domingo, 29 de novembro de 2020

 1264


SEQUESTRO

29/11/20


Que meu afeto seja leve, que a espera seja breve 

que a distância se estreite e a saudade não espreite.

Que o abraço traga espaço, de caber o subespaço

onde toda força, se fazendo de durona, desmorona.

Que a vontade é tanta, quase entope a garganta

por ela o ar nem passa, quando a seta que trespassa

a janela do meu olhar, vem meus sentimentos vasculhar

e dentro dele encontrar, muito ... mas muito a sequestrar!





subespaço - hiperespaço, espaço que ultrapassa as 3 dimensões

sábado, 28 de novembro de 2020

1263




HUMORES DE AMOR

28/11/20


Hoje meu coração amanheceu suave e altruísta, fluem dele emanações delicadas, que atravessam o espaço e chegam ao destino: lhe beijam a face, os olhos, as mãos, afagam seus cabelos - se satisfazem com isso.  Encoleirado pela razão, encontra-se centrado e comportado.  

Hoje ele está assim, amanhã não sei.  Pode ser que se revolte e faça partir de si, braços compridos e desesperados, em sua direção, de abraçarem seu corpo e lhe trazerem até mim, para gritar dentro da sua boca o que ele sente. 

Hoje ele bate tranquilo e sozinho, num ritmo cadenciado, amanhã talvez, necessite do seu para poder pulsar.  Desarrazoado, louco, não se contentará com os desejos sinceros de saúde, alegria e paz, que hoje está a enviar.  Ele pedirá ou exigirá muito mais, inconformado da distância, da ausência, nem sei o que fará, porque isso doí-lhe demais.  Poderá se tornar requerente, em condições extremas, por termos irrevogáveis e irretratáveis. 

Às vezes penso, que ele sofre de alguma alteração, não de formação, mas de funcionamento - às vezes bate conformado, às vezes não.  Ainda não inventaram um remédio, para quem sofre desse mal. Como os humores, ele tem a faculdade de subir e descer a montanha russa das emoções, ou melhor dizendo, de latejar em compassos diferentes, instigado por elas.

Hoje ele é calmo e centrado, como disse ... amanhã não sei!



quarta-feira, 25 de novembro de 2020


1262

IMITANDO AS ESTRELAS

25/11/20

Como a prece que sobe aos céus, muda e leve, arrebentando os portões, para soar aos ouvidor do criador ...  eu sinto em silêncio. Nas flechas, tão mudas quanto, pouco menos leves, cariciosas, disparadas ao longe - está tudo o que já não cabe dentro.  

Não é preciso que te defendas! Elas não tem o poder de ferir, a intenção é apenas amar.  São como fogos de artifício, anunciando o novo ano, que enquanto riscam a escuridão, plagiam as estrelas.


arte | cheiro de alecrim

terça-feira, 24 de novembro de 2020


1261

UNS CERTOS CORAÇÕES

24/11/20


Alguns corações têm uma certa proximidade, uma familiaridade inexplicável, para além de qualquer genética ou simpatia, para além desta vida!

Não importa qual a ligação, muito menos o motivo que convença a razão.  O que importa é que não há distância, nem momento difícil, capaz de desfazer a conexão ... ao contrário, só faz aproximar, só intensificar o que já é bem forte.




1260

A BEM DA VERDADE

24/11/20

Você é, o que foi inscrito e ficou gravado, fazendo parte da linha do tempo da minha vida.  Talvez nem saiba, nem suspeite, mas é, foi você quem a dividiu.  Juro que nem percebi, nem me dei conta, mas é fato - hoje há o antes ... você e o depois.  É preciso que eu diga, que eu tenha coragem de dizê-lo, em confissão - que essa divisão quebrou minhas pernas, mais que a linha do tempo, mas é preciso que eu diga: foi despretensioso e natural.

