ACEITAR E MERECER __ 715
Triste e só, assim me sinto. Se estou ou não, sei lá, eu gostaria de descobrir que não estou - mas assim sinto. Me pergunto onde é que está o erro, ou o buraco! Voz nenhuma responde, só a tristeza e o desamparo - no único idioma que usam - o das sensações, deixam que eu deduza o que se passa comigo, enquanto me olham quietos e indiferentes.
Será que estou fazendo a pergunta correta?
Procuro a resposta no lugar certo?
Será que não ouço o que é preciso ser ouvido e não olho onde devo olhar?
Sobrou pouca coisa, alguns pertences, uns livros, algumas coisas escritas, uns projetos inconclusos, outros que não serão, umas lembranças longínquas e nem sei se verdadeiras. Quando nos lembramos delas, vêm carregadas de sentimentos, que tivemos enquanto as vivíamos. Podemos quantificar, o quanto de energia dispendida em causas perdidas.
Hoje, podem não corresponder mais àqueles sentimentos, pois não sentimos mais da mesma forma. Os acontecimentos olhados de trás para a frente, ganham novo significado.
Eu não sei o que dói mais, tentar sentir o mesmo e não conseguir, ou lembrar com tristeza do que senti e que não se repetirá - no fundo é tudo a mesma coisa. O que hoje significa engano, antes foi certeza, e como não posso mudar o que sinto hoje, tento mudar o que senti antes, para não sofrer tanto, ou sofrer menos - acabo por sofrer mais, porque torno ilegítimo o que já foi!
Naquela época foi o que foi, eu era outra pessoa, hoje eu e o tempo somos outros, passamos - sinto diferente, penso diferente, sou diferente.
Não há erro, buscá-lo no tempo é uma tentativa irracional para satisfazer minha indignação racional.
Posso ser várias pessoas, dentro de uma só? Não, eu sou hoje, uma outra versão de mim mesma. Alguém que apreendeu um pouco mais, que não necessariamente, apreendeu o que precisava, apenas o que pôde carregar.
Quanto ao buraco, certamente ele existe, e é para onde se vai, toda a possibilidade de resgate, que paira sobre minha cabeça.
Sobre a volta ao normal? Nunca houve normal, o que houve foi um véu um pouco maior e mais grosso do que há hoje.
Afinal, mexer no passado é se expor a respingos, sabe-se lá do quê, ao exumar motivos, a buscar a cronologia e coerência dos fatos, dissecar cena a cena. O que eu aceito, nada mais é, do que aquilo que acredito ser merecedor.
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