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DEIXANDO PRA TRÁS
16/02/17
Tomei o ônibus e me sentei de propósito, num dos bancos do 'bobo' - os quem ficam de costas pro motorista.
Tudo ia ficando pra trás, tudo o que eu deixava passar. Estava sem perceber, trabalhando o meu cérebro, vendo a face das coisas que não posso ver, indo de frente.
Percebi, o quanto posso enjoar nessa situação, enquanto me desoriento e meu corpo chacoalha com o balanço do ônibus, que transita pela via de asfalto todo irregular em remendos mal feitos.
Ruas e avenidas vão ficando pra trás, as de mão única, as de dois sentidos, os varais nas sacadas de casas antigas e mal cuidadas, em sublocação. Não gosto muito do que vejo, mas essa é a minha cidade.
O calor é abrasador, não há ar condicionado, apenas uma abertura no teto, as janelas não dão conta de ventilar, e quando ventilam, deixam entrar um ar mais quente ainda.
Lembro-me dos bondes, das poucas vezes em que viajei neles com minha avó. Íamos da Moóca até o bairro da Aclimação, visitar a prima Antônia, forçosamente tínhamos que passar pelo centro. Era uma viagem e tanto, mas compensava, o café da tarde da prima Antônia era sempre maravilhoso - sempre foi, com xícaras coloridas - eu me lembro, desde os tempos em que ela morava no Tatuapé e lá íamos fazer a nossa visita. Tive saudade do bonde, pelo menos não tinha janelas, era todo aberto. Tive saudades também da prima Antônia, mais parecida com minha vó do que suas próprias irmãs - na voz e na aparência, no temperamento. Ambas tiveram a mesma doença.
Vi os estacionamentos lotados, as calçadas apinhadas de gente trombando umas com as outras e o quanto nosso povo é miscigenado.
Até os cachorros evitam o sol e se deitam à sombra.
Vi manequins nus nas vitrines das lojas, sendo vestidos por seus vendedores. Vi a torre da mesquita. Vi pessoas almoçando, em mesas de bares abertos, perdidas em seus pensamentos, preocupadas talvez com o que teriam que fazer logo mais à tarde e é muito provável, que não fizessem.
Eu estava quase chegando ao meu destino, embora tivesse a sensação de já estar voltando, pela forma como via o que ficava pra trás. O movimento era de ida, mas assim de costas parecia que estava voltando, vendo um filme de trás pra frente ... eu acho.
Cheguei, desci e esqueci a sensação, depois de um café, tudo se aquieta. Até que eu voltasse a me lembrar do que se passou, pra poder escrever a respeito.
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