segunda-feira, 18 de janeiro de 2016



“Perguntaram-me se acredito em Deus”, por Rubem Alves





Acabo de publicar um livrinho com o título Perguntaram-me se acredito em Deus… Ele nasceu de uma pergunta que me fez uma senhora, ao final de um debate sobre educação. Essa foi a pergunta que ela me fez: “O senhor acredita em Deus?”
Houve tempo em que era mais fácil acreditar em Deus. Hoje está mais difícil. Até o Papa, na sua visita ao campo de concentração de Treblinka, fez a pergunta que não deveria ter feito: “Onde estava Deus quando esse horror aconteceu?”
Se for levada a sério a pergunta do Papa é uma heresia. Deus não podia estar lá porque, se estivesse, ele não teria deixado aquele horror acontecer. Pois Deus não é amor? E todo poderoso? Se estava lá e deixou acontecer ou não é amor ou não é todo poderoso. Se ele não estava lá então ele não é onipresente. Até o representante de Deus na Terra ficou perturbado com a indiferença do seu Chefe.
Depois do atentado terrorista ao World Trade Center o New York Times publicou um artigo com essa mesma pergunta: Onde estava Deus? Estava lá? Se estava lá, por que deixou acontecer? Fiquei com vontade de escrever um artigo dando uma resposta à pergunta americana: “Deus estava no mesmo lugar onde estava quando a bomba atômica foi lançada sobre Hiroshima…”
Dietrich Bonhoffer, pastor protestante que foi enforcado por haver participado de um frustrado atentado para assassinar Hitler – ( Às vezes não há como fugir: ou matar um único, para que muitos não sejam mortos, ou, para preservar a pureza pessoal, não matar esse único e deixar que milhares sejam mortos; por vezes a inocência é mais criminosa que o crime… ) – lutou com essa pergunta: “Onde está Deus?” Sua resposta foi simples: “Ele está aqui mas não é todo poderoso; Deus é fraco…”
Se Deus existe e é forte, como perdoá-lo por permitir que acontecesse o que não deveria ter acontecido? Mas se Deus é fraco ou não existe, então é possível perdoá-lo e amá-lo. Aí choraríamos e diríamos: “Se Deus existisse ou fosse forte isso não teria acontecido…”
Mas eu não disse nada disso para a senhora. Apenas perguntei de volta, pedindo um esclarecimento: “Qual? Há tantos deuses… Os homens ferozes e vingativos imaginam um Deus feroz e vingativo que mantém, para sua própria alegria, uma câmara de torturas chamada Inferno onde se vinga dos seus desafetos por toda a eternidade. Há o Deus jardineiro que criou um Paraiso e mora nas árvores e nas correntes cristalinas. Há o Deus com alma de banqueiro que contabiliza débitos e créditos… Há o Deus da Cecília Meireles que se confunde com as águas do mar azul… Há o Deus erótico que inspira poemas de amor carnal… E há também o Deus criança de Alberto Caeiro e Mário Quintana. Qual deles?”
Ela ficou em silêncio, meio perdida. Acho que ela nunca havia pensado no que lhe disse. Então lhe respondi com os versos do Chico:
“Saudade é o revés do parto. É arrumar o quarto para o filho que já morreu”.
E perguntei: Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que chegará amanhã ou a que arruma o quarto para o filho que nunca chegará?” E acrescentei: “Sou um construtor de altares à beira de um abismo. Construo meus alteres com poesia e beleza. Os fogos que acendo nos meus altares iluminam o meu rosto e aquecem o meu corpo. Mas o abismo continua escuro e silencioso…”

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