sábado, 31 de outubro de 2020


1244

PONTAS E ESPINHOS

31/10/20


Caberia ... se o espaço não fosse tão minúsculo.  

Seria ... se ao seu lado, sentisse a total liberdade, de ser quem sou.  

Diria ... se não tivesse que reduzir minhas ideias e me expressar apenas por monossílabos.  

Haveria saída, talvez, se não precisasse me manter calada à palavra rude -  se caso houvesse possibilidade de diálogo e se o meu silêncio não fosse a resposta mais adequada.

Me aconchegaria, se a ânfora suportasse conter a minha essência, com arestas e tudo o mais, que é meu.

Moraria ... se o abraço fosse macio; se tua mão, não me apertasse a garganta, tirando-me o ar; se tua casa não fosse insalubre, me deixando doente.

Poderíamos ... se aos teus medos de menino, não tentasse negar e esconder, atrás de uma voz empostada.

Seríamos .. de igual tamanho, igual valor, mesma intenção e vontade, com a mesma coragem de enfrentar as pontas e os espinhos, de mãos dadas, sem que espremesse a minha, mas que as mantivéssemos, suave e firmemente somadas.



sexta-feira, 30 de outubro de 2020









74

UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO

ERRO DE ARREDONDAMENTO

30/10/20


Vi essa frase num filme, em que uma mulher, diz à filha, ter cometido um 'erro de arredondamento'.  Mais especificamente, o contesto falava sobre a decepção de uma mulher, em relação a um homem, que não reconheceu a filha de ambos e as abandonou.

Em álgebra, aprendemos a somar grandezas de natureza idêntica.  Transferimos  esse cálculo matemático pra vida, com a tendência de nossa parte, a somarmos as notas que damos, ao preenchimento das necessidades que temos, das mais prementes, às mais superficiais - com o fim de obtermos resultados favoráveis à nossa felicidade.

Salvo a nossa carência pessoal, que pode, nos fazer ter uma noção equivocada em quantificar e qualificar, esse atendimento ... é preciso admitir, que necessidades são coisa legítima, humana e como já deixa bem claro ... 'necessária' ao nosso bem estar e crescimento.  O ser humano só se desenvolve a contento, num ambiente acolhedor e seguro.

Dei a volta ao mundo, pra chegar no que realmente quero dizer, quando falo sobre 'erro de arredondamento'.  Isso mesmo, um erro, que podemos cometer em nossas vidas. 

Ao somar 0,6 com 0,4 ... não terei, necessariamente, 1 como resultado final.  Será preciso, que os valores sejam todos de mesma natureza, do contrário não posso somá-los. 

Tentando ser mais clara, sem na verdade ter a certeza de ser - eu digo, que muitas vezes, somamos 0,6 de uma necessidade física saciada, com 0,4 de uma necessidade emocional atendida.  Desse cálculo nunca obteremos o número 1, pois nenhuma das duas necessidades foi atendida plenamente.

O erro de arredondamento está, em consideramos 0,6, como próximo de 1, no quesito físico;  0,4 próximo de metade, no quesito emocional ... e querermos juntar os dois valores, como necessidade totalmente atendida.

Se passamos fome, frio, é provável que 0,6, seja um bom resultado, pra nossa necessidade física.  Se estivemos acostumados, a obter pouco retorno emocional, 0,4 pode ser um número aceitável.  Podemos confundir necessidade física com necessidade emocional, ou necessidade emocional com física.  O valor 0,6 nunca será '1' ... e cada uma das necessidades tem um compartimento próprio, a ser atendido e preenchido,  chame a isso de gaveta, caixa, saco ou qualquer outra coisa.

Lembrando que, de acordo com as nossas carências, podemos não estar atribuindo à nossa satisfação, valores que correspondam à oferta disponível, ou seja, que as carências podem nos fazer muito exigentes ou nos contentarmos com muito pouco - nos transformando em mendigos.

