sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

880


CALDO DO BAGAÇO __ 25/01/19



amanda cass


Não me ocorre nada, por ora.  Mas como eu digo, se eu espremer um pouco, apertar os olhos, aguçar os ouvidos, fungar fundo ou escarafunchar na oficina, quase vazia da minha ociosa letargia, certamente encontrarei algo digno de ser apresentado e analisado.  

Com tantos afazeres, os pensamentos se desprendem da caixa redonda, por isso, eu a sinto vazia.  Pronto! ... Achei! 

Tenho andado de mãos ocupadas e a cabeça sempre à frente delas, à frente até dos meus pés.

Pela necessidade de estar com as rédeas do racional bem esticadas - a cabeça faz o papel do burro que puxa a carroça, que por sua vez, já se encontra um tanto avariada.  Como é comum, após episódios de luta ou fuga, sentir uma certa apatia, de se perguntar: quem sou eu, onde estou, o que aconteceu? ... eu me dou o luxo, ou o direito de ficar confuso.

Mas quando acontece: de eu ter a minha cabeça alinhada com o coração - o que é um tanto raro - aí sim, é como se não fosse eu mesmo, sofro com a sensação de desalinhamento de todas as partes do corpo, numa pura impressão de desencaixe ou de perda de consciência.

Pensamento, sentimento e ação desencontrados.  Um marionete que não têm seus cordéis sincronizados, ou de tamanhos desproporcionais, que lhe causam movimentos torpes.  É isso, um boneco desengonçado, aparentando certa dificuldade de locomoção e raciocínio.  

Nada de errado com o boneco ou com as cordas, a pessoa oculta a manipular as cordinhas, é quem  está temporariamente incapacitada, de o fazer de uma maneira perfeita e que pareça natural.

O modo automático é uma conquista da humanidade, que prioriza necessidade e tempo, mas decididamente, é algo que desconecta nossos neurônios, a ponto de nos fazer parecer um corpo sem alma, ou uma alma penada, que perambula apressada, vagando adiante do respectivo corpo.

Viver horas adiante do horário real, preocupado com todos os compromissos a serem cumpridos, dentro do dia que parece cada vez menor, não é algo agradável.  Eu acabo ... o meu combustível  acaba, como se diz ... e o dia ainda continua.  É exigir demais de uma estrutura limitada, que não foi feita para tantas informações, feitos e  destinação.

A cabeça é mais ágil do que o resto?  Ou simplesmente, ela sofre de algum distúrbio de ansiedade?  Ela anda à frente, mas não padece só, arrasta com ela, um corpo que nem sabe se vive.

Verdadeiramente, não presencio todas as situações, porque a parte mais importante de mim, esteve ausente.  Isso provoca uma profunda percepção de descontentamento, porque vivi momentos em que, embora estivesse de corpo presente, a alma vagava - não estive pleno.

Será que faz sentido o que eu digo? 

Por ser algo que se espremeu, de um bagaço já espremido, até que saiu um caldo bem grosso e longo, não?!  


Nenhum comentário:

Postar um comentário