No começo, desconheci o que você me ofertava.  Com o tempo, com as doses frequentes, passei a me acostumar com tanta solicitude, que não sabia de onde vinha e por quê vinha.  Depois, percebi que não era possível ficar sem e não sentir, uma profunda sensação de abandono tomando conta de mim, de me tornar um mendigo. Quem não fica mimado e viciado numa coisa boa, se até animaizinhos ficam perto de pessoas carinhosas!?

Fui de zero a cem, cheguei às portas do céu, mas não entrei, apenas pude ver o que por lá se passava, foi um vislumbre na terceira pessoa.  Fiz o caminho de volta, do cem ao zero, não na mesma velocidade, numa muito maior, porque tive a lei da gravidade a impulsionar a minha queda.  Não voltei ao ponto de partida, passei por ele, fui levado ao inferno, para onde desci, muito depois do zero, não sei quanto, muito mais rápido do que eu esperava. 

Para de lá sair, foi preciso muito esforço, muita determinação, para o meu retorno à realidade, inclusive, para lá não mais voltar.  Não posso relaxar, é preciso vigiar o tempo todo, antes mesmo de orar, para que a força não me arraste de novo, para onde não quero voltar - devo fechar as portas do inferno.

Que nunca se cale essa voz, que me diz sem palavras, sem gestos, mas que é explícita e gritante na certeza, de que sempre há esperança, de que sempre é tempo.  E que isso não lhe pese, pois é coisa minha, só minha.  Não lhe cobro nada, porque a bem da verdade, não tenho nada a oferecer.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020





1259

AMIZADE 

23/11/20


A amizade é uma casa ensolarada

lá tem sempre, gente camarada

lugar, onde se é muito bem-vindo

onde se chega chorando e sai sorrindo.

Sentar no chão, andar descalço

dizer a verdade e não ser falso

falar sobre qualquer assunto

comer todo mundo junto

tudo isso é permitido

ficar nela é muito divertido!

Onde se pode ser transparente

nem que não seja parente

tudo se pode fazer, cantar

dançar, brincar e até chorar

porque toda dor dividida

vai ficando menos dolorida!

A alegria é somada, multiplicada

a tristeza, sempre amenizada.

Amizade é uma pequena cidade

onde se respeita a diversidade

ela tem um formato confortável

mas de uma grandeza incontestável!







domingo, 22 de novembro de 2020


1258

SEJA O QUE FLOR

22/11/20


Terá sido uma dádiva ou benção

uma grande onda que revolve o fundo

um corpo celeste que tange o mundo!

Perigo que aproveitou-se da desatenção?

É florescência que surge temporã

no galho fino em nova manhã!


Águas que arrastam toda a certeza

sem muita ou até pouca gentileza

alargam minhas velhas margens

e me levam a outras paragens.


É astro que muda a minha rota

faz que eu gire em outra velocidade

no espaço, ensaie uma cambalhota.

Contrariando toda minha racionalidade

impõe que aprecie o vasto universo

e me remete ao interior do subverso.


É flor que atrai os insetos

e enfeita os grandes afetos.

É fruto vivo, que à fome fomenta 

ao pássaro e ao homem alimenta!

É semente que brota incipiente

à posteridade, garante a vida inerente!


Seja o que for, amor, dor ou flor

é benvindo, sou uma ilha de calor

debaixo de um pleno sol de inverno

folhas de um conto que ora encarderno!



fomenta - instiga, estimula

subverso - lugar imaterial, atemporal

incipiente - iniciante, tímida

inerente - inseparável, que é própria

sábado, 21 de novembro de 2020



1257

DE AREIA E ÁGUA

21/11/20


O passado lança luz sobre o presente. Como dois espelhos, permanecem ligados pelo reflexo que os toca - o que faz parte de um, faz conexão com o outro, em etapas que se somam, em continuidade e sentido.  Do oculto e do esquecido, de onde não se imaginava haver nada além de escuridão - irrompe a luminosidade. 

