezembro de 2021

1431

SOLO LO QUE QUEDA




No se sabe en qué orden sucedieron esas cosas: arrancar las fotos, comerse la esperanza, espantar la alegría y quemar las flores de papel.  Después de todo eso, él quería continuar la historia, de la misma manera que antes. Después de apagar la luz y oscurecer la casa, él esperó la cama tibia, el café recién hecho, la atención, como si nada.

Allí se fue la claridade y la esperanza se desvaneció.  La cama se ha enfriado, el café se ha agriado.

Ya no hay razones para cantar y bailar ... ni amar ...  Solo queda: llorar y no esperar nada.


sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

 1430

NEM SABES




Que trago meus nervos sentidos; e que te vejo de longe, com meus olhos compridos.

Nem sonhas, que já nem és mais, um ser de verdade; és uma subjetividade minha!

Quisera que fosses meu pássarro não cativo, e que tivesses um motivo, de viver no meu jardim.


arte christian schloe

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

1429

ALGUMAS E CERTAS




Algumas ideias e certas necessidades, nos levam a dar uma volta ao mundo, através dos nossos pensamentos, gastamos fosfato para arranjar um jeito de realizá-las ou suprí-las; mas é a dor que nos traz de volta ao presente, ao ponto essencial, ao que realmente é, e o que importa.  Somos obrigados a repensar sobre as prioridades e sobre a classificação de urgência que damos a elas.  É nessa hora que nos lembramos da célebre frase - "éramos felizes e não sabíamos".  Quando a adversidade vem e passa uma rasteira nos nossos planos para o futuro, eles estouram como bolhas de sabão em pleno ar.  Nossa mente nos dá as asas, com que tanto sonhamos e o nosso corpo as arranca.

Essa retomada de consciência forçada, faz parecer que tanto as 'algumas ideias' quanto as 'certas necessidades', são muitas, são incertas e dispensáveis.  O nosso apego e a vontade anteriores, tornam-se ridículos, em face da nova situação, que nos põe cara a cara com a real importância do momento. Lá se vão as asas e nos resta na boca, o gosto metálico do medicamento ministrado. Vemos a nossa humanidade sendo exposta, na mesa de cirurgia da realidade, deixando bem claro que somos feitos de carne e ossos bem doloridos, muito antes de sermos seres pensantes, sobre nossas conjecturas a respeito de filosofia ou qualquer outro assunto.  Enquanto nos vemos presos à terra e às necessidades básicas de bem estar,  tudo o mais, que nos era tão importante, esvazia-se.  

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

1428

O FIM, O MEIO E O COMEÇO




Pode parecer que deixara de sentir, mas comportamento não serve de base.  Ainda sente, e sente muito, apenas guarda só para si.

A morte não se deixa matar, ela arrebata muito antes de qualquer reação contrária.  A fome não se deixa calar, porque ela tem voz e grita, rosna e resmunga.  O sentimento também não se deixa conter, uma vez nascido, ele simplesmente fica e sente; às vezes ressentido, às vezes conformado.  Quando não há como arrebatar ou gritar, fugir ou se alimentar, sumir ou se dilatar; ele permanece quietinho - a sentir, na surdina.  

terça-feira, 23 de novembro de 2021

1427

AS COISAS E O MEU TEMPO






Que eu não venha negar, tudo aquilo que fugir ao meu entendimento.  Que eu saiba conceber a existência de coisas, que não caberão dentro da minha acanhada compreensão.  Que será preciso, reservar um espaço em mim, para tudo o que ainda não assimilo - um território neutro, sem julgamento e condenação - aguardando um posterior esclarecimento ou aprendizado, para poder ser reconhecido e codificado, pela minha tão gritante razão.  Creio que esse 'espaço neutro', seja a minha tentativa débil de entender com o coração, as coisas que o meu cabeção é incapaz de processar.  Pois uma coisa eu sei: saber é bem diferente de sentir, e eu constumo levar 'pra casa' - isto é, para pensar, uma ideia que eu por ventura, não consiga interpretar dentro do meu atual contexto de vida.

Embora sendo eu, um tolo, ainda assim, possa ter a sabedoria, de aguardar o desenvolvimento da minha 'capacidade de captação', para formar uma opinião pessoal a respeito das 'coisas'.  Rechaçar ideias, só porque não se encaixam dentro do meu conteúdo, é sinal de medo e covardia.  Medo, até admito que tenho, mas covarde não quero ser.


1426

PERO NO MUCHO




O 'corpitcho', 'pero no mucho', é um cinquentão ... e por cinquentão, eu quero dizer ... cinquenta e uns anos ou cinquenta mais dez ou cinquenta mais vinte.  A mente, ela ainda é criança, e com TDHA, dentro de um espaço fechado, sem poder pular e vibrar, o que faz da sua necessidade de estar em atividade, uma irritação permanente.

