sábado, 26 de janeiro de 2019

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SAUDADE __ 26/01/19




greg spalenka



Hoje amanheci saudosa.  Ao olhar um grande relógio, de bordas vermelhas e mostrador branco, eu me lembrei do meu primeiro relógio, não um de verdade, mas o de mentira - verdadeiramente o meu primeiro.

Não me lembro com que idade, a escola nos ensinava a ver as horas.  Para isso era preciso que cada aluno levasse um relógio feito de material articulado, amador, com mostrador que contivesse números e ponteiros, que se movessem através dele, circundando-o, em várias horas possíveis.

Ele era todo de madeira, um disco um tanto grosso, bem liso, devidamente forrado com algum material branco, onde de um a doze, apareciam dispostos bem cuidadosamente, colocados em suas bordas.  Do meio, saiam os dois ponteiros, um maior, outro menor, sobrepostos, presos por alguma espécie de parafuso ou um grande alfinete, que os fazia rodar pelo mostrador, com perfeição, movimentando-se um pequeno pino, que ficava na parte traseira do disco de madeira.

Um relógio manual, onde se podia voltar no tempo, ou avançar por ele.  

Tinha uma base de papel camurça verde-musgo, muito bem forrada.  Era uma gracinha!

O primeiro relógio de verdade, eu ganhei de meu avô, mas o de mentira, foi meu tio que o confeccionou pra mim.

A saudade não é do relógio, é daquele tempo, daquele tio, que não era de sangue, mas que foi escolhido pra tanto, por nós três, eu e meus dois irmãos, como sendo 'o cara', 'o tio', 'o mentor', 'o exemplo' de ser humano, de pessoa carinhosa, capaz de amar como sobrinhos, crianças que não tinham seu sangue.  Nós somos o que somos, por sua causa!

A saudade foi tanta, não sei o que me deu, nem percebi, mas comecei a sentir que escorriam lágrimas pelo meu rosto, sem que eu fizesse nenhuma contração nos olhos, eram espontâneas, um tanto gostosas, um tanto tristes.

Eu me lembrei do tempo em que esteve conosco, que nos mostrou caminhos, na sua simplicidade muito esperta da vida, explicou coisas que ninguém teve coragem ou tempo pra nos explicar.

Foi ele quem me ensinou a diferença entre um boi e um touro, de uma forma muito simples e natural.  Ele mesmo, que quando eu tive uma terrível dor de dente, numa 'panela' que eu tinha aberta e exposta na boca, arranjou um pouco de fumo pra que eu colocasse nela, e diminuísse a dor.  Foi ele quem fez uma caixa de madeira compensada, com várias divisórias, pra que guardasse minha coleção de pedras. 

Nos levava passear, nos ensinava coisas, uma enciclopédia ambulante, acessível às crianças que o rodeavam ... e o seu colo era pequeno, pra tantos que queriam nele se sentar.

A saudade é de tudo, do tio, do tempo, da criança que fui, da simplicidade da vida, dos cheiros, das viagens, dos 'programas de índio' que fazíamos, das peripécias, da confiança, do carinho, ah nem sei!

Nos deixou muito cedo, pra nós e pra todos que tivemos a felicidade de compartilhar a vida com ele, sentimos a sua falta.

O que eu posso dizer?  Obrigada tio!  Que o senhor esteja bem!  Que em nossos corações, o senhor sempre estará!  É isso!



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