A luz é a mesma, com origem lá no início dos tempos, vem se aprimorando e se tornando mais límpida. Só podemos apreciar a nossa imagem, uma vez de cada vez, as demais, apenas podemos vislumbrar ou supor. 

A seu tempo, a luz será transferida e reproduzida, novamente, e poderá ser apreciada no espelho do futuro, ainda a se formar, de areia e água.



sexta-feira, 20 de novembro de 2020



 1256

PAS ENCORE

20/11/20


Não direi o teu nome

não direi onde moras

mas sei porque choras

é isso que me consome.

Sei que não és minha

mas só te vejo sozinha!

Eu te daria meu amor maduro

se ele e eu não vagássemos no escuro.


Ando lendo uns poemas

de amor, ardor, esses temas

... e o que se passa comigo?

Ah, isso eu não digo!

Olhes, meus olhos não mentem

eles te descrevem o que sentem

mas o teu nome eu não digo!

Abro meu peito, no abraço

venhas, que eu passo um laço

que eu faço dele, teu abrigo.

E enquanto nele estiveres

serás um dos meus haveres!



pass encore - not yet - ainda não

arte | christian schloe


quarta-feira, 18 de novembro de 2020




1255

DESASSOSSEGO

18/11/20


Não sei o que pedir, se quero que te afastes ou se venhas ao meu encontro.  Tudo dói,  presença ou ausência, não é questão de uma coisa ou outra, se trata  de abrigar no corpo, ao mesmo tempo, um frio na barriga e um ardor no peito, como se o organismo vivesse uma espécie de desencontro de emoções e  temperaturas - porque o frio pode migrar para o peito, o ardor pode descer para a barriga. 

Também não sei por que é que assusta tanto!  Antes eu nada sentia, tudo era morno, inerte, indiferente, mas eu não tinha medo, de ter ou de perder, talvez eu já soubesse, não ter mais o que perder.  

Agora temo por tudo, por ti, por mim.  Temo pelo que ainda não tenho - isso é insano, mas é exatamente o que faz, alternarem-se frio e calor pelas partes do meu corpo. A questão és tu, meu desassossego; a questão somos eu e a minha incerteza, do que sentir, do que querer, do que esperar, do que deixar acontecer.  Me deixa ir ou lançar âncora - o meu desassossego.



1254

INSUSPEITAVELMENTE

18/11/20


Sou grata à vida, que me tira amores, mas me dá novos.  A mesma vida que bate em mim, também assopra e beija com a maciez não esperada.  Às vezes, ela primeiro bate; noutras, ela primeiro assopra; ela é sábia, ela sabe do que preciso e de quanto posso suportar.  Insuspeitavelmente, ela mais dá do que tira, porque quando tira, sabe o que faz e quando dá, sabe ser generosa.

Ao chorar pela porta que se fecha e me mantém no escuro, dou as costas ao brilho das novas possibilidades; ao lamentar o tremor que abala as raízes, me deparo com as folhas tenras e verdejantes, que crescem à revelia, do vento e da estiagem.

Quando penso que me falta o chão, sinto que estou em pleno voo.  Quando penso que estou no término de uma linha, me descubro em pleno recomeço, desenhado com tintas frescas, diferente e um tanto assustador, mas que me encanta os olhos, incendeia o coração e reacende a graça. 

terça-feira, 17 de novembro de 2020




1253

POR ASSIM DIZER

17/11/20


Ninguém saberá se o poeta mente

ninguém poderá dizer, até onde sente!

Só dirá que ele entende, como entende:

o sentimento que se distende

o músculo que se aperta 

 a dor que desconcerta.

Só se sabe, que ele sabe ...

(quanta coisa, num verso cabe)

... e ainda, que não lhe doa 

traz à luz, a alheia nódoa!


Deixo aqui, uma questão, talvez irrespondível e irrefutável.  Se todo artista, quando escreve, pinta ou desenha, faz canção ou esculpe, ou por qualquer outra forma de expressar-se, diz ao mundo o que sente, através de sua arte - se ele vive o que sente, ou se ele é tão maluco, a ponto de vivê-lo pelos sentimentos, sem de fato, viver o fato em si.