Ah! ... essa criança! ... que me faz cansar o velho corpo, pois este 'esqueleto' já sente a passagem do tempo; coisa que a criança, ainda não sentiu e espero mesmo, que nunca sinta.

Frequentemente, digo a esta criança: "calma aí - minha querida - um pouco menos, um pouco mais devagar, senão não aguento!".




segunda-feira, 15 de novembro de 2021

1425

'PAIXÃO', POR NASCIMENTO





Veio a paixão, e por medo de ser rejeitada ou talvez, por medo de ser correspondida, permaneceu calada.  Respondeu o tempo, à pergunta que não queria calar: "não correspondida"(!) 

A paixão então, sem argumentos para se manter 'apaixonada', teve que lidar com a sua frustração e de dar um jeito naquela 'coisa', que a alegrava, mas também fazia doer - reconheceu que estava mais para uma 'doencinha', do que para algo que lhe desse conforto.  Acabou por perceber, que nutria um secreto apego, em relação a algo que não lhe fazia bem - algo que era doce, mas ao mesmo tempo, corria-lhe as entranhas.  Ela imediatamente, passou a associar o que sentia, ao cheiro do ácido, que é doce, coça a garganta, mas corrói os pulmões.

Uma vez, admitido que não era uma coisa saudável de se alimentar, porque além de machucar, não tinha futuro - precisava tomar uma atitude e o mínimo que podia fazer, era reestruturar aquela 'coisa' que sentia ... se é que isso era possível!

Não se sabe bem ao certo quem a transformou, se foi o tempo, enquanto deixava bem claro, que seu afeto não era retribuído.  A sequência dos acontecimentos, convenceu a razão, do que era melhor para todos e de uma certa forma, convenceu também a própria paixão, que passou a ser menos exigente e a não mais esperar a retribuição.  Aos poucos foi se remodelando, amadurecendo, mas deixar de sentir, ela nunca deixou!  Têm dias, em que ela nem se lembra que sente(!), mas às vezes, ainda coça-lhe a garganta e seus bracinhos querem abraçar novamente, o seu velho afeto.  

Diante de toda essa metamorfose, ela passou a ser um pouco mais incondicional, quase não se reconhece mais como antes e mudou de nome - nascida 'paixão', atende agora pelo nome de 'bem-querer'.





sábado, 13 de novembro de 2021

 1424

O MAR DÁ O SEU JEITO



A menor distância entre dois continentes, ainda é, aquela percorrida sobre as águas, do mesmo oceano que os banha a costa.  Ao contrário do que se pensa e diz - que as águas salgadas, os separam ... na verdade elas os unem.

As lágrimas derramadas aqui, correm para o mar.  As garrafas com mensagens ou as flores jogadas; os desejos secretos suspirados à beira da praia ... será que tudo se acaba no mar?  Não, não se acaba!  Ele arranja sempre um jeito de dar o seu recado.

As lágrimas deste lado, se juntam às outras, vertidas por lá.  As garrafas arremessadas, acabam por aportar nas praias do continente longínquo.  As flores ofertadas por cá, descem ao fundo e alimentam a vida, que chega ao lado de lá.

Os suspiros, como pequenas ou grandes caixas resistentes de texto, atravessam intactos pelas tempestades e demais perigos e atingem o seu destino, num tempo muito menor do que as garrafas e até as próprias lágrimas - porque não há barreiras para os sentimentos verdadeiros.

A menor distância, ainda é o mar; porque se caso, não houvessem as águas ... certamente, percorrer o espaço real, seria intransponível, pois veria-se à frente um fosso tão profundo e grande, de rocha contínua; que tornaria muito mais difícil e demorada a travessia.  Seria preciso iniciar a descida ao fundo - ora vazio - antes de começar a subir em direção ao outro lado.



segunda-feira, 8 de novembro de 2021

1423

 A SOMA DE TODAS AS FORÇAS




A força do coração - é ela que nos leva adiante, quando a do corpo falha ou se esgota.  Quando é preciso seguir em frente e as pernas nos faltam, não respondendo ao nosso comando, nos dando a sensação de fracasso.  Quando a coragem nos abandona, mas é imperioso continuarmos de pé - é a reserva escondida nos recônditos do coração, que nos move em direção ao objetivo.

É ela que assume o controle, nos abastece os músculos e fortalece a determinação.  A vitalidade nos leva até onde ela consegue, mas é um outro tipo de força, que nos faz chegar mais longe.

 

1422

NO CÉU DA BOCA 




Quando a noite abraçou o dia, aproveitou-se desse momento de intimidade entre os dois.  Na entrega/permissão - um tanto descuidada do dia - a noite pôs sua lingua fria, a dançar pela boca iluminada, desbravando as entranhas quentes e prazerosas, que encontrou.