Resumo da ópera: nunca arredonde pra cima, um valor que não corresponda realmente, ao que ele lhe oferece ... que em virtude disso, lhe faça arcar com o custo da defasagem, de uma necessidade não atendida em sua totalidade.






domingo, 25 de outubro de 2020





1243

JANELAS ABERTAS E PORTAS FECHADAS

26/10/20


Chega um dia, em que não é mais possível a reparação, nem direta, nem indireta.  Não há mais tempo de dar a nós mesmos, aquele amor que nos negamos em receber - o vindo de dentro e o de fora - não há tempo de darmos ao outro, aquele amor que queríamos.  Queimamos desejos em favor das convenções e compromissos.

Já não há como: desfrutar do conforto merecido e adiado, que podíamos ter tido e que esteve ao nosso alcance; de nos entregarmos ao descanso necessário ou à consideração justa.  Além do que, a sensação deixada é: que todo o nosso empenho, não veio acompanhado da recompensa esperada. 

O mesmo vale, pras coisas materiais, que deveriam nos servir, e que na realidade, nunca nos apossamos delas.  O que dizer, daquela roupa nova, ainda na embalagem, bonita, que guardamos pra uma ocasião especial ... depois desse dia, um outro terá a oportunidade de fazer a 'estreia' dela.  Não estou dizendo aqui, nada que reforce o apego ou negando a  possibilidade de nossos pertences serem úteis à outra pessoa.  O que quero dizer, é que chega uma hora, em que podemos até, ter uma festa, pra desencavar a roupa, ainda com etiqueta e usá-la - mas não temos disposição pra ir, nem saúde pra desfrutar.

Não se volta ao tempo pretérito, para reparar erros, fechar as 'janelas abertas' ou  abrir as 'portas fechadas'.  Não se tem mais nada, além do arrependimento; da sensação de perda, do próprio tempo e do contentamento - ao qual renunciamos.  Tampouco, vão nos enterrar com aquela roupa nova.

As 'janelas abertas' são as lacunas que permitimos deixar em nossas vidas, por onde entrou tudo aquilo que não desejamos.  As 'portas fechadas' foram os empecilhos colocados, por nós mesmos à felicidade.

Essa mudança, às vezes, nos obriga a mudar do lugar, onde nos acostumamos a viver.  Nesse ponto, ao qual me refiro, a vida nos impele a fazermos, totalmente diferente, de todas as rotinas conhecidas - colhemos os resultados das nossas escolhas, da nossa limitação, das circunstâncias em que nos colocamos.  Vemos então, o fim da história sendo escrito, como não desejamos.

Ninguém em sã consciência, erra por vontade. Ao tentar fazer o certo, sempre há equívocos, que nos levam aos caminhos não pensados.  E como nada fica impune, nós sofremos as consequências dos nossos atos e das nossas omissões. 

Aos nossos olhos, isso parece uma retribuição injusta da vida, mas não é - é apenas resultado: dos nossos erros de cálculo; da nossa inexperiência; da nossa  imprevidência; da nossa carência; da nossa falta de coragem ou até mesmo, por escassez de inteligência.







1242


SEUS OLHOS, MERGULHO OU VIAGEM

25/10/20

Seus olhos me enganam, mas uma vez dentro deles, não sei se me encontro imersa, num mergulho de águas azuis tão profundamente esverdeadas ou se me embrenho pelo verde-outono-encantado das florestas.  De todas as formas, estou fora de mim, na aventura de entregar-me à uma desbravamento, voluntário e premeditado.

A cor de seus olhos, pode me enganar, o azul pode se tornar verde-outono, sob o sol; mas quanto ao mistério, à profundidade e encanto, sinto-os, sempre presentes, tanto no mergulho azul, ao qual me entrego - aos olhos de águas; quanto na viagem exploradora pelas matas - aos olhos de folhagens.  Ambos me consomem por inteira, em deslumbramento: por me deixar conhecer suas criaturas abissais; por me permitir ouvir os cantos e sussurros das matas, vislumbrar seus seres diáfanos, por descobrir seus caminhos secretos e escondidos; por saborear seus frutos desconhecidos.


arte | catrin welz-stein

quinta-feira, 22 de outubro de 2020


1241


POR OUTROS E NOVOS ÂNGULOS

22/10/20


Eu procuro sempre me manter próximo à praia, onde eu possa ver o continente, me guiar por sua geografia, mantendo-me longe das grandes correntes, que tirariam da rota, a minha frágil embarcação.