Não é preciso que respondam.  É mesmo um pergunta retórica, redundante e estúpida, porque, em sã consciência, ninguém deveria escolher, sofrer por algo, que não lhe diz respeito! 

Mas o artista tem, um sistema imunológico emocional sensível, munido de uma antena ou dispositivo escondido, que capta e reproduz, quase com total fidelidade, a tudo.  Pobre dele, à medida que se aproxima do que é 'humano' no ser, se torna capaz de entrar em sintonia com outras vibrações, tanto de alegria, como de dor, quanto a isso não oferece barreiras.  Esse é o encanto, ele se faz apto a traduzir, o que para as pessoas leigas nas artes, talvez não seja possível.  Em suma, ele vive as suas e as alheias - alegrias e tristezas.

De uma certa forma, percebam, que não coloquei aqui, nenhum ponto de interrogação, porque não são propriamente interrogações ...  são perguntas, que se auto respondem, por assim dizer.  

Fico sem entender, como alguém que nem me conhece, possa definir tão bem o que sinto, se nem eu mesma fui capaz disso!



segunda-feira, 16 de novembro de 2020




1252

SILÊNCIO GRITANTE
16/11/20


Escondido, nas dobras do silêncio, deixei que ficassem as lembranças, que guardo só para mim.  Junto delas estão, os diálogos gritantes, retardatários e certeiros, devidos a cada situação mal resolvida - não verbalizados - porque não 'saíram' a tempo, por conta da mudez: por falta de palavras no momento ou por insegurança de minha parte. Quase tenho saudade, do tempo ingênuo da ilusão.  Às vezes, confesso, que sinto uma profunda necessidade, de me ver cercada pelo mesmo bem estar, que a ilusão causava, do sentimento de esperança e certeza, preenchendo as lacunas mais incertas e mais fundas, inspirando em minhas narinas coragem e força.

Agora, não há mais nada, que eu possa jogar dentro desses buracos, para que se encham e não drenem o meu tempo e inteligência, em conjecturas dispensáveis e tardias - quando ocasionalmente - sou sugada para dentro deles.  É quase que um esforço hercúleo, que eu preciso despender para manter-me acima  da linha da consciência, em reconhecer o quanto são perigosos, que podem sequestrar, por um bom tempo, a minha serenidade - conservando-me refém de uma realidade insana.



sábado, 14 de novembro de 2020



1251

A TRAMA E OS CÍRCULOS

14/11/20


Haverá sempre, algo a ser dito.  E mesmo, que o que eu diga, não seja novo, estarei re_dizendo a mim mesma, aquilo que preciso ouvir constantemente, sob pena de me esquecer de tê-lo dito.  

Enquanto houver raciocínio e formas de me expressar, estarei eu, a provocar redundâncias, porém, pretendo me manter longe do proselitismo, pois respeito opiniões alheias.  Com a intenção de esmiuçar as minhas, até que se tornem totalmente inteligíveis (a mim mesma) - até apurar as ideias, alinhá-las com os sentimentos, serei um tanto enfadonha, escrevendo em círculos e levando ao leitor, a ler em círculos, também.  Se quando falamos, somos os primeiros a escutar ... quando escrevo, posso garantir-lhes, que sou a primeira pessoa a ler.

Existe um faniquito que me acomete, a qualquer hora, sem respeito ou consideração.  Ele me tira da situação em que estou, para botar foco num assunto ou pensamento, que surge disforme e capenga, em busca desesperada, por ser aprimorado e apresentado com sentido e conteúdo, como se fosse uma necessidade sua, de sobreviver ao esquecimento ou à desimportância. Acho que ele teme, que se escape da minha memória, de que eu não me lembre de tê-lo pensado. 

