quinta-feira, 14 de novembro de 2024

 1680




'UNDER THE RADAR'

Um sentimento verdadeiro não tem prazo de validade, e se tivesse – certamente o desobedeceria.  Mesmo em condições desfavoráveis, mesmo que a espera seja longa ou que as razões o convençam à morte; ele permanecerá vivo.  A despeito de todas as contrariedades e impossibilidades incisivas, tão explícitas quanto cortantes, não arredará pé de ser sentido; resistirá até, ao ser preterido.  Talvez seja mais fiel a ele próprio (do que à pessoa amada), em suas convicções e desejos, e sem nenhuma gota de água ou luz, ele sobreviverá, ainda que na surdina e sob o anonimato.


‘under the radar’: na surdina

arte __  catrim welz-stein

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

 1679  




OLHO DE HÓRUS 

De véspera e há tempos, semeados nos campos, os frutos estão à espera!

Sob o sol, sob as luas e da química no crisol, se fez o ser de muitas substâncias, através das saias dos tempos.  O ardor nos templos, o temor das víboras, forjaram seu caráter.  Amuletos dependurados ou riscados pelo corpo e as alquimias mais remotas, estiveram presentes afugentando o perigo.

Dos sete faraós e seus paletós de ouro, às ralés de todos os impérios, nunca houve quem não colhesse do que plantou!


crisol - recipiente utilizado para experiências químicas em que se têm de misturar ou fundir substâncias, metais; cadinho.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

1678




GATOS, DORES, FARDOS E MAIS  

Quando os gatos são pardos, as dores são fundas,

as fantasias são fecundas, pesadelos, fardos.

Ainda que sob penumbra, os gatos deixam sombra,

as dores permanecem dores, ardores sobrepostos ao dia.

Onde a escuridão é intensa, o medo é constante,

a insônia é circunstante, e à angústia propensa!



arte __ christian schloe

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

 1677





POR DOIS MOTIVOS

Por favor, não se apressem em me definir pelo que sou!  Em primeiro lugar, hoje eu ‘estou’, amanhã ‘estarei’ diferente.  Em segundo, nem eu mesma me arriscaria em definir-me, no dia de hoje.  Tenho fé de estar um pouco menos indefinível, amanhã.  Meu estado de espírito já será outro, já serei uma outra pessoa, e tudo o que for dito hoje, precisará ser revisto.

Sou ainda, um ser a ‘se fazer’ e a ‘se refazer’ de retalhos, remendos, como todo mundo.  Tentando aproveitar os acertos, deixando os erros do lado do avesso, para que ninguém os veja.   Eu sei que estão lá, só eu sei da importância que eles têm, pois são eles que dão base à trama que surge e se expõe para ser apreciada.

Estamos todos a caminho, pisando com pés trôpegos, seguindo em direção do autoconhecimento, ao mesmo tempo, fazendo o reconhecimento do próprio caminho, e nos esforçando para darmos o melhor de nós.

sábado, 19 de outubro de 2024

92




UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO __ MALAS E ALÇAS

Qual a finalidade da alça numa mala?  Permitir que ela seja carregada.

É obvio, ‘mala sem alça’ existe sim, e isso não é só uma expressão que classifique uma pessoa difícil.  Estamos falando aqui, de pesos a serem carregados.  Pois bem, existem pesos possíveis de serem carregados por nós – são aqueles que nos dizem respeito. 

Quando nos referimos às malas sem alça, estamos falando daqueles pesos que não são nossos, tomados como nossos e que insistimos em carregar.  Por maior que seja a nossa força ou a determinação aplicada, não tem como tirá-los do lugar.  Nestes casos, além de desprovidos de alças, faltam também, as rodinhas.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

1676




FRUTOS AMARGOS 

Eram dias tórridos, sujeitos à inclemência do clima e às exigências materiais - flagelando o corpo, fustigando a mente ou vice-versa.  Sem dúvida, era de se ponderar, sobre o quanto somos responsáveis pelas condições tão alteradas. 

Tanto no desrespeito ao meio ambiente e uso dos recursos, como na desconsideração, do que é realmente importante para uma vida saudável - colhemos agora, o que foi semeado desde sempre, e o que ainda estamos a semear.



segunda-feira, 23 de setembro de 2024

 1675



 

O DIA DA FESTA 

Vês, como a vida passa com pressa?  Nem sempre foi assim.  Ela costumava arrastar-se vagarosa, pelas horas e dias.  Custava chegar o fim de semana, o feriado, as férias, o dia da festa!  A espera era no mínimo, desesperadora!