Por sua vez, o dia correspondeu às intenções da noite. Então, a lingua prateada mais a lingua dourada, bailaram livres, num céu sem gravidade e impedimentos.

A prata e o ouro se amalgamararm, dando origem à vigorosa luminescência - que os olhos, incapazes de suportarem - se fecharam.  Só bem mais tarde, apareceram as estrelas.





quinta-feira, 4 de novembro de 2021

1421

PARADOXO




"Serviço feito não dá canseira."  Não sei quantas vezes ouvi essa frase, dita afirmativamente, uma das muitas que minha avó falava.  Como já disse, era mulher muito sábia, tinha inúmeras tiradas parecidas com essa, que deixavam bem claro o que precisava ser dito, enquanto procurava nos ensinar, de uma maneira didática, as lições, nem sem fáceis de serem entendidas.

Apesar de, às vezes, usar termos simples, sempre nos passava a sua mensagem, com toda a inteligência e transparência que lhe eram próprias.  Acho que ela tentava fazer de nós, pessoas de bem e ensinar por atalhos, através de algumas falas, que não sei se eram 100 % suas, mas tinham um efeito certo.

Hoje, me veio à mente essa - do serviço feito sem dar canseira.  Justamente hoje, um dia após eu ter trabalhado tanto!  Devo ser sincera, estou bem cansada e como ela diria: "a canseira é grande".

É inevitável, eu modificar a entonação dessa frase, sem querer contestar o que ela - minha avó - queria dizer.  Hoje, eu peço licença à ela e me permito, suspender o 'ponto final', para acrescentar em seu
lugar um 'ponto de interrogação'.

Acredito, que o que ela nos falava, na sua simplicidade, é que um serviço feito não nos pesa mais na consciência.  Ela, que fazia tanta coisa ao mesmo tempo, não me lembro de ter se queixado de cansaço ou canseira - ah! ... isso eu preciso deixar claro.

Se me perguntarem hoje, se estou cansada, eu direi que sim - pesa-me o corpo, mas a consciência está levinha, levinha!   Hoje, eu entendi, o que ela tentou nos dizer.  Podia ser um paradoxo (coisa que ela nunca soube o que era), mas de fato, estava valorizando muito mais a responsabilidade que temos, do que o nosso bem estar.  O cansaço ou canseira passam, mas a nossa omissão, em face de uma obrigação não cumprida, pode ser muito mais pesada, do que o corpo sobre a cama, depois do trabalho árduo.



terça-feira, 2 de novembro de 2021

1420

TU



Me besas la cara con la ternura de amigo.  Hablas cerca de mi oído con el coraje de compañero.  Me tomas de la mano con la firmeza del apoyo y la sencillez del gesto.

No entiendes nada de lo que te dice mi corazón.  Porque cuando me tomas de la mano, no quiero que te sueltes. Cuando estás cerca de mis oídos, es a mi corazón a quien hablas.  Y mientras te acercas a mi cara, es mi boca la que espera tu beso.


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

 1419

QUE TIPO DE MEL?




Estava eu, deitado preguiçosamente, na minha rede 'imaginária'; quando, sobre a grade da minha janela, apareceu-me uma abelha - 'figurinha' tão rara nos dias de hoje.   Pousada na haste horizontal, veio arrancar-me do marasmo mental, que tomava conta do meu ser.

Eu, que preguiçoso estava, balançando-me 'imaginariamente', com a mente presa ao corpo pesado; fiquei a meditar sobre a vida das abelhas - uma vida tão ingrata e por quê não dizer - amarga!   A vida de quem tanto se dedica e não é respeitado, por não ter seu trabalho valorizado e reconhecido, como essencial para a manutenção do planeta.

Fiquei a pensar, sobre o produto mais conhecido que elas produzem - o mel.  Foi inevitável, que me viesse à mente, a importância da doação que elas nos oferecem - de todo o trabalho exaustivo, de sugarem o doce néctar, de flor em flor, para seu alimento e bezuntadas de pólem, promovem por tabela, a continuidade da vida vegetal e a de todos os animais, inclusive nós.

Por eu estar, no 'dolce far niente' - uma coisa puxando a outra ... acabei por divagar sobre os vários tipos de mel fabricados por elas.  E por associação de ideias, terminei concluindo, que o ser humano é uma espécie de 'abelha da terra'.  Calma!  Vou tentar explicar o meu raciocínio.

O nosso aprendizado em viver, pode nos levar à sabedoria - o que não deixa de ser um dos produtos mais preciosos, extraídos de nós - algo que poderia equiparar-se ao mel das abelhas - pois pode ser usado em nosso favor, como também, pode vir a favorecer uma outra pessoa.   Ainda na sequência, me pus a indagar, sobre qual tipo de 'mel' seria produzido por nós.  

