___________________________________________ PSICOLOGIA
Joanna Concejo |
O FASCÍNIO PELO PAPEL DE VÍTIMA
Por que razão é tao
difícil abandonar o papel de vítima e, com isso, o sofrimento? Existem diversas
abordagens para a sua explicação, todos os processos decorrem mais ou menos
inconscientemente, uma vez que os limites são permeáveis.
O sofrimento
tornou-se um sentimento a que a pessoa está acostumada e através do qual a sua
vida se organizou. Este hábito é tão rotineiro que ainda que a pessoa sofra,
ela pode sentir-se bem com ele. Para pôr fim ao sofrimento, exige-se uma
mudança de hábitos. Esta mudança pode conseguir-se através de decisões conscientes
ou ocorrências do destino
Para muitas pessoas
o sofrimento é a única possibilidade de se sentirem intensamente a si próprias:
“sofro, por tanto sinto-me, logo existo”. O sofrimento converte-se na
experiência mais intensa das suas vivências. Embora possa parecer
contraditório, este paradoxo observa-se com frequência. Muitas vezes os
pacientes queixam-se de uma sensação de vazio difícil de suportar depois de se
”terem despedido” do seu sofrimento.
O sofrimento
recompensa, como no clássico caso de quem se beneficia através da doença.
Enquanto se sofre, recebe-se mais amor, cuidado e dedicação. Através da doença,
por exemplo um enfarte do miocárdio, conseguir-se-á ser mais importante. Tudo
gira em torno desse acontecimento.
O sofrimento eleva
o sofredor a uma melhor posição. Porque ele sofre, sente-se numa melhor posição
relativamente aos seus semelhantes e daí surge a exigência, que é inconsciente
na maioria dos casos. Uma vez que essa exigência é inadequada, não chega a
conseguir cumprir-se, motivo pelo qual o papel de vítima e de sofredor se
reforçam. Expressões tais como “ninguém me compreende” ou “estão todos contra
mim” são convicções básicas dessas vítimas “crônicas”, que permanecem cativas
no círculo vicioso do sofrimento. Especialmente no cristianismo, o sofrimento
tem para os outros uma grande importância: o martírio é notoriamente uma boa
premissa para a santificação.
O sofrimento pode
ser reconhecido socialmente e condicionar o sentimento de pertença a um grupo.
A sociedade compadece-se superficialmente das “pobres mulheres abandonadas”,
enquanto aos “homens abandonados” não se lhes reconhece socialmente o direito
ao seu sofrimento. As “mulheres abandonadas” formam um grupo que se lamenta,
afirma e motiva reciprocamente. Quando a mulher abandona o seu papel de vítima,
deixa de pertencer a este grupo. Desta forma, e pese embora todos os aspectos
de significação, também os grupos de auto-ajuda correm riscos. Frequentemente,
a identidade do grupo ordena que somente se possa participar quando se sofre.
O sofrimento
caracteriza-se geralmente pela passividade, portanto, deixar a posição passiva
significa agir e passar do papel da vítima ao de sacrificador. Neste contexto
positivo, ser sacrificador significa assumir uma responsabilidade e “entrar em ação”. Pude observar que os sofredores sentem uma forte inibição para
colocar-se em ação, devido às implicações familiares procedentes de gerações
anteriores (homicídio, desapropriação, etc.). Nestes casos, os sintomas são o
fracasso e a falta de trabalho. Aferrar-se ao papel da vítima serve para “não
chegar a ser assim, como os pais e os avós”.
O sofrimento pode
ser mal interpretado e, dessa forma, restabelecer a própria inocência. Por medo
a reconhecer a autoria, a pessoa refugia-se no papel de vítima e volta a ser
aparentemente inocente. Como exemplo queria aqui mencionar o papel de muitas
pessoas durante o III Reich, que depois da guerra tornaram ao papel de vítimas
e “nunca tinham ali estado”. O papel de vítima aqui é quase um fenômeno de
massas e foi, durante muito tempo, socialmente aprovado. Esta “falta de
reconhecimento” da própria culpa provoca novamente o sofrimento das gerações
seguintes.
Frequentemente,
como compensação pela culpa “não reconhecida” dos sacrificadores em gerações
anteriores, os membros da família subsequentes sentem-se responsáveis
infundadamente. Estas implicações provocam uma persistência no papel de vítima.
Por lealdade com as vítimas dos sacrificadores, sentem-se traidores quando
abandonam esse papel. Assim que o amor pelo sacrificador ganhe espaço, poderá
deixar-se com ele os factos que lhe correspondem, resolvendo-se dessa forma a
compulsão para o sacrifício. Para os descendentes das vítimas vale a pena
frisar que também eles permanecem no papel de vítima “por lealdade com os seus
antepassados”. Os sintomas destes sofredores são similares, são formas graves
de doença e depressão.
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