Os tempos são outros, e não têm nada a ver com idade ou expectativa; porque jovens e não tão jovens, constantemente, estão a se perder pelas horas dos dias, pelos dias da semana.  Um domingo encosta no outro, o fim de ano bate à porta e o temor de que não ‘tenhamos tempo’ é grande.  Afinal, o que passou, já se perdeu na nossa memória; e o que está por vir, talvez nem seja possível, termos tempo de senti-lo passar.  A terra gira acelerada; e como nos aproximamos rapidamente, do dia da festa, também nos apavoramos com a iminência da morte.  O desespero agora é outro - não desfrutarmos a plenitude das coisas boas.

Parece que o tempo tomou em suas mãos, as rédeas de seu movimento e velocidade ... ou então, adquiriu uma vontade própria, que antes nunca imaginou que pudesse ter.  Ele nos atropela e nos põe a correr, atrás de nossos próprios rabos. Somos reféns da sua vontade, da sua pressa e da sua indiferença.



sexta-feira, 6 de setembro de 2024

 1674




DONOS DE SI

Pensamentos transbordantes, para além das fronteiras físicas, ultrapassam desapegados, a linha imaginária, que circunda a cabeça.  Alguns se recusam a caberem dentro da caixa da própria máquina que os fez, alçam voos para muito longe.  Uma vez pensados, sentem-se donos de si, como se 'pensassem por si mesmos', desde sempre e não, que tivessem 'sido pensados', em primeira instância.  Não aceitam permanecer confinados ao minúsculo espaço, explodem numa expressividade agressiva e reivindicam sua identidade e liberdade.  Vão ao encontro de outros, tão livre quanto eles.


segunda-feira, 2 de setembro de 2024

1673



 

RETICÊNCIAS 

Debruçada sobre cotovelos de julieta, está a esperança, que se põe à janela, para ver o mundo girar.  Mesa posta, cama feita, flores frescas.  A porta aberta é 'reticências', colocada no final da última frase, sugerindo uma intenção oculta; porque o mundo gira, e numa dessas voltas, a estória pode continuar.


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

 1672




ÁGUAS IMPETUOSAS 

Ao apreço não se põe preço, ao vento não se coloca ponto.  A coragem se faz surda à dúvida e o fato é coisa havida.  Barragem só represa água calma, o estouro é nossa incúria perante sua fúria.  As emoções têm a força das águas; a alma tem o poder de conter a carne, até que desencarne.  Se torna então, assombração, dementada, criatura fragmentada em arrependimento e ressentimento, num misto de revolta e autocomiseração.

1671




A VELA BOA E O MAU ENTENDEDOR 

"Para o bom entendedor meia palavra basta" ... e para o mau?  Nem um tutorial longo e detalhado é capaz de explicar algo, a quem não pretenda entender.  Mas ao bom mesmo, um olhar, já seria o suficiente, poupando discursos exaustivos.  Quem se esforça para passar a mensagem e não tem êxito, gasta seu tempo, vocabulário, paciência, como se gastasse vela boa - um desperdício de pavio e cera com um defunto surdo e estagnado na sua ignorância.


 

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

  1670





À SOMBRA DA DÚVIDA

É sob ela que vivemos.  Alguma certeza?  Única - a da mudança, eterna incerteza.  Impossível é acreditar no que vemos e é sábio não considerar o que ouvimos; pois que, quase tudo o que se vê, pode ser imagem adulterada; nem tudo o que se ouve é verdadeiro.  Nestes tempos de invenções e intenções escusas: de nos fazer perder a evolução adquirida, de nos retirar do caminho correto, de inverter a importância das coisas, do certo ser feito o errado, do errado ser promovido a correto - manter o equilíbrio é exercício hercúleo. De certo mesmo, só podemos contar com o que sentimos, e o que sentimos, invariavelmente, nos leva à insegurança.

A respeito do que se diz, sobre a sombra que nos protege do sol, essa sombra não nos protege de nada; muito ao contrário, nos expõe às influências tóxicas, disponíveis indiscriminadamente, dando origem às causas de instabilidades emocionais de todo tipo.  Sem considerar idade, sexo, credo, posição social, está aí, para quem quiser permanecer sob ela, num emburrecimento democrático e perverso.



quarta-feira, 14 de agosto de 2024

1669




DOIS MAIS DOIS 

Eu tenho que admitir, que em alguma gaveta secreta eu guardo uma peça egoísta, para ser usada em momento oportuno.  Do contrário, estaria sendo hipócrita. 