Pela diversidade dos 'acontecimentos/flores' pelos quais nos aventuramos, eu deduzi, que só nos é possível, produzir o mel silvestre.    Na vida, não temos apenas flores de árvores frutíferas para visitar, nem de eucalipto ou menta; pela quantidade de situações que somos forçados a 'bicar' - só pode mesmo ser, o 'silvestre' - um misto fabricado através do néctar de todas as flores.

domingo, 31 de outubro de 2021

1418

DE TODAS AS FORMAS




É como a majestade da natureza se manifesta.  Na gota que cai sobre a superfície calma do lago, e forma uma coroa perfeita.  No arco luminoso e colorido, desenhado sobre as goticulas de chuva, quando a luz do sol as atravessa, em espetáculo visível.  Um por do sol, é apreciado com grande prazer; uma leve brisa, enquanto roça e acaricia a nossa pele, traz ao nosso olfato, um suave perfume, que tentamos reconhecer.  São dádivas incondicionais, dadas a nós, por misericórdia ou compaixão, quem sabe - por essas duas razões acumuladas.

À tempestade e à fúria dos ventos, todos se rendem - os animais, os homens, todos silenciam e se aquietam - até nisso há majestade!  As paisagens, tão diversificadas! ... sempre haverá uma, que ainda nunca vimos!  O que dizer dos sabores? ... são tantos, que talvez nem conheçamos todos!   

O riso despretencioso das crianças soa como um alívio às preocupações e como música, aos nossos ouvidos - porque é capaz de iluminar algum recanto escuro dentro de nós.  Um pedacinho de felicidade recebido, quando dois bracinhos sinceros nos envolvem o pescoço, pode remendar um buraco que trazemos desde sempre.

A entrega dos vegetais que nos alimentam, a devoção dos animais que nos acompanham; cada espécie, cada reino da criação obedece à sua partitura, na sinfonia executada por todos nós.

Quando tudo parece perdido, um caminho se delineia tímido, em meio às sombras, apontando a direção.  Com o tempo, é possível perceber, que haviam outros que se destacam à nossa frente ... e que de fato, nunca estivemos sós, sempre houve pelo menos um par de mãos amigas, engrossando nossa coragem, reiterando a nossa força. 

As sensações ... nos surpreenderão e a renovação nos atingirá, enquanto tivermos vida e consciência.  As noites, nos darão tempo para o descanso e a reflexão.  Todos os dias, a manhã nos presenteará como novas oportunidades.  O ar estará disponível aos pulmões, a vida proverá o necessário - à manutenção do nosso corpo, à lapidação do nosso espírito.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

1417

NESSE QUESITO




A boca grande diz: "uma imagem vale mais que mil palavras." *  

Essa frase defende a importâancia dos ideogramas - formas de comunicação simbólicas - representativas das ideias, que têm a capacidade de expressarem conceitos completos e complexos.  Pois a narração dos fatos pode deixar alguma lacuna, mas um recurso visual bem aplicado, explica melhor e transmite uma comunicação direta.


É inegável, que uma imagem bem colocada, sintetiza o poder da comunicação através da visão, mas aqui, eu quero discordar um pouco, a respeito dessa 'unanimidade'.  Eu escolho ficar com os possíveis ruídos de uma comunicação verbal, do que me render à condensação de um assunto, merecedor de ser esmiuçado e com necessidade de ser compreendido.

Como amante das palavras, eu não poderia me colocar de maneira difierente.  Não é preciso das mil, para expressar uma ideia; se elas forem acertivas, talvez não sejam necessárias muitas.  O certo, é que nunca abrirei mão delas, ainda que me falte a voz, porque eu não sei pensar só com imagens - eu penso com as palavras, mescladas de alguma imagem.  Não sei se são as palavras que me perseguem ou se, eu é quem não as largo - o fato é que, se um dia, realmente me faltar voz, aprenderei o sinal das mãos e as manterei fechadas - sem abrir sequer uma, para dispensar as palavras - as minhas favoritas.

Aqui, eu me permito chegar a um meio termo, pois não quero parecer intransigente, num mundo de rapidez e superficialidade.   Aqui vai a minha opinião: para certas coisas, as imagens me bastam; já para as coisas mais profundas ... eu preciso das palavras, para me ajudarem a entender do que se trata..

É inegável, que eu seja uma pessoa de 'palavras', pelo simples fato, de que sou capaz de escrever uma dissertação, a respeito de uma simples imagem que vejo.  Mais do que pipocarem na minha mente, elas pinicam a minha lingua, até que eu as fale ou escreva. Chego até a pensar, se não seria o caso, de eu usar um certo filtro, mas elas são mais rápidas do que eu.  É assim que eu funciono - e como já devem ter percebido, posso falar muito mais de mil ... é falando que eu 'me entendo' - é isso!  Nesse quesito, me considero categoria à parte, no gênero ao qual pertenço.