Invariavelmente, um vento ou outro, me arremessa contra os rochedos que rodeiam a costa, nesse movimento, me descubro, enfrentando águas profundas, as mesmas que tentei evitar.

Sou forçado a lidar com as avarias do casco, das velas; as minhas, as mãos calejadas no roçar das cordas, o rosto e os lábios ressecados pelo sol e o sal.

À minha necessidade de preservação e ao meu espírito de aventureiro, o desespero é garantido.  Ele se apossa de mim, como águas vivas, que se levantam do mar e tomam meu corpo, trazendo a queimação à carne e às ideias. 

Debato-me em táticas aflitas, executo os protocolos de emergência, envio sinalizadores de resgate, indicando minhas coordenadas; rogo aos céus; vejo as mãos sangrarem, sinto o corpo doer e o ânimo desfalecer.

Já nem sei, quem é que comanda o barco, o timão não obedece à minha força, a noite se antecede, desconheço o rumo que tomo.  Mas não desisto de segurar forte a roda, que coordena o leme, que lá debaixo, parece não conseguir rasgar o fluxo das águas.  Estou à deriva, ou assim penso!

Não sei por quanto tempo, enfrento essas águas revoltas.  Depois de ter as forças exauridas, de muito e muito tempo ter se passado, o céu se abre, as águas se acalmam, volto a  avistar a costa, de uma forma um tanto diferente, por outros e novos ângulos.  Retorno às águas serenas e conhecidas, apreciando o relevo familiar. 

Percebo que embora ferido, saí ileso, que as avarias do meu barco, não me puseram em risco, que sempre houve quem dirigisse o leme, enquanto eu segurava firme no timão dos meus ímpetos -  que mesmo eu desconhecendo a rota, ela tinha sido traçada e executada, por quem sempre esteve ao meu lado, acima de mim, abaixo - que me criou e não me abandona, porque não dorme.

Meus olhos descansam nas areias brancas e se emocionam sobre  a superfície transparente das ondas silenciosas.







terça-feira, 20 de outubro de 2020



1240

TRISTE IRONIA

20/10/20


Me perco nas horas, de quantas tenho, de quantas precisaria, para tudo o que é urgente, ser feito. Me perco nos dias, da semana, do mês.  Me confundo com o mês, o anterior, o próximo, até chegar no certo.  Quanto ao ano? ... ah! ... nesse eu não me perco, impossível me perder, nesse ano tão inusitado, e por quê não dizer - tão bizarro, na vida de todos!

Fomos arrancados das nossas rotinas, já decoradas e executadas com o pé nas costas.  Fomos arremessados contra as paredes dos limites impostos.  Fomos forçados a descobrir novos caminhos, para fazermos as mesmas coisas.  Fomos impedidos de fazer certas coisas, inclusive as mais prazerosas; mas aquelas que precisam ser feitas, mesmo que desagradáveis, essas, tivemos que arranjar um jeito de fazê-las. 

Tivemos a boca tapada, os braços amarrados e as pernas quebradas, já não podemos mais ir onde queremos.

Eu sempre digo, que às festas, podemos escolher ir ou não; mas aos enterros, não podemos nos esquivar - quero dizer com isso, que temos escolhas: se vamos rir ou não, porque 'rir' é um verbo opcional ... e que 'chorar', é verbo conjugado no modo imperativo. 

Triste ironia, hoje não temos festas e nem aos enterros podemos ir.







1239

IMAGEM E MODELO

20/10/20


Por mais que eu fale, o que digo, é direcionado a mim mesmo. Por mais que eu grite, é a minha consciência querendo sair das sombras, tentando me conscientizar, de que só eu posso fazê-la calar.  Por mais que eu arrisque um esboço, ou pintar uma cena ou situação, me faltam tintas e utensílios.