Não é quando, a razão se convence, de que o desprendimento é sinal de superioridade, que eu me torno desapegado.  Não é quando, eu percebo que o melhor é deixar ir, que eu sou capaz de soltar. 

As conclusões a que chego, hoje, não me fazem melhor do que ontem - são transpirações do meu intelecto, que sabe fazer contas e chegar ao resultado adequado, de quanto é ‘dois mais dois’ - somando as bordoadas educativas, que recebe.  O que de fato, pode me fazer melhor do que antes, é exercitar a mudança de comportamento, na maioria das vezes, tão cristalizado.

Entre o convencimento do mental e o arrastamento do hábito, haverá ainda, muita palavra dura, muita voadora no peito – dadas e recebidas.   É preciso arrumar aos poucos, e bem aos poucos, cada cantinho oculto, revirando as tralhas que permanecem lá e das quais ainda me sirvo.

Entre a sombra e a luz existe uma infinidade de tons mesclados, alternantes para frente e para trás ou se quiserem, para baixo ou para cima.  Após uma claridade ou um progresso, espera-se a escuridão reincidente que faz retrogradar, num processo muito lento, porque é preciso antes, desconstruir o que está velho e dar conta de toda a sujeira.

Jogar fora a peça da gaveta, botar em desuso a palavra dura e sossegar o pé voador, são coisas necessárias e inevitáveis. Costumes muito enraizados, pedem um grande esforço, para se desprenderem de nós.   Antes que a luz possa ser mais forte, haverá tempo de muita bagunça.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

 1668




SEM PÉ, NEM CABEÇA 

Impossível um ser se estabelecer como vivente, sem conexão com a terra e sem ligação com o céu.  Seria assim, uma ‘coisa’ sem raiz e sem juízo, andando a esmo, ao sabor dos ventos, a mercê da força das águas. Um tronco que nasce, cresce e morre. Ignorando sua verdadeira procedência – a do espírito; desperdiçando a força que a vida lhe oferece.  Uma sobrevida ambulante, sem consciência, sem sentido, e embora, de fato, não lhe falte nenhum pedaço do corpo, não pode ser chamada de gente.


 1667

 


ESPELHO, ESPELHO MEU 

Sejas cuidadoso e só me reveles o que eu puder suportar, em porções, para que possam ser engolidas e digeridas, devidamente.  Algo brusco, temo, poderia afetar minha serenidade e sanidade, um tanto quanto voláteis!  Não espero que me ofereças falsas imagens; mas vás aos poucos, tirando minhas máscaras, inclusive aquelas das quais não tenho consciência de que as uso.  Uma por vez, e de maneira carinhosa, com a compaixão de não as arrancar à força.  

Antes, preciso me acostumar à ‘cara lavada’, sem artifícios de disfarces para os meus defeitos. São muitos, bem eu sei, mas eu peço tempo, para que venham cair como camadas ou mesmo como as peles das cobras, sem que deixem a carne viva por debaixo.  Tenho receio de ver-me nu e não gostar do que o reflexo mostrará.

Que tu me concedas tempo para a adaptação, entre uma e outra intervenção, tempo para a sutura e cicatrização.  Espero que as tuas revelações venham com as ferramentas necessárias para a reforma, ou ainda, que eu saiba onde encontrá-las.


sexta-feira, 2 de agosto de 2024

1666




REMANSO

Há pessoas que são puro remanso, que vêm ao nosso encontro, já no portão de suas casas.  Nos levam para dentro, nos sentamos na sala, às vezes no chão, como crianças falantes; às vezes, nos deitam em seus colos, como adultos chorosos.  Partilham de sua mesa de carinho, quando estamos com fome; nos levam para perto da lareira, quando sentimos frio.

Sabem entender das dores alheias, porque reconhecem as suas próprias dores; nos abraçam muito mais do que com seus braços e corações imensos - e lá, nos sentimos mais em casa, do que na nossa.

E depois de chorar, nos mostram os seus jardins e nos oferecem flores, que eles mesmos cultivam.


terça-feira, 30 de julho de 2024

 1665



PURA CRUEZA  

Fruta sem caroço é corpo sem osso,

é coisa híbrida - indeferida pela natureza,

nega herança à posteridade, só desesperança!