Entro numa rememoração, do que me é imprescindível - e que a todo momento, é preciso ... me seja re_revelado ... para que nunca me fuja o 'óbvio' ou que não passe despercebido qualquer descobrimento mais atual; porque prefiro correr o risco de ser repetitiva, do que me tornar omissa.  Prefiro pecar pelo excesso, a me abstrair na falta. 

Como tudo tem um limite, vou parar por aqui, por hoje é só, tenho medo de me enrolar na trama, de não achar a saída e me tornar prisioneira, do emaranhado que eu mesma criei, quando eu só busquei ser mais explícita, comigo mesma.




1250

ESPAÇOS DE SILÊNCIO

14/11/20




Palavra, na garganta encravada

é energia estagnada, ação parada.

É força, ainda em vida, sepultada

muito antes de ser nomeada

ou de ser, no papel registrada ...

carta, sem poder ser endereçada.

É sentimento, à força adormecido!

Por covardia, é furor entorpecido

por medo, o gozo arrefecido

e pelo afago, aos trancos contido

é amargor, na boca entretecido

é dó, por não ser reconhecido.


domingo, 8 de novembro de 2020




1249


BEIJOS E UNGUENTOS, JOELHOS E FERIDAS

08/11/20


A poesia sabe cantar o belo, de uma forma leve.  Usa de cores suaves, ao criar uma tela quase real, às vezes, até mais transparente, do que o modelo.  Quase é possível, nos fazer tocar a maciez das palavras e a sua cadência - com as repetições de sons parecidos - nos traz bem estar e nos leva a um processo de êxtase, porque sua musicalidade, aos nossos ouvidos, causa um equilíbrio nas sensações e emoções.

A poesia tem recursos, para descrever a morte, sem de fato mostrar o punhal; ou de caso pensado, desenhá-lo com o brilho afiado e pontiagudo, que se faz sentir, enquanto corta a carne e verte o sangue.

A poesia também tem o poder de enfeitar o feio, sem lhe tirar a feiura, é claro, mas de amenizar sua carranca, mostrar-lhe a intenção ou a própria dor, que a motiva.  A poesia pode inclusive, se desejar, descrever a minúcia das imperfeições da carranca, com cores fortes e frias. 

Ela é artista, ilusionista, mas nunca mentirosa, não planeja nos enganar, apenas almeja, suavizar o que é pesado, enaltecer o que é preciso ser reconhecido como belo.  Pode até nos fazer encontrar, uma certa beleza e ternura na tristeza, ao assoprar as palavras certas, como beijos ou unguentos depositados, sobre os inevitáveis, joelhos ralados e feridas da alma, que a vida nos traz.



sábado, 7 de novembro de 2020




 1248

VAMOS À VIDA

07/11/20


Não haverá um só prato

sem a poesia, por substrato.

Certos abraços, me foram negados ...

outros, bem mais quentes, ofertados

... incondicionais e de graça

como quem, com carinho enlaça!

Os negados, foram, pois sabiam

que dentro deles não caberiam

as minhas dores mais minha poesia!

Digo, que não haverá um só dia

em que, a poesia, eu a dê como esquecida

ou que, eu me dê, à vida, por vencida!



quinta-feira, 5 de novembro de 2020



1247

POR ISSO E AINDA MAIS

05/11/20

Um dia o choro seca, a vontade acaba, a esperança morre.  Nasce a saudade de um tempo de ingenuidade e imaturidade, de que tudo daria certo, em que desconhecíamos a necessidade da própria vida - de ser como tem que ser.

A visão clareia, não apenas pela ilusão que se dissolve e a máscara que cai, e sim -  por isso e ainda mais - pela coragem criada de enxergar o que é 'fato'.  Porque a verdade requer tempo e atrevimento, para ser vista na real forma em que ela se apresenta.


terça-feira, 3 de novembro de 2020



1246

O ESQUELETO E A CONSCIÊNCIA

03/11/20


Ela não possui cabo anatômico, nem formato ortopédico. O teste dermatológico é feito 'in loco' (no nosso corpo); não em um laboratório longínquo, mas na nossa casa, em família e sociedade.  As suas cobaias somos nós mesmos.