As palavras, apesar da quantidade e qualidade, não contam tudo; os gritos serão esquecidos, talvez nem sejam ouvidos; peco por exagero e inconveniência.  A obra, não traduz a totalidade dos fatos, porque além de tintas e utensílios, me falta a habilidade, para captar a transparência das cenas, comprometendo a obra.

Seria preciso emprestar-lhes meus sapatos, a minha pele, para andarem pelo caminho que trilho.  Aí sim, as palavras fariam sentido, gritos não seriam necessários e a obra sairia a contento - eu acertaria nas cores e a imagem retratada sairia vibrante, sonora e quente - sobretudo fiel ao verdadeiro modelo.  Porque saberiam do que falo, mais por sentirem-no, do que pela minha narrativa ou visualização do que lhes mostro.




domingo, 18 de outubro de 2020





1238

AS HORAS E SUAS MEDIDAS

19/10/20

Em horas pequenas, fugazes e curtas, é que são guardados os momentos mais felizes; como são preservadas, as mais puras fragrâncias, dentro dos menores frascos.  

Nas horas grandes, esticadas e profundas, se demoram os mais compridos tormentos; como a neve que soterra os campos, como as eras que escondem a história.  

Todas as horas são finitas, mas algumas se arrastam com descaso, testando nossos nervos.  É fato, que de alegria ninguém morre, enquanto que, de desgosto, se morre aos poucos, mesmo sem querer.

O que é bom, é fugaz, e se não prestarmos atenção, não o viveremos na plenitude, ele se vai tão rápido, que não conseguimos, nem com certo esforço, retê-lo por um tempo maior; ao passo que o que é ruim, se arrasta feito lesma, e quando passa, deixa em nós, seu rastro pegajoso.





sábado, 17 de outubro de 2020



1237

SAUDADE 

17/10/20 


À saudade, peço que seja breve e ao tocar a minha alma, a toque de leve.  

A saudade tem o poder de ir e vir, mas a vida só pode, adiante seguir.


Peço à saudade que não seja inclemente, porque sei, que ela vai embora, tarde ou cedo, e a minha alma fica por aqui, ainda algum tempo.  

A saudade é visita que se senta na sala, vai à mesa, às vezes se deita comigo, remoendo o assunto e quando se vai, me deixa nostálgica - sem com isso, me permitir mudar um milímetro sequer, de como, tudo se deu.  Ela só faz voltar aos velhos capítulos e revolver as letras e lembranças - um sentimento que não dá em nada - pois tudo permanece como é, quando ela se vai, deixando seu ranço.  Chego a pensar que ela se presta a instigar o desconforto, porque uma história não se modifica de trás para frente - e sim, do agora para frente.  Ela sabe muito bem disso!

Ser saudosa, até que tudo bem, eu lhe permito ser; mas que não me seja salgada  (coisa que nem sempre acontece), pois algumas vezes, se mostra, completamente insensível às minhas súplicas.  



sexta-feira, 16 de outubro de 2020

1236


SER E ESTAR

16/10/20



As medidas foram pequenas, e ela não coube dentro delas.  O espaço era restrito e feriu-se, ao debater as asas. Foi um sapato que apertou, uma roupa que pinicou e espremeu sua alma.  Precisava de um lugar, para poder ser ela mesma, onde pudesse dançar e cantar, sem medo de machucar as asas ou de lhe calarem a voz.  Voou para fora, porque nem ela, e nem seu amor por si mesma, acomodaram-se entre limites tão estreitos.



segunda-feira, 12 de outubro de 2020

73

UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO

OS DOIS ALFABETOS

12/10/20



Quando nascemos, desconhecemos qualquer um.  Aprendemos primeiro, os sons, imitando os adultos, na ânsia de nos comunicarmos com o mundo à nossa volta, balbuciamos as palavras, e aos poucos alcançamos o domínio da linguagem.

Junto com as palavras, aprendemos também, os sinais que as acompanham, de emoções, sentimentos - a forma como falar - para obtermos o que desejamos.  Isso também se dá por imitação, desde cedo, somos manipulados e aprendemos a manipular, de acordo com o objetivo que queremos atingir.