Vida sem sentido, puro fracasso consentido.

História inglória, de uma existência vazia.

Desperdício de oxigênio, às narinas sovinas!




sexta-feira, 26 de julho de 2024

1664 



ARMADILHAS E CILADAS

Muito cuidado porque ‘A cereja do bolo’ pode nem ser cereja, de fato ... e ‘A azeitona’(?), nem lhe faça mal, mas talvez quebre seu dente.  ‘A bolacha’ - última do pacote, certamente, estará quebrada ou murcha.

Isso serve, tanto para quem se considere ‘A’ cereja e para quem se ‘ache’ ‘A’ última bolacha; como para quem responsabilize a azeitona, por um resultado ruim.  A cereja pode ser chuchu colorido de vermelho.  A bolacha pode esconder mofo.  Não vale a pena valorizar coisas estereotipadas.  A culpa nem sempre é da azeitona, exceto no caso dela vir a quebrar seu dente, quando resolver comer a empada.

Aqui tudo é devaneio - fruto de uma sequência que me surgiu à mente ... e quando essas coisas me acontecem, eu presto atenção, e tento decifrar o que querem me dizer.

Resumo da ópera: primeiro - o verdadeiro valor pode não estar onde o colocamos; segundo - temos uma necessidade de apontarmos um culpado; terceiro - coisas tidas como boas e importantes podem nos decepcionar e nos fazer muito mal.  

Por ora é isso, mas é provável, que muitas outras conclusões sejam possíveis - todas relacionados com o nosso orgulho, com a nossa pressa, com a nossa infantilidade ... e por aí afora.  Esta é mais uma das minhas especulações desconexas e imaginativas, beirando o irônico.

E ainda mais, não nos esqueçamos, de que 'estar por cima da carne seca’, ser ‘o rei da cocada preta’, também são expressões bem enganosas ... não é a toa que essas coisas dizem respeito ao estômago (!) - é isso que estes provérbios têm em comum - uma forma simplista de definição para êxito e felicidade.




quinta-feira, 25 de julho de 2024

1663




DAS PALAVRAS ÀS IMAGENS

Há palavras que não exprimem uma representação fidedigna das coisas, porque têm coisas que não podem ser descritas ou traduzidas em palavras.  ‘Silêncio e nada’ são ideias que nos remetem às sensações e sentimentos, e não ao vácuo que elas pretendem representar.

O silêncio não é ausência de sons, longe disso, ele pode ser preenchido de diálogos intensos, barulhentos e confusos; na verdade o silêncio só é desprovido de palavras.  O 'nada' é algo muito vago ... se o nada é a ausência de coisa alguma, é justamente, à ideia de falta que ele nos conduz - o nada é quase tudo, menos aquilo que queremos.  Impossível conceber e alcançar essas duas imagens concretas, a partir das palavras que tentam dar-lhes definição e significado; o máximo que conseguem é pincelarem uma interpretação incompleta e fingida.

Não há espaço em branco ou a ser preenchido.  A falsa sensação de vazio ou de inexistência, que essas palavras querem nos fazer crer, nos leva a imaginarmos uma infinidade de ruídos que cabem dentro do silêncio, e a uma quantidade absurda de elementos que podem compor o nada - exatamente o oposto do que intencionam nos dizer, as insuficientes: 'silêncio e nada'.


domingo, 21 de julho de 2024

 1662



ADORADORES, VELA E PAVIO 

Adoradores, ainda somos.  O sol já não é o mesmo, nem a terra, nem nós; no entanto, as nossas raízes têm um veio muito mais profundo, perdido nos tempos e incrustado nas camadas da arqueologia, revelando a nossa necessidade de adoração, às grandezas que nos escapam ao entendimento.  Aquele mesmo que nos permite a vida, é capaz de acabar com ela.  Adoração e temor crescem, à medida que reconhecemos o seu poder e o desconhecemos, ao mesmo tempo.