Essa frase é de Confúcio, filósofo chinês, cujo nome verdadeiro é  Ch'iu K'ung, conhecido como Mestre K'ung  (552 a 479 a.C.)

arte __ anne soline


domingo, 24 de outubro de 2021

1416

'AO PÉ' OU 'À CABEÇA'



É sempre verdade!  Tudo, enquanto escrevo, é verdade ... mesmo sendo criado pela minha imaginação ... dentro da minha cabeça, é sempre verdadeiro ... porque tem vida - a vida que eu dou.  Uma mentira pode virar verdade, embora eu não possa descartar a ideia, de que uma verdade, possa vir a se transformar em mentira.

Teço tramas, espirro cor e sentido no pano cru e imaculado.  As falas são eloquentes, tanto quanto o são os diálogos ou monólogos, verbalizados e sonoros.  Escrever é colorir telas em branco, com as mãos, com traços e tonalidades certos.  É também, esculpir a pedra bruta arrancada das entranhas da terra, extraindo dela as formas, soprando-lhe às narinas a vida incipiente, possibilitando sensibilidade e expressão à dureza fria original.

Às vezes, algumas coisas são verídicas e contadas ao pé da letra.  Às vezes, o que é 'verídico' sofre uma pequena alteração, para obter um certo efeito, porque quem conta sou eu ... e a minha vontade se sobrepõe à verdade.  Juntando ao conto, um ponto específico, a mais ou a menos, conto 'à cabeça da letra' (no caso, à minha cabeça) - exatamente ao contrário, do que é contar 'ao pé da letra'.

Da mesma forma que eu crio vida, através de cores e formas, cenas e falas, imagens e movimentos; estou a esculpir e lapidar, o material duro de que sou feito, recrio em mim um ser menos impefeito, a partir da matéria bruta recebida de nascença.


sábado, 23 de outubro de 2021

1415

O PESO DO FARDO



 

Quando é preciso, não tenho orgulho - eu bato tambor ou envio sinais de fumaça.  Eu grito, eu choro, eu peço, eu escrevo; porque a vida é demais de ousada e sempre surpreende com coisas antes não pensadas.  Ela esfria o tempo de uma hora para outra e nos pega de calças curtas, sem agasalho ou teto; quer comer, quando não há nada sobre a mesa; exige rapidez, quando o medo paralisa.  Nos momentos de crise, um pano escuro e frio parece cair sobre mim, privando-me temporariamente, da visão e coragem.

Nessas horas ela é pesada demais, para dar conta sozinha e no silêncio.  Não que o fardo que é meu, possa ser carregado por outro, isso não; porque está aí, algo individual e intransferível; mas o que pode ser partilhado é a minha incerteza, na maneira de como carrega-lo, com um pouco mais de leveza, entendimento e acerto.   Nisso, bons ouvidos e boas palavras podem me ajudar a achar o caminho e a força.  Às vezes, as boas palavras nem são necessárias, mas os ouvidos? ... ah! ... esses são imprescindíveis – eles me ouvem, e enquanto falo, escuto a mim mesma, e mesmo que não existam palavras a serem ditas, essa atenção me dá a chance de entender um pouco melhor o que se passa comigo – ganho tempo para colocar as ideias em ordem, oxigenar o cérebro e acalmar o coração.  O fardo permanecerá o mesmo, mas o seu peso estará um tantinho diminuido.


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

1414

À FLOR DOS OLHOS




Diante do mar, aprecio os batimentos cardíacos da mãe natureza.  Bate uma vez à noite e a maré sobe, bate outra na manhã e o mar recua.  Certamente, o coração da terra se encontra nas entranhas do mar, igualmente como acontece com seu ventre, bem guardados.  

Penso nas criaturas que povoam céus, terra e mares e o que posso crer, é que sou da espécie mais priviligiada da criação.  Talvez, pertencente a única, com consciência e percepção de sua beleza e grandeza; e até onde se sabe, a única capaz de modificar o objeto, através de um olhar.

As rochas nos dão seus minerais, tão necessários à nossa composição física, os vegetais nos alimentam e enfeitam nossas vidas, outros nos oferecem de bom grado, suas sombras frescas e prazerosas.  Sem contar os perfumes e sabores de suas flores e frutos. 

As borboletas, flores dançarinas, que povoam os ares e pairam sobre as flores da terra, presas ao chão, nos ensinam o milagre da renovação: que à medida que se aperfeiçoa o corpo, a cada transformação, aprimora-se o espírito.  Os demais insetos, à serviço da vida, como todos os outros seres, vão executando com maestria seus propósitos de vida: as abelhas, as aranhas, os tatus-bola que livram o solo dos metais pesados, as minhocas que o fertilizam - são as criaturinhas anônimas que sustentam a vida. 

