DIAS DE 'ADAGIO' __ 748
Acordei em Veneza. Ainda é bem cedo. Não preciso
abrir a janela para saber, que o movimento no canal é intenso. Cada
gôndola traz uma lanterna para iluminar o caminho - dos caminhos bem
conhecidos. Será por pouco, logo vai clarear. Lentamente, o
dia vai iluminar as águas, os páteos, as pontes e as janelas de quem ainda dorme.
Quase me esqueci do cheiro de mofo, exalando das cortinas, paredes
e das pessoas. Abro as janelas, entram a umidade e o ar salgado, coisas que
quem visita a cidade sente, mas quem vive aqui, se acostumou.
Por acordar em Veneza, lembro-me, de que conheci Albinoni - como ficou conhecido no mundo da música, o ilustre. Fomos contemporâneos. Eu o chamava de Tomaso, mas ele preferia 'Giovanni', acho que gostava de ser anônimo; e ainda me dizia, que os sentimentos não são de ninguém, nós é quem pertencemos a eles.
Sinto que emprestei-lhe minha inspiração, quando ele, ao compor 'Adagio' - sabia da minha dor, era capaz de me entender e de entendê-la - porque já a sentira também. Ele a transformou em pequenos desenhos, dispostos no papel, por isso que sei a partitura completa, dentro da minha cabeça, embora não entenda de música - eu apenas sei senti-la.
A angústia lenta, dá passagem às gondolas, ao próprio tempo, que parece passar diferente por aqui, só o
nível do mar nos avisa, que passou sim.
Quando acordo em Veneza, o meu peito, mais parece, a caixa oca
do violoncelo, vibrando como ele vibra, a cada uma das notas
tristes, em movimentos lentos, os mesmos do tempo e das águas.
Sou capaz de me lembrar de cada acorde feito e a qual momento
da história se refere - todos escritos por ele - Giovanni - não por mim, que
não escreve música, só aprecia.
Têm dias mesmo, em que 'Adagio', parece ser a trilha
sonora perfeita para eles. É nesses dias, que eu acordo em Veneza e escolho 'Adagio', para fundo musical, porque nenhuma outra obra cai tão bem.
__ 'Adagio' de Tomaso Giovanni Albinone
__ por Hauser
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