Ela não nos oferece bancos de couro, nem ar refrigerado, nem garantia de satisfação, muito menos certificado de qualidade.  Temos mesmo, é que nos acostumar com o desconforto e a incerteza.

Na maior parte do tempo, é preciso apelar pro improviso e rogar aos céus, pra que nos protejam.  Sabendo que o que ela nos dá, pode tirar ... hoje temos, amanhã talvez não tenhamos.

A vida, somos seus decifradores de enigmas - 'Indiana Jones'; executores de missões quase impossíveis; tantas vezes, damos uma, de agente '007' ... porém, o que somos mesmo - é ilustres desconhecidos, sem fama, com o nosso prazo de validade oculto, que pode se expirar a qualquer instante, sem respeitar se estamos prontos pra ir ou não, se terminamos o assunto, se resolvemos as coisas ...

Ainda assim, sem fama, sem remuneração, na dúvida, sem comodidades ... acordamos todo dia, no firme propósito de fazermos dele, aquele que fará toda a diferença, pra que à noite seja possível, darmos o descanso merecido, ao nosso 'esqueleto' e à nossa consciência - duas coisas que pesam.



esqueleto - termo carinhoso, que uso aqui, como representação do corpo físico.


segunda-feira, 2 de novembro de 2020




1245

BENDITOS PORTOS SEGUROS

02/11/20


Nos últimos tempos, até o clima está mexido, alternando-se em chuva, vento, sol, em temperaturas, nos surpreendendo com mais de uma estação por dia.

Em pleno novembro, somos forçados a colocar cobertas mais quentes e pesadas sobre as nossas camas e retirarmos dos armários, os agasalhos guardados.

Fomos afastados dos locais que frequentávamos; as reuniões, as festas foram suspensas; os cafés, almoços e jantares, foram adiados; o prazer da convivência social nos foi tirado, temporariamente.

Não se sabe, ao certo, como será o nosso retorno, a toda essa coisa prazerosa, do contato ao vivo e a cores, com pessoas que nos são caras.  Acredito que nada deva mudar, mas estou certa, de que nos tornaremos mais seletivos.  E ainda, sempre se arranja um jeitinho de diminuirmos a distância imposta.

O ser humano é movido pelo contato pele a pele,  sem ele não é possível uma vida saudável e satisfatória.  Somos alimentados não só de ar, ou do alimento boca adentro, isso só alimenta o corpo. Através das trocas de energias, que se fazem simultaneamente, sem que se perceba, quando estamos próximos ao outro, também recarregamos nossas baterias.  Essas interações têm o poder de multiplicar as alegrias e dividir as tristezas, pra que fiquem mais leves de carregar; ou simplesmente, de se esquecer tudo, dentro de um abraço, de um olhar, de um colo.  

Às vezes, nem precisamos de uma resposta, só de alguém que nos ouça, porque falar sobre o que nos castiga, despressuriza - dentro desse aconchego, nos sentimos dentro de um abraço.  Às vezes, uma palavra, pode ser um beijo; um toque suave, pode ser um carinho e preencher um buraco dolorido.  

Ouvidos caridosos, palavras, abraços, toques ... transformam-se em verdadeiros  portos seguros, sobre os quais, nossos pés necessitam pisar ... âncoras, que nos mantém na realidade, sobre a superfície.  Ao mesmo tempo, as boas palavras inflam nossas velas, porque nos fazem perceber a força que habita dentro de nós, nos fazem ver, com outros olhos, o tamanho do horizonte a ser desbravado.

Benditos aqueles que sabem nos ouvir, que sabem acalmar e acolher, nos sustentar, pra que possamos nos fortalecer e traçar novas rotas, pra vida que se apresenta à frente.



arte | anne patay