Ainda estamos por aqui, porque ainda estamos ligados ao chão que nos mantém vivos, por ora, do lado de cá do muro, nossa trajetória, aqui se desenha - por mérito ou necessidade.  Vinda da terra, ainda há vela - a ser derretida; e pavio - de conduzir o calor que recebemos do alto; por isso mesmo, permaneceremos deste lado, até que todos os dois se consumam por completo.




domingo, 23 de junho de 2024

1661




PALAVRAS E ATITUDES

O silêncio é côncavo, é um fosso onde cabem todas as palavras e atitudes hipotéticas de transposição.  Palavras essas e atitudes, que se negam à concretização e à construção de uma ponte.  Cada vez, fica mais fundo e largo, porque os dois lados se assemelham a placas tectônicas em convulsão - a cada espasmo, se distanciam mais e mais, depois de se chocarem.    Nessa profundidade e largura, cresce um vazio excruciante e atormentador, cheio de sentimentos invisíveis e pesados, que acabam preenchendo o espaço e impedindo a aproximação.



domingo, 16 de junho de 2024

 1660




DE CRAVO PARA NARCISO

Narciso se juntou à rosa, do lado de um grande espelho, e o espelho era só dele.  Narciso não via a rosa, só via seus espinhos; na sua arrogância dizia: que ela era feia.  Sabemos por quê, porque ela não era espelho!

Narciso adorava um palco, o protagonismo, a glória, o refletor, era jovial e sedutor.  No escuro, fora dele, tirava a fantasia, o verniz, e se sentia à vontade, para ser o que ele era de verdade – um tirano rabugento.  Mais forte do que todos os espinhos da rosa, era a couraça do Narciso – dura, perigosa e ferina, fazia dele um ser agressivo e insociável.

Mesmo mudando de cravo para narciso, acho que todos sabem como acaba a estória: a rosa despetalada e o Narciso afogado em seu próprio ego.

terça-feira, 11 de junho de 2024

 

1659 






AUTORRETRATO _______________________________________________________________

  

“Escrever conscientemente é o mesmo que desenhar inconscientemente o retrato de si mesmo, o autorretrato”.  __Max Pulver


Todo dia, estou eu aqui, a desenhar meu retrato fiel e atualizado. Muitas vezes mostro-me nua e com as entranhas expostas.  Meu silêncio grita eloquente, palavras desesperadas: em notas sussurradas e desesperançosas ou em sons agudos e esbravejantes.  Entre umas e outras, a resposta é a mesma.  O grito se dispersa pelo ar, na busca de ser ouvido e acarinhado, vaga por um oceano vazio e desconhecido, sem encontrar onde reverberar.


arte __ agnes cecile

domingo, 2 de junho de 2024

 1658




MURMÚRIOS

Faz do meu corpo o seu jardim.  Desfruta da exuberância, explora seu relevo e extensão.  Faça dele a sua cama, o seu lar, o seu refúgio.  Encosta seus ouvidos na terra, para escutar os murmúrios que ele emite, e então estará escutando a minha alma.  Juntos, contaremos as estrelas penduradas no céu.




segunda-feira, 27 de maio de 2024

 1657


GRÃO A GRÃO

Acho que dormia dentro da gaveta!  Mas que noite foi essa? 

Sem nenhuma pressa, passei pelo buraco da ampulheta.

Em vão, procurei uma rima, para a poeira que estava em cima ...

Grão a grão, fui descendo, crescendo um ser dessemelhante, discrepante da poeira.

Foram unidos por certa substância, mas em que instância se tornou gente!?

Um dia a ampulheta vira, a cola seca, e a vida intrínseca se faz poeira ...

e grão a grão, torno a descer, de volta ao chão!



 1656




FRENTE ÀS FERAS

Qual atitude requer mais coragem?  Ficar ou fugir?  De todo o jeito, haverá leões à espreita, sempre!  Fugir significa - que 'uns' novos e ávidos leões virão querer comer as nossas carnes; e ficar - que 'os' leões, nossos velhos conhecidos, terminarão o serviço, de comerem as nossas entranhas, pois a carne já se foi há muito tempo!  Com certeza, é mais sadio executarmos um movimento, uma atitude para sairmos da inércia de sermos devorados passivamente; de mostrarmos ao universo, o nosso consentimento, para recebermos mais ou que podemos ser mais fortes do que os leões, sem necessariamente, ter que comê-los, nem os matar.



sábado, 25 de maio de 2024

 1655



SOBRE LA MESA

Las cartas, colocadas.  Los motivos, al descubierto.  Todo, muy claro, manifesto, categórico y sin lugar a ambigüedades.  Se acabó el partido, sin posibilidades de 'revancha' o reparación - por promesas o escenarios alternativos, porque ya se había jugado en todas las formas y tiempos, en todas las condiciones y límites.


arte __  amanda cass

quinta-feira, 23 de maio de 2024

1654





MORADA DA NOITE

Sentei-me à beirada da noite.  Deixei o meu corpo cair para dentro dela - deslizar sobre sua escuridão acetinada e fria.  Foi como se mergulhasse num oceano vazio, mas fui  afundando aos poucos, como se algum fluido transparente oferecesse resistência ao peso dos meus ossos e carne. Pareceu-me,  que eu derretia manteiga, sob meu peso quente, deixando sulcos atrás de mim.  Ironicamente, escorreguei, em vez de subir para o céu - morada da noite.