Mais tarde, mais crescidos, vamos à escola, para sermos alfabetizados, mas a comunicação já foi estabelecida há muito tempo, de acordo com o meio e as vivências que tivemos.  É na escola que temos o contato com o alfabeto que nos permite escrever e ler, a linguagem, a qual já fomos apresentados, em termos das 'palavras' que usamos.  .

Qualquer correção, com relação a troca de letras, ou equivoco na linguagem usada, em representação gráfica ou de fonemas, tem a chance de ser corrigida, na alfabetização escolar.

O mesmo, não podemos dizer, a respeito do alfabeto emocional, que tende a permanecer idêntico, aquele que aprendemos, desde as primeiras interações com nossos familiares.  A 'forma' como nos expressamos - como dizemos as palavras - obedece à uma formatação apreendida, por observação, segundo o que presenciamos desde tenra idade, com tendência a ser repetida.  

Vemos por experiência, que certos comportamentos abusivos, doentios e insanos, estragam e até inviabilizam os relacionamentos.  Tudo porque, não existe escola que ensine o alfabeto emocional, e ao contrário da linguagem falada por sons - a linguagem gestual e comportamental - não é passível de ser corrigida.  Só depois de muitas perdas e distúrbios instalados, é que a pessoa se apercebe, de quanto está equivocada, quanto à maneira de se relacionar, que engloba manipulação, controle, imposição, comparação ... e desqualificação, intimidação, retaliação,  quando tudo isso não surte efeito desejado.  Tais  práticas são danosas, nem sempre funcionam e frustram as expectativas de construir um relacionamento saudável.  

Corrigir dinâmicas tóxicas, é algo que requer um certo grau de inteligência, pois é preciso, que se reconheça as perdas, em primeiro lugar.  Outros requisitos necessários - vontade e coragem - para remexer velhos padrões e nem sempre encontrar coisas gostosas de serem 'vistas' ou 'cheiradas'.  

Sobretudo é necessário, muita determinação, para modificar o que já se encontra cristalizado em nós; e humildade, para admitir, que estivemos equivocados até agora.






domingo, 11 de outubro de 2020

1235


CICLO E CÍRCULO / A COBRA E A BARATA

11/10/20




Nasço, vivo e morro, dentro de um pensamento; para renascer no outro seguinte, recomeçando o ciclo, sem sair de dentro do círculo.

Como a cobra atrás de seu rabo, é sempre o mesmo caminho, sigo a linha redonda, que vai dar no mesmo lugar - acabo por abocanhar o meu próprio rabo.  Ando, ando e chego sempre ao mesmo ponto - o de partida, que também é o de chegada.  Qualquer que seja a minha direção, não saio de dentro dos limites que eu mesmo traço.  Parece um comportamento insano, de quem tem pouco, ou nenhum juízo, mas é assim que acontece - personifico a 'barata tonta'.  

Por não enxergar um traçado diferente, a ser preenchido pelos meus passos, vou andando pelos mesmos, meus velhos conhecidos, calejando os pés e gastando os caminhos.  





sábado, 10 de outubro de 2020

1234


IMPERFEITA E RELATIVA

10/10/20




Eu te peço, tenhas cuidado ao pisares o chão.  Meus sonhos estão sobre ele, acima dele, ao redor dele, porque juntamos os nossos caminhos num só.  E não só, os sonhos, agora estão sendo partilhados. Nossas histórias distintas - se fossem matéria - eu diria, que se diluíram os componentes, que entraram em fusão e formaram uma outra, diferente das anteriores, em constituição, trajetória e objetivo.  

Amor, não te posso exigir; mas respeito? ... isso sim! ... devo e vou!  Se não quiseres ver o amor caído ao chão, é preciso mãos dadas , caminhar lado a lado, como dupla coesa, robusta e poderosa.  Acredito que é dessa união, que poderemos alcançar, a perfeição do amor, ainda que imperfeita e relativa.



sexta-feira, 9 de outubro de 2020

1233

MISÉRIAS E RIQUEZAS

09/10/20



Quando eu falo, falo de mim, das minhas misérias e mazelas.  E quando falo, falo primeiro, a mim mesmo; me obrigo a pensar sobre minhas possíveis saídas; é quando sou forçado a garimpar as minhas riquezas, ocultas e perdidas, dentro do cascalho da jazida desconhecida; porque só eu tenho acesso e permissão de fazê-lo.  

