O velho casarão resistiu bravamente, muito além do seu tempo.
Do alto da colina, em que fora plantado, sempre se avistou toda a redondeza: as
plantações abaixo, arredondadas, circundando a elevação, os pequenos riachos em
esses. Aos poucos, foram plantadas outras casas no mesmo solo fértil e os riachos sumiram das vistas.
De alicerces fortes, lá permaneceu, transformando-se em símbolo de resistência, como uma sentinela empunhando um estandarte gasto, em meio à desolação, que aquele lugar presenciou.
Esquecido de si mesmo e do seu pertencimento a um tempo, que já não cabe mais, na realidade imposta pelo progresso; tornou-se um estranho, mais estranho do que o próprio ninho, em que fora lançado.
Cercado por grandes áreas desapropriadas, prédios novos e outros reformados, ele é o único e último sobrevivente, ainda de pé.
Pelo reflexo nas vidraças de suas janelas, viu-se com impotência, um a um dos seus contemporâneos, e até a outros bem mais novos do que ele: tomarem sob os golpes da demolição, até virarem montes de escombros irreconhecíveis.
É preciso uma certa desconsideração, para arrancar suas telhas, desmantelar as paredes, sem se levar em conta, a memória ou respeito, pelos tempos áureos e as glórias ainda vívidas, em seus pavimentos e varandas.
Se ele fosse gente, saberia que seu fim é próximo, e certo é: que se recusaria viver nesses tempos inglórios. Estaria agora moribundo, esquálido e débil, em seu leito, com semblante lívido, à espera da hora apropriada, de restituir seu corpo à terra e entregar sua existência à memória dos homens.
Tombaria, aguarrado à sua espada e à honra de servir a um rei, que já não
necessita ser servido, porque já não existe mais reino.
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