Quanto à minha consciência,  não houve resistência nenhuma, ela nadou ou voou, ñ  sei bem ao certo, mas a sensação que tenho, é que ela chegou ao fundo ou ao alto(?), muito antes do que eu.

terça-feira, 21 de maio de 2024

 1653





UMA SÓ MARGARIDA 

Quebrou-se, pelo tempo de uso(?) ou pelo modo como foi usado(!) – displicente e descuidado.  Quebrou e alguns fragmentos, de tão minúsculos viraram poeira, não se pode reconfigurar como era antes.

Uma imagem nostálgica e craquelada surgiu, com muitos espaços escuros – de distância e profundidade, onde a luz entra e se perde, onde não nasce uma única margarida.  Não há cola, nem preenchimento de ouro, capaz de unir os cacos desconexos que sobraram.


arte  __  ottokim


sexta-feira, 17 de maio de 2024

 1652




PALAVRAS E SAPATOS

As palavras não ditas crescem dentro de nós.  Apesar de nascerem livres e soltas, tornam-se prisioneiras e são capazes de formar frases completas, com sentido e profundidade, numa espontaneidade assustadora.  Perdem a liberdade, para se transformarem em capítulos inteiros e secretos de nossa vida, aos quais ninguém jamais lerá!  Integram o livro de nossa história, guardam as razões, e sem dúvida farão falta, na compreensão dos nossos sentimentos, no entendimento de nossas escolhas e respectivas renúncias.  Impraticável calçar sapatos alheios, impossível conhecer a dor que cada qual carrega.



quinta-feira, 9 de maio de 2024

 91




UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO  

'QUANDO O MENOS É MAIS' 

 

Quando?  Me apodero dessa frase, pretendendo fazer um uso diferente dela, tangenciando o minimalismo, quanto a dar maior atenção ao essencial e menos foco no excesso.  Tentarei ser clara. 

Temos uma tendência a exageros, de cuidado, preocupação, dedicação.  Amor nunca é demais, e nesse caso, melhor é pecar por excesso do que pela falta, é certo.   Mas aqui falarei do amor saudável, aquele que não tolhe e respeita a escolha alheia.   Com a intenção de permanecermos no controle, via de regra podemos deslisar para o caminho da manipulação, da ‘forçação’ de barra, propriamente dita, quando acreditamos estar certos - do que é 'o melhor'!

Às vezes, é preciso cuidar menos, quando já cuidamos o bastante, e o bastante não foi suficiente para atingir o objetivo pretendido.  Às vezes, é preciso nos preocuparmos menos, quando a decisão final, já não depende de nós, somente.  Às vezes, muita dedicação pode nos esgotar as energias e nos sentiremos cansados e frustrados.  É possível apontarmos a estrada, oferecermos o copo d’água, a ajuda; mas somos mestres em queremos ajudar, antes mesmo de nos pedirem ajuda, antes da sede ou da vontade de caminhar do outro.  Existem pesos que não são nossos e para os quais, não temos força física, nem capacidade emocional para carrega-los.

Uma quantidade maior de um ingrediente numa receita pode estraga-la.  Um tanto a mais de creme nos cabelos, pode ter o efeito contrário. A desculpa constante, para um costumeiro desrespeito para conosco, pode nunca fazer com que ele seja reconhecido, como um comportamento inadequado, a ser modificado.

Apesar de vivermos todos sobre o mesmo planeta, cada um está em um nível de entendimento e os propósitos de vida podem ser totalmente diferentes.  É aí que entra a regrinha ‘menos é mais’, quando é necessário retirarmos o nosso time de campo, para que o verdadeiro jogo aconteça.  Embora espectadores não muito satisfeitos com o resultado, é forçoso reconhecermos, que a luz quando se divide, tem o poder de se multiplicar, e que a nossa interferência no processo, pode ser um obstáculo, para que ela se reflita livre e brilhante, como deve ser.

 

forçação – esse termo faz parte da linguagem informal, é mais fácil de ser falado do que ser escrito, porque fica muito estranho.