Quando falo da minha miséria, é inevitável que fale da minha riqueza, porque ao ser impelido a desenterrá-la, dos meus confins, na ânsia de obter a solução, coisa que só cabe a mim descobrir - me deparo com o seu brilho e valor, e uma vez vinda à luz, é impossível enterrá-la novamente.

AOS OLHOS QUE LEEM

1232

AOS OLHOS QUE LEEM
09/10/20





Uma vaga tristeza dançava em seu olhar, de um canto a outro, tentava não ser notada, fingindo-se de alegre, artificiosa, soando falsa.  Era turva e sem jeito.  Não se deixava analisar, tampouco passava despercebida.

Mancomunado com ela, um sorriso caricato, às vezes, exprimia as bochechas, em direção às orelhas; mas não convenciam, nem um nem outro, atingiam tal propósito.

Mais triste que a pura tristeza, era aquela tentativa infrutífera, de arrancar, sabe lá de onde, do fundo das doces lembranças, algo capaz de convencer do contrário,  sem dúvida - um esforço inútil e dispensável, aos olhos que leem.


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

1231


PRESENTE E VIVO

07/10/20





Ela encostou a porta, pedindo respeito e privacidade, como sinal, de que colocava um limite físico para as ofensas.  Ele, mesmo indignado com a porta fechada, passou a chave e trancou, determinando para sempre, que aquilo fora uma afronta.  Nunca se perguntou sobre o por quê! 


Dizem que o amor a tudo suporta.  Verdade e mentira.  Ele suporta a fome de pão, mas não sobrevive à fome de atenção.  Ele é capaz de enfrentar os mais duros pedaços, mas não consegue transpor um obstáculo sequer, sozinho.  Ele suporta longos períodos de distância, mas nem um tempo, isolado e esquecido.

A natureza do amor ainda é humana: ele precisa ser alimentado, aguado, reconhecido e em primeiro lugar - necessita saber-se, digno de respeito.  Como sentimento que ainda é, ele não se entende como 'gente', se não conseguir sentir, dentro dele mesmo, isso tudo.  

Infelizmente, quando as pessoas recebem o mesmo tratamento que dispensam aos outros, não o aceitam - porque não há dor, para quem aplica o golpe - só o ser atingido, é que se sente o verdadeiro peso da medida.  É comum, o perpetrador das críticas mais mordazes, não aguentar nem um 'pequeno arranhãozinho', que ameace embaçar o verniz de sua imagem .. e aqui, a redundância é proposital.

Assim se dá com a plantinha, que cresce entendendo, que virão dias quentes e frios, chuvas e ventos, mas que suas raízes a manterão firme ao solo, fortes e determinadas. O mesmo com o animalzinho, que desconhece o conforto, mas sabe - ser amado por seu dono - e se sente seguro, de que este, tudo fará para protegê-lo.

Enquanto o amor for apenas humano, enquanto não adquirir características de 'sobre humanidade', ele se ressentirá, de não poder mais ser 'sentido', na plenitude que conhece ... e nostálgico, verá sempre um buraco vazio, onde antes, ele lá esteve, presente e vivo.  



segunda-feira, 5 de outubro de 2020

1230


O CISCO DO PENDURICALHO

05/10/20



Da minha janela, assisto girar o mundo.

À cabeça sobe, sentimento controverso

ao corpo desce, pensamento infecundo:

o que sou?  nesse oceano, submerso?


Se eu nem saio da janela, talvez quem gira

seja o outro mundo lá fora, e eu aqui na beira

tenho leve consciência, de que algo acontece ...

Se fixo no movimento, minha cabeça entontece.


Gira o meu mundo, no universo - como penduricalho.

E eu? um certo tipo seu, de espantalho ou borralho!

Sou um cisco, preso ao penduricalho suspenso!

Eu, um cisco, que penso e me repenso:

sobre o destino do ser, que de mim transcende

e onde fica o fio, que ao penduricalho suspende!