DOCES LEMBRANÇAS __ 707
Janela Singular |
Será?
Lugares do tempo de criança, que nos encantavam, que só sobrevivem na nossa lembrança. Andando por eles, é como se quase não os reconhecesse.
Um galpão enorme, grande demais para nossas perninhas pequenas, um jardim com muitas flores, um tanque com peixinhos a céu aberto, uma casa de muitos cômodos, para nós, todos assombrados.
A dona do galpão era a tia Ana. Ele tinha ao fundo, um córrego, hoje canalizado, mas antes foi responsável pelo grande transbordamento, que os fez perder tudo que tinham. O que não foi levado pela água, foi despedaçado por ela, porque a enchente quando invade um cômodo, faz redemoinhos e tudo o que estiver nele, vai sendo jogado contra as paredes. Lembro-me até hoje, do cheiro da lama dos utensílios, da minha avó lavando o enxoval de minha prima Nê.
Catarina, era amiga de minha avó, a dona do quintal que me fascinava. Era repleto de flores que nunca tinha visto, sempre cheio de borboletas. E era grande, ensolarado, nele eu gostava de brincar. Lembro-me do dia em que na minha inocência, mexi em uma lata, que estava em cima da máquina de lavar, dessas antigas de se guardar mantimentos, achando que era açúcar, e coloquei na boca. Foi o pior tipo de açúcar que provei.
Dona Piedade, uma senhora mais idosa que minha avó, nossa vizinha, que andava com dificuldade por ter pernas bem inchadas - um amor de pessoa - era a dona do tanque de peixinhos. Na verdade era um velho chafariz que existia em seu quintal, mas eu nunca o vi espirrar água, infelizmente.
A casa de muitos cômodos, era onde a tia Isabel morava. Fui poucas vezes lá, mas confesso que me apaixonei por ela - a casa - porque a tia, ninguém gostava muito dela, tinha o hábito de falar quase chorando. Sempre com o medo de me perder dentro dela, o que era reforçado pelas estórias que eu adorava ouvir, sobre as coisas estranhas que tinham acontecido dentro daqueles muitos quartos.
Lembro-me também, dos finais de ano, que passávamos debruçados na janela do quarto da frente, da casa da minha avó, olhando a enxurrada que varria a rua. Sempre chovia, e a água subia até a calçada, até quase chegar no portão.
Esses lugares não existem mais, a não ser na minha lembrança. Eu ainda corro pelo galpão com minhas perninhas pequenas, cheiro as flores de vários formatos e cores, me arrisco a molhar a mão e mexer com os peixinhos, morro de medo de me perder no passeio imaginário que faço pelo casarão da avenida Brigadeiro Luis Antonio. E me pergunto como, ver a enxurrada numa noite do dia 31 de dezembro, podia ser tão bom.
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