RECRIAÇÃO __ 713
arte: agnes cecile |
Pintei o teu retrato, de acordo com a imagem que vi através dos meus olhos, com as cores que achei que tinhas. E sempre que não me agradava o tom ou combinação, os traços, fazia retoques para tentar adequar.
Cada vez que eu pensava tê-lo concluído, tinha que fazer mais um retoque, mais umas pinceladas, para me aproximar ao máximo do real.
Não importava quantas vezes, ou tanto empenho, meus olhos captavam uma imagem, que não podia ser reproduzida pelas minhas mãos.
Até que um dia, percebi que um retrato, ou qualquer tipo de obra, são feitos segundo o olhar do autor, e que o problema não estava nas mãos.
Nesse dia então, descontente diante da tela, que me fitava inquiridora e enigmática, tive uma surpresa.
Do nada, as tintas foram se derretendo bem a minha frente, formando borrões estranhos, adquirindo novas formas e tons, os quais não os havia traçado, nem sequer colocado lá.
Houve uma transmutação. De repente a criatura ganhara vida, assumira sua identidade, à revelia de toda a minha vontade, dedicação ou controle.
Vi-me diante de uma tela, que nada tinha de minha criação, sem guardar semelhança alguma com a inicial, uma revelação, das tuas cores, das tuas feições, de quem és de verdade.
Eras tu, mais dona da obra do que eu.
Impotente, fui obrigado a admitir, que meus olhos viram o que quiseram ver, que minhas mãos não puderam reproduzir a tua verdadeira aparência, nem minha alma foi capaz de adivinhar-te as intenções.
Tinha tentado recriar-te, conforme minha própria semelhança
Mas tu és tu, única e exclusiva sobre a face da terra, ímpar, como qualquer ser, pois é impossível recriar alguém, mesmo que eu muito desejasse!
As nossas frustrações são resultado da nossa expectativa em relação ao procedimento do outro.
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