Os animais domésticos são nossos protetores, que por amor chamam para si doenças que deveriam ser nossas, preenchem nosso vazio e nem se dão conta de que sugam a energia ruim, que permeia o ambiente.  Os animais detestados por nós, por mais asquerosos - como os roedores e os urubus, por exemplo - nos livram da sujeira que nós mesmos causamos, com nossa irresponsabilida de consumo frenético e pensamento descuidado; eles se encarregam da limpeza do nosso planeta.  Os pássaros, com graça e exuberância, personificam a verdadeira liberdade e alegria.

As baleias cantam e nos encantam, com os sons que emitem debaixo das águas, mantendo os oceanos, na frequência correta para a preservação e continuidade da vida, dentro e fora deles.  Os golfinhos por telepatia e por interação, nos ensinam que é possível mantermos a consciência de unidade, apesar da multidiversidade de espécies. Pela vibração sonora que emitem, conseguem acessar e acordar algo que ficou esquecido dentro do ser humano.  Todos os animais nos trazem de volta ao ponto, de que tudo está interligado, de que na criação, tudo tem sua utilidade - um grão de areia, uma semente, um micro organismo, têm mais em comum do que podemos supor.

Diante do mar, posso ouvir o som das árvores nas matas, como alvéolos do grande e vigoroso pulmão da mãe natureza, reciclando o gás que nos é nocivo, em precioso oxigênio.  Ouço também o barulho das minhas células, vibrantes em harmonia e perfeita multiplicação.

Outros seres, aos quais não conhecemos, também participam dessa obra magnífica, executando a mais linda sinfonia - a sinfonia da vida.  À frente de tanta majestade, é impossível que os meus olhos não vertam sinais de reconhecimento e gratidão, por poder fazer parte dessa orquestra de incontáveis músicos mais os seus respectivos e inumeráveis instrumentos.  A emoção à flor da pele, sobe aos olhos e derrama-se em lágrimas, tão salgadas quanto a água do mar.







domingo, 17 de outubro de 2021

1413

FURTA-COR




Traz à cabeça um chapéu branco, próprio para os dias de sol.  Uma faixa de renda, quase azulada, separa e coroa a junção, entre a grande aba transparente e o topo. Do lado esquerdo, espetado, vê-se o alfinete, que com uma pérola em sua ponta visível, consegue mantê-lo preso à cabeça, de maneira firme, atravessando-lhe os cabelos recolhidos debaixo dele.  Presume-se um penteado gracioso, na nuca pende um cacho mais teimoso e uma pequena mecha escapa-lhe à fronte, incomodando sua visão.  Não há como retirá-la, pois leva em uma das mãos, uma maleta dessas de tecido grosso e trama colorida; na outra carrega uma passagem de primeira classe. Seus delicados brincos, dois camaleões, duas pedras roliças, furtam as cores do ambiente, conforme a luz que se projeta sobre elas. Suas luvas são do mesmo tom de azul da faixa de renda do chapéu.    

Como sempre, vestira-se de azul, num tom mais escuro do que as luvas. São duas peças, uma saia e um tipo de casaquinho de mangas longas, do mesmo tecido, separados por um cinto bem discreto, apenas para marcar-lhe a cintura.  A gola engomada da camisa branca, sobe endurecida e esconde parte de seu pescoço, circundando-o e terminando em vê, no decote simples. O farfalhar da saia, atrapalha seus movimentos inquietos, mas nesse tempo, ninguém se dá conta disso, ninguém contesta o costume; pois calças são apenas para os homens e as mulheres aceitam essa limitação, com graça e resignação.

No ar, vapores de combustível fóssil, queimado pela locomotiva fumadora e faminta, que fungados para fora, através de narina enorme, formando uma nuvem constante e tornando bem desagradável, a atmosfera, já pesada de impaciência e expectativa.

A viagem será solitária, e é essa a razão de tanta atenção de sua parte, a partida será em breve, já  anunciada pelo primeiro apito do trem.

O destino é certo, porém a sua vontade não. Talvez devesse mesmo partir, novos caminhos a levariam a lugares diferentes e a diferentes experiências.   Sentia que partir era a forma mais fácil de escapar do que lhe parecia irresolvível.  De uma outra forma, sabia também, que sair de cena não lhe deixaria confortável, seria como se, no final das contas, lhe tivesse faltado coragem, para amarrar as pontas ainda soltas.  

