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NEM TEMPO, NEM CHANCE
Apesar dele não ser um cineasta, na sua cabeça, 'rola' uma sequência de cenas, que ele sabe, resultariam num efeito magnífico e convincente.
Tem o enredo, tem a trilha sonora e faria coincidir - cada cena, com a fase certa da melodia - fazendo com que, fosse impossível, o espectador não entrar na emoção e identificar-se com pelo menos, um dos personagens ... afinal é isso que o cinema faz ... explorar nossas fraquezas e tendências, para nos levar aonde quer.
Seriam apenas algumas tomadas, poucas para demonstrar o acontecimento, outras, para um suposto final alternativo. Seria tão perfeito, que o espectador, ficaria em dúvida, sobre o rumo que os fatos tomam e permaneceria inseguro quanto ao que vê - até um determinado ponto, meticulosamente pensado.
Tudo começaria assim: um homem se despede, da mulher que ele ama em segredo, como dois amigos se despedem, pois ela tem outra pessoa. À porta da casa, eles se abraçam, ele se afasta, para seguir seu caminho. Nesses instantes, a música é calma e de conformidade com a sensação de impotência e abandono, sentida por ele, ao retornar à sua vida solitária.
Parece, que o filme vai terminar, dessa forma - triste e resignada. Mas, acompanhando o desenrolar da canção, que se alterna e muda completamente seus acordes - se torna rápida e determinante, decidida a levar o espectador a uma outra versão, com um final diferente; automaticamente - se sobrepõe à cena da despedida amigável, uma outra cena, com outro desenrolar, com outra postura da parte dele ...
O protagonista bate à porta da casa dela e sem esperar, quando esta se abre, por ela adentra e retém de maneira suave, mas arrojada, o rosto da amada, entre suas duas mãos, trazendo-a para junto de si e começa a beijá-la nos olhos, na ponta do nariz, na face, mais próximo à boca, até que finalmente, lhe dá um beijo ardente, guardado há muito, não lhe dando tempo, nem chance de resistir, ficando bem claro as intenções, que ele tem em relação a ela. Se passa, a partir daí, o 'seu' tão esperado e sonhado encontro, com os todos pormenores imaginários de sua criatividade, que perduram pelo mesmo tempo da música instigante e que lhe dá coragem. Fora arquitetado por ele e se concretiza, em detalhes minuciosos de carinho e desejo.
Mas a música volta a se alternar, diminui para sons mais calmos e resignados e então a cena mostrada, é uma continuidade da despedida pelo abraço de amigos. Sobreposta, assim, da mesma maneira, abrupta, deixa claro, que o insuspeito desgosto é verdadeiro. Esse é o ponto crucial da estória, onde fica bem nítido, que não há um final alternativo, e que a música que novamente volta a ser frenética, condiz agora, com a sua tristeza e desesperança, por não ter a coragem ou a loucura suficiente, de ousar fazê-la diferente. Que tudo se passa dentro de sua cabeça - nasce e morre - a cada alternância da música, a cada cena que roda na sua mente, o que o faz renascer e morrer, continuamente.
Ele revive - a cena da mulher fechando a porta da casa, a si mesmo retornando pelo caminho silencioso, de volta à sua vida de fingidor, ainda sentindo o sabor do beijo, a impressão do corpo que teve junto ao seu, o perfume que ela usa. Sente-se o típico mentiroso, por ter que esconder o que sente, por tantas vezes desviar seu olhar, com medo de se trair, por ter que refrear o seu desejo, por ser obrigado a dissimular sobre algo tão legítimo. Mente, mente bem, que convence aos outros, cria um efeito incontestável, mas não consegue convencer-se a si mesmo.
07/02/21
Trilha sonora: 'True sorry' __ Ibrahim Maalouf
https://www.youtube.com/watch?v=HXzv7P7qGdM
arte | agnes cecile