46 __ RETORNO __ 22/08/15
Renascemos do pó, que restituiremos um dia à terra,
quando nosso espírito retornar à casa.
"Somos poeira das estrelas", dos sóis e
cometas, que não existem mais. Uma explicação romântica do nosso
surgimento. Ao menos sabemos da gênese de uma parte da nossa aparição!
Somos corpo e espírito, mais espírito que corpo.
Mais que a metade e ninguém fala sobre isso... Qual deles
é capaz de manter sua identidade depois da separação? A carne perece e o
espírito permanece. A carne provém da carne, mas de onde vem o
espírito? Ele sopra aonde quer...
Aninhados nas entranhas de uma espécie de
"terra", recebemos todos os elementos de que necessitamos para forjar
nosso molde, que deverá conter, dentro e ao redor, a vida que nos
anima. A "existência" é muito mais antiga, bem
anterior à nossa posse da consciência. É serva fiel a serviço da
vida. "Somos feitos de silêncio e sons". Sentimos, bem
antes de aprender a pensar, mas ainda somos um emaranhado de frases desconexas,
de reações químicas, processos estranhos, que não fazem o menor sentido, que só
passará a significar algo quando viermos à luz. E toda uma vida
pode não ser suficiente para avaliarmos o seu propósito!
Nesse laboratório "in carne", as
matérias primas são manipuladas. Experimentos de Deus, que a cada vez se
aperfeiçoam mais. A mãe natureza nos provê de tudo quanto precisamos para
nos tornarmos "viventes" nesse mundo. Ossos, músculos, nervos,
órgãos se formam através de fórmulas secretas, guardadas num cofre que não
podemos abrir, e mesmo que pudéssemos, o que faríamos com elas?
A medida que nos desenvolvemos, esse laboratório
fica pequeno e desnecessário. Não é por vontade própria que saímos dele e
nos damos à luz... É por puro desconforto, somos praticamente expulsos!
A primeira vez que nossos pulmões fazem o que lhes é
próprio fazerem, sentimos o ar rasgando os tecidos. Dizem que isso dói,
e então choramos. Outros choram conosco, mesmo que por outros
motivos!
Apresentam-se a nós o frio, a claridade, a
fome... Forçados a usar nossos sentidos e órgãos, vivemos a partir de
agora por nossa conta e risco. Ainda assim, tudo nos é suprido
pela mãe natureza: aconchego, penumbra, alimento. Conhecemos
as cólicas, a sensação de desamparo, fora do laboratório de paredes grudadas a
nós, temos medo de cair. Acolhidos com o que há de melhor,
embora nos sintamos perdidos nesse grande vazio que nos recebe, alguém nos
envolve e simula as paredes que nos circundavam. Ouvimos então os sons
sem filtro algum.
Nossas células recebem todos os recursos para se
desenvolverem. Aprendemos a usar nossas mãos, a caminhar, a interagir, a
usar nosso coração para fins diversos daquele de bombear a vida.
Crescemos, e em algum momento de nosso
amadurecimento físico, descobrimos em nós a capacidade de gerar outra
vida. Só então, é que avaliamos o que é estar do outro lado da vidraça!
Passamos da maturidade à lenta decrepitude física,
contando sempre com a generosidade incondicional da natureza. O
intercâmbio, sempre muito desigual, nós mais recebedores do
que doadores.
Quando convidados a restituir à terra tudo quanto
recebemos, não porque queremos, mas porque nosso espírito quer voar; somos
forçados a devolver o que recebemos. Justamente, quando já não nos serve mais. Devolvemos, em
uma doação "post mortem", o que nos restou, do uso que demos,
do que recebemos. Depois de toda "pilhagem" em vida,
nosso corpo vai descansar. Perdeu a utilidade.
A natureza, que é mãe, quando um de seus filhos
morre, faz nascer uma flor, sobre o corpo inerte de volta às suas entranhas, em
sinal de seu desprendimento. Uma homenagem ao seu filho que jaz!
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