Pousando a maleta no chão e antes que soasse o último apito; as mãos com luvas azuis rasgaram a passagem de primeira classe, de maneira bem determinada.  E seus olhos de cor indefinida, viram os pedaços de papel pardo se perderem ao vento.  Olhos que são azuis, quando olha para o céu ou em contato com as águas; verdes, quando está sob as árvores; adquirirem a cor do mel, ao fitarem o objeto de seu desejo; naquele momento eram cinzentos, porque se apossavam da cor do ambiente, em que ela se encontrava.


furta-cor - termo erroneamente conhecido como 'fruta-cor' - capacidade do objeto em assumir a cor do que está ao seu redor ou de como a luz se reflete sobre ele.

1412

SONHO E PÉ



A parte sonhadora construíu um castelo sobre solo não muito firme.  Alertada pela contraparte realista - a de 'pé no chão': "de que era um mau negócio, pois de tudo o que se contrói em terreno alheio, não seremos dono e nunca teremos a posse" ... a sonhadora resolveu arriscar.  Porque afinal ela queria petiscar e como 'quem não arrisca não petisca', ela seguiu em frente; além do mais, não era nenhuma ingênuazinha e sabia dos riscos que corria.  Pagou pra ver, e o preço pago foi justo e honesto.  O sentimento persiste.  Hoje, vive pelos cantos e dorme ao relento.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

 1411

SAL E LUZ




O que 'eu sou' espera por mim - que eu vá ao seu encontro, sem pressa.  Se existe alguém, que deva ter alguma urgência de chegar ao alto da montanha, sou eu!  Através da viagem mais longa e mais difícil de se fazer, aquela que se faz na direção do autoconhecimento, é quando reconhecemos as nossas limitações e descobrimos os nossos talentos.  Uma vez reconhecido o que nos limita, não há como deixar de fazer algo a respeito dos 'obstáculos', para nos capacitar em vencê-los ou minimizá-los.  Uma vez descobertos os nossos talentos, eles são candeias que se acendem, para iluminar o caminho.  E assim, me terei convertido no sal da terra e na luz do mundo.


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

 1410

ENTRE O PULSAR E O SENTIR



Um comportamento pode até enganar.  Uma 'certa palavra' pode não ser dita e em seu lugar - embora torture o desejo da vontade contrariada - caberá uma outra, a ser pronunciada.  O coração não se deixa comandar, é assim como uma criança - pura, sincera e transparente - que se achar que alguém é feio, não hesitará em dizê-lo; no entanto traz em si, uma capacidade inimaginável de amar, coisa que nenhum adulto é capaz de supor.

Trejeitos pensados, silêncios e palavras que disfarçam a real intenção, são possíveis e até aceitos como verdadeiros, porque muitas vezes convencem e agradam, pela forma como são colocados.  O coração não sabe fazer isso; eu diría que ele não chegou a esse estágio de esperteza ou especialização; e acho também que essa não seja uma falta de habilidade sua, mas a constatação de que ele não se dispõe a aprender, pois nunca foi de seu interesse - vir a falsear um sentimento genuíno.  Ele sabe que nasceu para ser infalível no seu 'pulsar' e autêntico e honesto no seu 'sentir - esse é o seu propósito.



terça-feira, 5 de outubro de 2021

1409

OUTROS HORIZONTES




Ela sonhava com o mar, sonhava em fazer parte dele.  Como pequena gota que era, junto com outras mais, suspensas, a dormirem, enquanto viajavam pelos continentes, por sobre eles, sempre obedecendo as correntes de vento.   Às vezes, não tinha vento e nem outras nuvens abaixo da sua; era durante esse tempo que ela ficava a pensar, no marasmo que deve ser, estar em mar calmo.  Sem dúvida, ela sentia esse marasmo apossar-se de si, mesmo tão acima dele, quando nenhuma rajada cortava os ares, nenhum pássaro se aventurava a ir tão alto.  Mas era seu sonho, de doce que era, queria estar dentro dele, sentindo ressecar-se com o sal que lá existe.   

Sabia muito bem, que a partir do instante em que caísse sobre o oceano e se de fato caísse, não seria mais doce e perderia sua identidade.  O sal e o anonimato fariam com que se fundisse, àquele volume colossal de águas; sabia também que debaixo do marasmo aparente da superfície, alcançaria muito mais vida, do que estando lá em cima, a depender dos ventos.  No mar há ventos também, era certo.  No mar há muitas outras criaturas, que desejosa de conhecer, mal se continha na expectativa de precipitar-se sobre ele, para poder sondar-lhe as regiões abissais, e mesmo que fosse sem consciência de si mesma, estaria a desvendar outros horizontes, diferentes daquele que ela estava cansada de ver.  Por isso, ela ficava sempre na pontinha da nuvem, na parte debaixo dela, esperando uma oportunidade de saltar, assim que fosse espremida pelas outras gotas ou empurrada por um vento mais frio.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

