sexta-feira, 25 de outubro de 2019


809 | NUDEZ E TRANSPARÊNCIA | 25/10/18

É impossível deter o pensamento, pedir a ele que não pense por ora -  por me faltar no momento, caneta ou papel, ou os dois, ou por ser madrugada, porque é inconveniente.  Convencê-lo a parar de pensar, até que chegue a hora adequada,  para que nenhuma ideia se extravie ou se perca.

Ele na sua febre delirante, transpira e não faz acordo - é inútil tentar.  Eu vencida e quase contra a vontade, cedo à sua insistente compulsão de criança impetuosa - que também é minha.

Exercito ao máximo a minha memória, escrevendo palavra por palavra, cada frase e parágrafo.  Quando não é mais praticável manter a fidelidade, porque pode escapar algum detalhe importante, apenas confiando nas anotações mentais - eu me rendo.

Me deito às linhas, em nudez e transparência, como se me deitasse à cama, sem nada que cobrisse a minha pessoalidade - com meus sentimentos à mostra, circulando pelas veias aparentes da pele clara, exibindo minhas  protuberâncias de apego e rachaduras estruturais causadas pelo tempo e caráter - numa óbvia e indecente exposição.

Sinto que entrego à ciência, não o meu corpo, mas a minha alma, para minuciosa dissecação.



arte | christian schloe

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