sexta-feira, 25 de outubro de 2019
1083 | EM CARNE E ESPÍRITO | 25/10/19
Pela lógica mundana e humana, os pais não deveriam enterrar seus filhos. O contrário, sim, seria o correto na ordem natural das coisas finitas, que ao final da existência, devolvem à terra e ao ar, os elementos de sua constituição física. A semente da nova vida é depositada em vida, pelo amor e não pela vontade de aqui permanecer eternamente, como nos diziam, quando crianças - 'ficar pra semente'.
Além da dor sentida, visceral, insuportável e quase mortal, por sofrerem a separação do bem mais precioso, arrancado de seus braços, como uma poda forçada; cujos prazos de validade deveriam ser maiores, por terem nascido depois e através deles; aos pais fica, o quase impossível e inumano desafio, de permanecer caminhando, quando lhes falta o pedaço tão querido, arrancado a ferro e fogo, sem piedade, deixando cicatrizes dolorosas e feias, que nunca desaparecerão. É impensável passar por tudo isso, sem uma ponta de revolta e questionamento - pela lógica humana, isso parece e é sentida, como coisa irracional.
Nunca mais serão os mesmos, nem a vida voltará a ser como antes, olhos e ouvidos não terão a mesma função, será preciso aprender a enxergar de novo e a reaprender a ouvir, a sentir. Andarão por aí, porque têm que andar, porque ainda, os seus prazos de validade não se extinguiram; mas a cada passo que derem, sentirão presente, o pedaço que lhes foi extirpado, entumescido, formigando, doendo e até coçando, às vezes, como nos casos de amputação de membros - a matéria não está mais lá, mas a sensação é de que está sim.
Os pais devolvem, não só a carne tenra e querida, cedida por eles mesmos; mas restituem também o espírito, a eles confiado, para viver em seu ninho, por tempo indeterminado - que agora toma um outro rumo.
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Linda mensagem!
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