1408
SOBERANO



Apesar de tudo, ele é concreto e 'pra valer'.  A despeito de todas as vezes, em que a razão convenceu, com suas argumentações de inviabilidade - o sentimento, embora ouça e veja - teimou em se fazer de surdo e mudo a todas elas, debochando da lógica e contrariando as evidências. De resistência feroz; tal teimosia seria louvável, não fosse a extrema insanidade e o absurdo, com que se alimenta e se reinventa; de seguir, sabida e teimosamente, batendo na mesma tecla, insistindo com o inadequado e o irrealizável.  Nada disso o afetou, não o fez menos forte, nem o fez mais esperto; e brigando pelo seu direito de existir, fez suas próprias regras, forjou suas próprias bases de sustentação.  Sem dúvida, é um soberano sem reino, sem trono para assentar-se, segurando com as duas mãos, a coroa sobre sua cabeça.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

1407

BEM MAIS-QUE-PERFEITO

   


Porque quis beijar-te a alma, eu abracei teu coração. Quis beijar-te os olhos e por isso segui teu olhar.  Quis beijar-te os lábios, então beijei tua face.  Quisera sim, perder-me dentro da tua boca, ver-me no fundo do teu olhar e esquecer-me para sempre, no meio do teu peito.



sábado, 25 de setembro de 2021

1406

 NÃO SABEM TODOS!




Sou esguia e delicada, meus movimentos são leves, surpreendem por acompanharem a música, graciosamente, tal qual, fossem desenhar as notas musicais ou o voo de uma borboleta pelo ar.  Meu corpo, é como se não pesasse mais do que suas asas ou como a folha de papel, que contém todas as notas musicais da melodia.  Encanto com a minha face de cera e meu sorriso inerente e sereno, desenhado nela.  Às vezes, trago adornos na cabeça e um certo brilho nas minhas vestes, porém são as mínimas possíveis, tudo para que não deixem dúvidas, sobre a perfeição de cada um de meus passos.  Visto-me com transparência, como transparentes são, as asas da borboleta.  Meus trajes são sempre tão finos, que não me atreveria a vê-los molhados, pois temo que se desmanchem, e como a folha de papel exposta à agua - se dissolve, a minha nudez seria evidente.

Ah! ... não sabem todos, que semelhante ao palhaço, que traz um riso riscado no rosto; eu trago a leveza e perfeição de gestos impressos em minha figura.  O que não sabem todos, o que talvez nem suspeitem ... é que como o palhaço, que carrega a dor bem guardada e escondida; eu também supero o cansaço e pés feridos, sobre sapatilhas duras e belas.


sexta-feira, 24 de setembro de 2021


1405

NAS DOBRAS E VOZES





Nas dobras do tempo, se escondem as lembranças esquecíveis, e elas ficam por lá um período razoável.  As vozes do vento dizem aquilo que quero escutar.  Uma ou outra vez, falam também daquilo que não quero e mesmo que eu não goste, não há como tapar os ouvidos.  Em outra ou uma vez, as dobras se desdobram e mostram pequenos relances de memória - são pedaços acordados, retalhos que eu preciso juntar à trama, porque esta tem essa capacidade de se refazer, a cada novo desdobrar.

Tudo acontece aos poucos, de acordo e conforme minha capacidade de suportar e dar-lhe uma destinação útil.  Apesar de sentir a fome, o frio, o vazio; a cada nova revelação de imagens e palavras cantadas ou gritadas; vai fazendo mais sentido e vejo que se torna menos incompleto, o arquivo que arrasto comigo.

Os fragmentos de lembrança, que vêm à tona, mais o que me contam as linguas, formam o conto 'quase completo', no máximo de sua completude - aquela que posso esperar ter nesse momento e com a qual eu consigo lidar.  Digo quase completo porque, há muito ainda a ser desenterrado, muito a ser esclarecido e reconhecido, coisas ainda desconhecidas de mim mesma, que precisam vir à luz. 




domingo, 19 de setembro de 2021


1404

‘GOSTARES E QUERERES’  

 




Certos 'gostares' nos causam tremores.

Sem serem dessa vida, vêm de época perdida

são do entretempo, saltam da linha do tempo

em pequenos lampejos e acordam velhos ensejos.

 

Esses 'quereres', trazem em si, seus clamores,

temores - são 'amados-calados' ...  sublimados.

Sentimentos secretos, em quereres discretos

e num olhar de viés, contudo ...  dizem tudo!

Se nascem ou renascem, não se sabe!

 

Ao amarmos a alma, o encontro desalma!

Sem carne, tempo e lugar, nos fazem relegar

postergar, ao futuro, o frágil re_nascituro.

 

Se o terreno é grande, a espada não brande

... pois então, sempre haverá espaço aos dois:

aos quereres da carne, aos amores de cerne!



os gostares e os quereres (substantivos) - o mesmo que amores

desalma - retira a alma, o mesmo que desencontro